Shein: varejista que nasceu na China faturou 38 bilhões de reais em 2024 (Yuichi Yamazaki/AFP/Getty Images)
Repórter de Negócios
Publicado em 2 de outubro de 2025 às 12h04.
A Shein escolheu Paris para dar um passo inédito no varejo global: abrir sua primeira loja física permanente no mundo.
Mas a decisão da varejista chinesa de ocupar espaços emblemáticos da moda francesa criou um conflito direto com a Galeries Lafayette, uma centenária galeria de lojas francesa, e acendeu um novo alerta entre federações e marcas locais.
A ofensiva física será feita em parceria com a Société des Grands Magasins (SGM), empresa francesa que opera imóveis comerciais e administra lojas afiliadas da Galeries Lafayette.
A estreia está prevista para novembro, com uma loja no sexto andar do BHV Marais, no centro de Paris, seguida por unidades em cinco cidades do interior — Angers, Dijon, Grenoble, Limoges e Reims.
O anúncio, feito durante a Paris Fashion Week, gerou reação imediata.
A Galeries Lafayette, dona da bandeira e controladora de parte das operações da rede, se manifestou contra o projeto.
“A Galeries Lafayette se opõe à instalação da Shein nas cinco lojas afiliadas ao grupo SGM”, afirmou a empresa em comunicado oficial, citando que o acordo fere os contratos de afiliação e contradiz os valores da marca. “Essa decisão vai contra o posicionamento e as práticas da Galeries Lafayette. Informamos ao grupo SGM e ao seu presidente, Frédéric Merlin, que não permitiremos a execução desse projeto”, afirma o texto.
Apesar da ameaça de bloqueio, a Shein e a SGM defendem o projeto como parte de uma estratégia de revitalização urbana.
“Essa aliança representa um compromisso com a restauração dos grandes magazines e com a criação de 200 empregos diretos e indiretos na França”, informou a Shein.
Para a SGM, o acordo ajuda a “atrair um público mais jovem e adaptar a oferta às preferências locais”.
A escolha da França como “laboratório” físico da marca não foi por acaso.
“É natural que essa jornada comece em Paris, no BHV, o berço do varejo moderno, antes de se expandir para outras cidades”, afirmou Donald Tang, presidente executivo da Shein, à agência de notícias AFP.
O plano da Shein ocorre em meio a uma ofensiva regulatória contra o modelo de ultrafast fashion na Europa.
A França aprovou neste ano uma lei que prevê restrições à publicidade, sanções financeiras e exigências mais rígidas de rastreabilidade para empresas do setor. Além disso, Shein e Temu estão sob investigação por usarem brechas legais que permitem importar pacotes pequenos sem impostos — prática que é vista como uma vantagem competitiva injusta pelas marcas locais.
Fundada na China e com sede atual em Singapura, a Shein faturou 38 bilhões de dólares em 2024, com um modelo baseado em preço baixo, altíssimo volume de lançamentos e marketing digital agressivo.
Na avaliação de críticos, esse modelo compromete práticas ambientais e trabalhistas — e cria distorções no mercado europeu.
A Federação Nacional do Vestuário, que representa varejistas independentes na França, classificou o acordo como “alarmante”.
“Depois da Pimkie, agora é o BHV, instituição parisiense desde 1860, e a Galeries Lafayette nas províncias que se voltam para o ultrafast fashion, sinalizando uma falta de imaginação e profissionalismo. Essas marcas, que no passado contribuíram para o prestígio da moda francesa, agora se associam ao que há de mais contestável no setor”, afirmou a entidade.
Outras federações da indústria têxtil francesa também se posicionaram contra o avanço da Shein. Em comunicado conjunto recente, elas pedem ação da União Europeia contra o modelo de negócios baseado em volume e preço. Já o presidente da Fédération Française du Prêt-à-Porter Féminin, Yann Rivoallan, chegou a dizer que o projeto “coloca em risco a sobrevivência do savoir faire francês”.
A Galeries Lafayette não detalhou quais medidas tomará para barrar as lojas, mas indicou que recorrerá a cláusulas contratuais.
A disputa escancara o conflito entre redes que buscam reinventar sua atratividade comercial — como a SGM — e as marcas que querem proteger seu posicionamento histórico.