Giuliano Amaral, Priscilla Fraga e Victor Bolonha, fundadores da Mileto: missão de transformar o ensino médio a porta de entrada para o mercado de trabalho no Brasil (Divulgação/Divulgação)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 22 de abril de 2025 às 06h01.
Falta experiência prática. Falta orientação. Falta acesso. O desemprego entre jovens brasileiros é crônico e, em boa parte, tem raízes na desconexão entre escola e mercado de trabalho. Enquanto o ensino médio tradicional se dedica a preparar o estudante para o vestibular, o jovem entra no mercado aos 19 ou 20 anos sem prática e sem repertório profissional.
A Mileto nasceu para atacar esse problema. A startup foi criada por Giuliano Amaral, Priscilla Fraga e Victor Bolonha com a proposta de conectar estudantes de ensino médio técnico a empresas interessadas em formar talentos desde cedo. A plataforma, voltada para vagas de estágio, acaba de captar 1,2 milhão de reais com investidores-anjo para estruturar sua operação e ganhar escala.A empresa opera em modelo B2B — sigla para "business to business", ou seja, vende seus serviços diretamente para outras empresas — e cobra uma taxa para conectar jovens a oportunidades de estágio. A Mileto atua como ponte entre três pontos: escolas técnicas, estudantes e o setor privado.
“O ensino médio deveria ser a ponte para o mercado de trabalho. Mas o jovem brasileiro só entra nesse mundo tarde, despreparado e cheio de preconceitos sobre empresas e trabalho formal”, afirma Giuliano Amaral, CEO da startup. “Muitos chegam ao primeiro emprego com uma visão negativa do ambiente corporativo antes mesmo de conhecer como ele funciona.”
A operação ainda está em estágio inicial — um MVP, ou produto mínimo viável, que é a versão mais enxuta de um produto capaz de ser testado com usuários reais. A plataforma já colocou cerca de 30 jovens em estágio e tem mais de 10 empresas parceiras. O plano é crescer rápido: 200 jovens até dezembro, 2.000 no próximo ano e 10.000 em 2027. A meta de longo prazo é atingir 100 mil até 2029.Além de atuar como ponte para estágios, a Mileto busca desenvolver o mercado. Isso significa trabalhar com empresas que nunca contrataram estagiários do ensino médio, formar comunidades entre os jovens e criar uma cultura de valorização da experiência prática desde cedo. “Já colocamos jovens de 16 anos em startups, escritórios de advocacia e restaurantes. Isso só é possível porque eles chegam com formação técnica e perfil mão na massa”, afirma Amaral.
Entre os primeiros clientes da plataforma estão a edtech Medway, a startup de impacto social Água na Caixa, a rede de eventos Villa Bisutti e a rede de restaurantes Modern Mamma Osteria. De acordo com Amaral, 90% das empresas abriram novas vagas após os primeiros três meses de programa. “É a validação do modelo”, diz.
Para Amaral, o Brasil precisa mudar o foco da discussão educacional. “O ensino superior recebe atenção demais. A transformação que o país precisa está no ensino médio. É ali que o jovem deveria começar sua jornada profissional, não só acadêmica”, afirma. “Hoje temos bons cursos técnicos, mas sem conexão com o mercado.”
Um dos gargalos, segundo ele, é o preconceito cultural. No Brasil, o ensino técnico é visto como alternativa para quem não vai cursar uma faculdade. Em países como Alemanha e Suécia, é o contrário: jovens usam o ensino técnico como base prática antes da universidade. “Quem faz técnico chega à faculdade com mais maturidade e aproveita melhor o curso”, diz Amaral.
Outro obstáculo é a falta de vivência profissional. Mesmo os melhores cursos técnicos não oferecem estágios obrigatórios. “A média da OCDE mostra que 40% dos estudantes têm formação baseada em experiências práticas — o work-based learning. No Brasil, esse número é quase zero”, afirma.
A Mileto quer mudar isso. Para o jovem, a ideia é oferecer mentoria, comunidade, trilhas de aprendizagem e acesso gratuito a uma plataforma de estudos para o ENEM, de forma a mitigar o dilema entre estágio e preparação para o vestibular. Para as empresas, o argumento é o retorno sobre investimento.
“O jovem do ensino técnico custa metade de um estagiário universitário. E chega mais aberto ao aprendizado, mais engajado, com menos preconceitos sobre o ambiente corporativo”, afirma Amaral.
A rodada de investimento-anjo que acaba de ser concluída, no valor de 1,2 milhão de reais, reúne nomes influentes nos setores de educação, tecnologia e recursos humanos. Entre os investidores estão Mario Ghio (presidente da ABRASPE e do Instituto Alfa e Beto), Anderson Morais (cofundador e CEO da Agenda Edu) e Simmon Nam (CRO da Musa, ex-Rappi e QuintoAndar).
Com o capital, a Mileto pretende automatizar processos, escalar a base de empresas e ampliar a comunidade de estudantes. A operação, até aqui feita “na raça”, deve ganhar velocidade em 2025.
A startup também quer reforçar a presença nas escolas técnicas da rede pública, especialmente no estado de São Paulo, onde o Centro Paula Souza concentra parte das melhores notas do ENEM entre as escolas públicas. “São jovens que passaram por processo seletivo e têm um diferencial. A maioria está mirando boas faculdades, mas muitos não têm acesso a experiências práticas”, diz Amaral.
Mais do que resolver a dor das empresas com a Geração Z, a Mileto quer antecipar um modelo de entrada no mercado que ainda não existe no Brasil. “Estamos apostando que o vestibular vai mudar, que o mercado vai valorizar a experiência, e que o ensino médio técnico pode ser a porta de entrada para uma carreira sólida”, afirma Amaral. “A ponte está quebrada, e alguém precisa reconstruí-la.”