Daniel Dantas: “Dantas está aproveitando o momento de fragilidade do PT”, diz professor do Insper (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Agência de notícias
Publicado em 15 de junho de 2017 às 10h00.
Última atualização em 5 de maio de 2023 às 12h29.
*Esta reportagem foi atualizada em 5 de maio de 2023 para incluir o posicionamento do Opportunity.
Daniel Dantas foi considerado o “bad boy” do setor financeiro brasileiro por muito tempo.
Perspicaz, agressivo e veterano de brigas judiciais, ele foi motivo de revolta nacional quando com uma aquisição da Brasil Telecom na década de 1990 e depois se desentendeu publicamente com seus sócios do Citigroup durante anos.
Mais tarde, envolvido em um escândalo de corrupção em 2008, Dantas foi preso por tentativa de suborno, ficou brevemente na cadeia e seu fundo foi obrigado a abrir mão temporariamente de alguns ativos.
Uma década se passou e Dantas está apostando numa volta triunfal – como pecuarista, especulador de propriedades rurais e minerador* (confira o posicionamento da empresa abaixo).
E ele nem come carne. Segundo pessoas com conhecimento do assunto, o Opportunity do qual ele é cofundador, tem mais terras -- aproximadamente 500.000 hectares – do que qualquer outra empresa no Brasil e estuda novamente abrir o capital do negócio. Paralelamente, Dantas avalia mais investimentos em inteligência artificial.
As coisas vão indo tão bem que Dantas entrou pela primeira vez no Bloomberg Billionaires Index. Uma nova análise indica que o patrimônio dele chega a US$ 1,8 bilhão.
Dantas, que mantém seus ativos em entidades complexas, preferiu não fazer comentários sobre sua fortuna. Junto com a irmã Verônica e o sócio de longa data Dório Ferman, ele controla fundos que administram R$ 26 bilhões (US$ 8 bilhões) em ativos, mais que o dobro que tinha quando ele foi preso uma década atrás.
O montante inclui aproximadamente R$ 4,5 bilhões que foram desbloqueados em julho do ano passado, depois que a justiça brasileira anulou a Operação Satiagraha e a pena de 10 anos de Dantas.
Mas como sempre, ele não fica longe das controvérsias. Aproximadamente 700 pessoas estão acampadas em terras do Opportunity exigindo direito de propriedade.
A divisão pecuária do fundo é acusada de criar gado ilegalmente em fazendas embargadas, que foram desmatadas de forma ilícita antes de serem adquiridas pelo fundo, o que a instituição nega.
Até certo ponto, ele pode se dar ao luxo de ser tão ousado porque saiu ileso da Operação Lava Jato. Hoje Dantas não enfrenta mais a pressão do Partido dos Trabalhadores.
“Dantas está aproveitando o momento de fragilidade do PT”, disse Sergio Lazzarini, professor do Insper, em São Paulo. “Mas não tem santo nesta história.”
Dantas vem de uma tradicional família de magnatas e políticos. O avô de seu avô foi Cícero Dantas Martins, criador de gado com título de nobreza que dá nome a uma cidade na Bahia.
Depois de administrar dinheiro para um banqueiro no Rio de Janeiro, Dantas, que tem PhD em Economia, se juntou a Ferman para fundar o Opportunity Fund, em 1994.
A empreita eventualmente se expandiu na forma de diversos fundos que compram empresas e administram dinheiro próprio e de terceiros.
Ele ficou rico e ganhou fama como empresário recluso durante a onda de privatizações da década de 1990. Ele também se meteu em diversas polêmicas com seus sócios.
O Opportunity Fund liderou um consórcio que incluía a Telecom Italia e o Citibank para compra da Brasil Telecom.
O Opportunity e a Telecom Italia entraram em conflito e depois o mesmo aconteceu com o Citi. Eventualmente, em 2008, processado pelo Citi, ele saiu da Brasil Telecom (que mais tarde seria transformada na Oi SA).
As coisas pioraram muito naquele ano com a Operação Satiagraha. Dantas foi preso duas vezes e ficou na cadeia alguns dias por tentar subornar um policial para manter seu nome fora de uma investigação, além de outras acusações. Demorou alguns anos e diversas manobras jurídicas, mas Dantas conseguiu que o processo fosse anulado.
O principal delegado do caso, Protógenes Queiroz, após um período como deputado federal pelo PCdoB, vive na Suíça onde luta contra uma ordem de prisão para cumprir uma pena de dois anos por violação de sigilo.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal manteve uma decisão anterior de anular a Operação Satiagraha, após o habeas corpus para soltura de Dantas ter sido criticado por 45 promotores como uma “descarada afronta às instituições democráticas’’ brasileiras e atacado por mais de 130 juízes por pular regras processuais, segundo cartas publicadas na imprensa.
