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Robôs, cérebro e dados: eles querem mudar a reabilitação no Brasil

Com equipamentos de alta tecnologia, protocolos intensivos e um time de médicos e cientistas, o centro Apollo quer transformar a forma como pacientes com doenças neurológicas se recuperam

Laura Tabacof, Rafael Yamauti e Mariana Navarro: com realidade virtual, neuromodulação e robôs inteligentes, a Apollo quer acelerar a recuperação neurológica de pacientes em um ambiente de alta performance e acolhimento (Leandro Fonseca/Exame)

Laura Tabacof, Rafael Yamauti e Mariana Navarro: com realidade virtual, neuromodulação e robôs inteligentes, a Apollo quer acelerar a recuperação neurológica de pacientes em um ambiente de alta performance e acolhimento (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 26 de outubro de 2025 às 08h12.

Uma esteira com um telão à frente e projeções holográficas no chão guia os passos de um paciente com dificuldade de locomoção. Ele caminha com apoio de sensores que monitoram cada movimento. O ambiente, com piso de madeira clara, teto alto e equipamentos tecnológicos, não lembra um hospital. Parece mais uma academia de alto desempenho.

A cena acontece em uma das salas de reabilitação da Apollo, um novo centro de recuperação neurológica que abriu as portas há poucos meses em São Paulo.

A proposta é clara: unir tecnologia, ciência, ambiente acolhedor e atendimento multidisciplinar para reverter o que os sócios consideram uma falha grave do sistema privado de saúde no Brasil: a fragmentação da reabilitação.

Essa experiência de andar em uma trilha holográfica é parte de um protocolo criado para ativar o cérebro de pacientes que sofreram AVC (acidente vascular cerebral) ou convivem com doenças neurológicas como Parkinson, esclerose múltipla ou lesões medulares.

O objetivo é simples: acelerar a recuperação funcional.

“Reabilitação de verdade exige intensidade, acompanhamento clínico e uso de tecnologia para repetir movimentos com precisão e registrar avanços. É isso que a gente não via por aqui e decidiu construir”, diz Mariana Navarro, terapeuta ocupacional e CEO da Apollo.

O centro, que ocupa quase 800 metros quadrados em Pinheiros, reúne 35 profissionais, robôs, esteiras inteligentes, realidade virtual e um sistema de neuromodulação que estimula áreas do cérebro com impulsos elétricos não invasivos.

Com apenas quatro meses de funcionamento, já atende cerca de 60 pacientes e projeta investir mais de 50 milhões de reais na expansão para novas unidades.

Essa aposta vem num momento em que o impacto econômico das doenças neurológicas ganha atenção global.

Nos Estados Unidos, o custo com reabilitação e perda de produtividade por AVCs já ultrapassa 50 bilhões de dólares por ano, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). No Brasil, os números são menos precisos, mas o problema tem escala semelhante: o AVC já é uma das principais causas de morte e incapacidade funcional, segundo o Ministério da Saúde — e a Organização Mundial da Saúde estima que 1 em cada 4 pessoas sofrerá um AVC ao longo da vida.

Além disso, o sistema de saúde brasileiro ainda oferece poucas alternativas de reabilitação ambulatorial de alta complexidade, fora do ambiente hospitalar.

O resultado é um gargalo: pacientes que poderiam recuperar parte da autonomia física acabam sobrecarregando o sistema ou, pior, ficando à margem de tratamentos mais eficazes por falta de estrutura integrada.

É nesse vácuo que a Apollo pretende se posicionar.

“Temos uma combinação rara de estrutura, tecnologia e equipe. Nosso objetivo é preencher uma lacuna do sistema privado com um modelo centrado em resultado”, diz Mariana.

Tecnologia para ativar o cérebro — com explicações simples

A Apollo usa uma série de tecnologias que, para boa parte do público, ainda são novidade.

Uma delas é a neuromodulação não invasiva, um tratamento que estimula o cérebro com correntes elétricas fracas ou campos magnéticos, sem necessidade de cirurgia ou implantes.

É usada para ajudar o cérebro a reaprender funções afetadas por um trauma, como andar, segurar objetos ou controlar movimentos finos.

“Quando um paciente sofre um AVC, o cérebro entra em um processo de neuroplasticidade, ou seja, começa a reorganizar seus circuitos para compensar a parte que foi danificada”, explica Rafael Yamauti, médico fisiatra e diretor clínico da Apollo. “Existe uma ‘janela de ouro’, que são os primeiros meses após a lesão. É quando o cérebro está mais responsivo ao tratamento.”

É nesse momento que entram os protocolos intensivos com tecnologias de ponta.

