PAULISTA: na avenida mais icônica de São Paulo foram encontrados 195 propriedades registradas em nome de empresas offshore / Wikimedia Commons (Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 10 de abril de 2017 às 06h58.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.
Camila Almeida
Faria Lima, Berrini, Paulista. Avenidas consagradas como o coração da cidade de São Paulo, margeadas por arranha-céus por onde circulam as mais robustas transações do Brasil. Mas parte desse luxuoso império financeiro e empresarial pode estar servindo de morada para bilhões de reais arrebanhados de maneira ilegal, de acordo com uma nova pesquisa da organização Transparência Internacional, que investiga a corrupção ao redor do mundo.
O estudo intitulado “São Paulo: A Corrupção Mora ao Lado?”, divulgado internacionalmente nesta segunda-feira, descobriu que 3.452 imóveis na cidade estão registradas em nome de proprietários que não se sabe quem são. Eles estão sob controle de 236 empresas offshore diferentes, vinculadas a paraísos fiscais, e somam valor de 8,6 bilhões de reais. Cada imóvel custa, em média, 2,5 milhões de reais. Os dados foram coletados a partir de cadastros na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) e da prefeitura da cidade.
As empresas offshore, o estudo lembra, não são ilegais no Brasil. Elas são uma sociedade limitada que não tem presença de pessoa físicas na jurisdição, nem funcionários ou atividade profissional. Seu principal objetivo é esconder os reais beneficiários e isentá-los da cobrança de impostos. A operação dessas empresas se justifica pela facilitação de negócios internacionais, a fim de proteger os bens de sistemas políticos e econômicos instáveis, além de garantir o sigilo nas transações.
O problema é que esse tipo de formatação favorece esquemas de lavagem de dinheiro, e as offshore são frequentemente utilizadas para esconder ganhos advindos de atos ilícitos. As empresas offshore com imóveis em São Paulo estão registradas em basicamente cinco países: Ilhas Virgens Britânicas, Uruguai, Estados Unidos, Panamá e Suíça. As propriedades são as mais diversas: de flats a edifícios de escritório, de postos de gasolina a templos religiosos.
A maioria desses imóveis está localizada nas avenidas Chucri Zaidan e Engenheiro Luiz Carlos Berrini, que concentram 820 das 3.452 propriedades identificadas. A aquisição de imóveis por meio de empresas vinculadas a paraísos fiscais é a forma preferida dos corruptos para colocar no mercado o dinheiro ilegal. Um estudo de 2015 da Transparência Internacional no Reino Unido mostrava que 75% das propriedades de investigados em esquemas de corrupção foram adquiridas por meio de empresas offshore.
Esse método é utilizado por três motivos principais: porque o investimento em imóveis é de baixo risco; porque, como os imóveis são caros, é possível lavar alguns milhões de reais de uma única vez; e porque, no Brasil, é possível que essas empresas adquiram os imóveis sem precisar declarar o beneficiário final. De acordo com a pesquisa, a falta transparência e a valorização dos imóveis fazem de São Paulo um mercado bem atrativo para gente corrupta.
As propriedades adquiridas de forma duvidosa ocupam um grande espaço — em região de luxo — da cidade. Ao todo, elas somam 53 milhões de metros quadrados, o que equivale a 7.400 campos de futebol. Uma única empresa detém boa parte desse latifúndio. De acordo com o estudo, essa empresa com sede em Delaware se instituiu no Brasil em 2007, e é proprietária de 729 imóveis. Na época, o capital da companhia era equivalente a 19.000 reais. Hoje, o montante declarado ultrapassa 185 milhões de reais.
As complexas estruturas societárias dessas empresas dificultam o rastreamento dos proprietários dos imóveis. Escândalos não faltam. O caso emblemático mais recente, citado pelo estudo, foi protagonizado pelo ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que caiu nas investigações da Operação Lava-Jato. Preso em 2015, Cerveró detinha um apartamento no Rio de Janeiro avaliado em 7,5 milhões de reais, adquirido com dinheiro de propina, por meio de uma empresa offshore.
Para impedir que transações pouco transparentes continuem a ocorrer, a organização faz algumas recomendações urgentes: a primeira é divulgar informações sobre o beneficiário final das empresas offshore incorporadas no país; a segunda é divulgar informações sobre os beneficiários finais de todas as empresas que adquirem imóveis no país, estejam elas incorporadas aqui ou no exterior.
A lista de medidas que devem ser adotadas para clarear essas transações é extensa e passa por todas as esferas do executivo, do governo municipal ao federal. Mas elas passam basicamente por um ponto: acesso à informação. As informações sobre empresas e imóveis devem ser tornadas públicas, segundo a ONG, em bancos de dados atualizados e acessíveis. A organização cobra que o Senado vote um projeto (27/2013) que obriga uma definição legal de beneficiário final, e que já foi aprovado pela Câmara.
A briga por mais transparência em relação às pessoas físicas por trás dessas transações se intensificou nos últimos anos. Em 2014, os países do G20 adotaram os princípios de alto nível para a transparência do beneficiário final, por um apelo do grupo Business 20, que lidera os diálogos do setor empresarial com as maiores economias do mundo. Na ocasião, a transparência financeira de acordos foi declarada como alta prioridade, e o Brasil foi identificado como portador de uma estrutura legal fraca para garantir o acesso a essas informações. Um país considerado inseguro, onde a corrupção encontra terreno para construir seu império.