Dantas também fez uma ofensiva contra o Citi. Em processo movido na justiça federal em Nova York, ele alegou que o banco conspirou com autoridades brasileiras para arrancar a participação dele na Brasil Telecom há uma década.
Ele disse que foi punido por resistir a pedidos por dinheiro de campanha. Em pedido para anular a queixa, o Citi afirmou que Dantas está tentando requentar acusações antigas sem ter provas.
Enquanto isso, seus negócios crescem. Há três anos, a mina Baratinha, de propriedade do Opportunity, entrou em operação em Minas Gerais e agora produz cerca de 2 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, gerando um fluxo de caixa que está financiando outros oito projetos de exploração, que abrangem ouro, fosfatos, minerais raros e água mineral, de acordo com uma pessoa que pediu anonimato por não ter autorização para falar sobre o assunto.
No Pará, outro empreendimento do Opportunity em franca expansão é a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara. Mais de duas dezenas de fazendas da Santa Bárbara que foram bloqueadas anos atrás na Satiagraha foram liberadas pela justiça a partir de 2012.
Em uma visita recente, um dos executivos levou quase uma hora para cruzar uma das fazendas de caminhão, onde os vaqueiros usam camisetas com o slogan do fundo: “Atitude de dono’’.
Mas a polêmica segue Dantas, como é o caso nas fazendas. Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam duas fazendas da Santa Bárbara há nove anos e um executivo da empresa se recusou a visitar o local para evitar conflitos.
A área lembra uma zona de guerra, com escombros queimados de uma fábrica, um laboratório de genética e escritórios. Os militantes protestam contra a distribuição de terras no Brasil, onde um por cento dos fazendeiros são donos de metade do território agrícola.
“Há tanto concentrado nas mãos de poucos como Dantas”, disse Pedro Pereira da Silva, que já trabalhou como garçom e hoje é um dos 700 acampados em uma fazenda da Santa Barbara. “É financeiramente impossível para nós.”
A Santa Bárbara vem negociando a venda de duas fazendas para o governo para que os sem-terra fiquem lá. O preço potencial de venda — aproximadamente R$ 100 milhões — é mais que o dobro do que a Santa Bárbara pagou originalmente há uma década.
Não é tanto quanto Dantas pedia, considerando a inflação, mas pelo menos o pecuarista vegetariano poderia se livrar de outra arrastada briga.
1) O Opportunity e seus executivos foram alvos da operação policial Satiagraha encomendada para atender a interesses privado. O objetivo era a tomada de controle da Brasil Telecom, empresa do portfólio dos fundos de investimentos do Opportunity.
2) Antes mesmo da deflagração da operação Satiagraha, em 8 de julho de 2008, na fase de investigações, ficou comprovado que não existiam crimes praticados pelo Opportunity. O Ministério Público Federal (MPF), por duas vezes, pediu a descontinuidade da investigação já que "dos autos não consta nada de concreto que sequer sugira a prática de crime por quem quer que seja..."
3) O Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 1, em 2008, julgou ilegais as prisões decretadas na Satiagraha. Na ocasião, o ministro Celso de Mello afirmou que nunca tinha presenciado “em 40 anos de atuação na área jurídica, seja como membro do Ministério Público paulista, seja como Juiz desta Suprema Corte” ... “comportamento judiciário tal como este perpetrado pelo magistrado federal, titular da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo”.
4) Em 7 de junho de 2011, acatando parecer do Ministério Público Federal, a Operação Satiagraha foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse julgamento, foi reconhecida a presença de interesses privados na operação: “(...) Não se pode admitir que em um Estado Democrático de Direito, à margem da lei e de vários Princípios consagrados, como o da legalidade, do devido processo legal e da impessoalidade, se corrobore com o direcionamento e, por que não dizer, com o complô, de uma investigação criminal que ultrapassou todos os limites legais, tornando-se, ouso dizer, uma querela pessoal para incriminar determinada pessoa, valendo-se, para tanto, do uso efetivo de agentes da ABIN e até de um ex-servidor do finado SNI, por parte da autoridade administrativa, em induvidoso e inaceitável desvio de poder, maculando todo e qualquer ato administrativo ou investigativo praticado.”
5) Em 24 de junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a decisão do STJ.
6) Em 22 de fevereiro de 2016, em Apelação Criminal, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF- 3) decretou o arquivamento da ação penal relativa aos alegados crimes financeiros e corrupção no âmbito da mesma operação.
7) Em 25 de outubro de 2019 e 29 de janeiro de 2020, a Procuradoria da República, em São Paulo, e a Procuradoria Regional da República da 3ª Região atestaram que a corrupção imputada a Daniel Dantas não passou de simulação.