Robôs para movimentação passiva e ativa, realidade virtual imersiva, sensores que medem o equilíbrio e a força muscular em tempo real. Os estímulos visuais e motores são combinados com gamificação, ou seja, transformam o tratamento em uma espécie de jogo, com metas, pontuações e feedback instantâneo.

“Essas tecnologias permitem que o paciente faça milhares de repetições de um movimento em pouco tempo, o que seria impossível na terapia convencional”, diz Yamauti. “Quanto mais repete, mais forte é a nova conexão cerebral. É como aprender a tocar piano: se você pratica só cinco minutos por semana, não aprende. Mas se treina todos os dias, progride rápido.”

Outro recurso é o TMS (estimulação magnética transcraniana) e o tDCS (estimulação transcraniana por corrente contínua) — siglas que parecem complicadas, mas significam algo simples: impulsos externos que ajudam a "acordar" partes do cérebro. “Esses tratamentos têm segurança comprovada e ajudam a deixar os neurônios mais ‘ligados’ para aprender novos comandos motores”, diz Laura Tabacof, médica fisiatra e diretora de pesquisa da Apollo.

A trajetória dos fundadores

A Apollo foi criada a partir da insatisfação com o modelo tradicional de reabilitação no Brasil.

Mariana Navarro, terapeuta ocupacional com experiência em atendimentos domiciliares, começou a pesquisar como centros internacionais lidavam com reabilitação intensiva e personalizada.

“Fui desmontando meu negócio aos poucos e viajei para conhecer centros de referência nos Estados Unidos, Suíça, Japão e Colômbia. Voltei com a certeza de que dava pra fazer aqui também.”

Ela se uniu a Rafael Yamauti, médico formado pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, com experiência em fisiatria, especialidade médica focada em reabilitação neurológica e funcional. Yamauti já usava tecnologias como robótica e realidade virtual em sua prática clínica, mas via a dificuldade de acesso dos pacientes no sistema privado.

O trio se completou com Laura Tabacof, também médica fisiatra, que trabalhou por seis anos no Mount Sinai, hospital de referência em Nova York. Lá, coordenava projetos de realidade virtual e neuromodulação para pacientes com lesão medular. “A gente não queria fazer uma clínica. Queria fazer um centro de alta performance. Tive propostas para ficar nos Estados Unidos, mas só voltei ao Brasil por esse projeto”, diz Laura.

Os três profissionais vieram de instituições acadêmicas fortes, com foco em ciência, pesquisa e impacto real.

Por isso, criaram na Apollo um braço de pesquisa clínica, com protocolos baseados em dados e parcerias com instituições como o próprio Mount Sinai. “A pesquisa aqui não é só para publicar artigo, é para aplicar direto no paciente”, diz Laura.

O negócio também atraiu nomes do setor de saúde e gestão. O conselho da Apollo inclui o médico Paulo Chapchap e o empresário Vinícius Garcia, managing partner da consultoria Heartman House.

O plano é consolidar o modelo em São Paulo e partir para a expansão nacional nos próximos anos.

Reabilitação de alto padrão — com ambiente e dados

Além da tecnologia e da ciência, a Apollo aposta na experiência. O espaço foi pensado para quebrar o clima hospitalar tradicional: iluminação natural, música ambiente, espaços amplos, salas bem equipadas.

“Um dos nossos pacientes contou que ficava deprimido toda vez que tinha que entrar em um hospital para fazer fisioterapia. Aqui, ele se sentiu ativo de novo”, conta Mariana.

O centro atende desde pacientes recém-saídos do hospital, com 20 dias de pós-AVC, até casos crônicos que já passaram por diversas fases da reabilitação. Há quem vá todos os dias e quem participe de programas intensivos de cinco a seis semanas — os chamados “bootcamps”. Alguns pacientes são de outros estados, e já houve até casos vindos do exterior.

Em todos os casos, a Apollo faz uma avaliação médica inicial (com o fisiatra) e monta um protocolo personalizado, que pode envolver fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, neuroestimulação, entre outros. A equipe se reúne regularmente para discutir a evolução de cada caso e ajustar o plano conforme os dados coletados.

Esses dados são outro diferencial. Sensores e softwares registram cada passo, cada progresso, cada falha. Com isso, é possível gerar relatórios objetivos, que mostram aos pacientes (e seus médicos) o impacto real do tratamento. “Até hoje, a reabilitação era baseada em percepções. Agora, a gente mostra gráficos, números, evidência”, diz Mariana.

Segundo os fundadores, essa estrutura integrada e mensurável ainda não existia no Brasil. “Tínhamos tecnologias espalhadas, mas não conectadas. O que fizemos foi juntar tudo isso em um só lugar, com acesso prático e acompanhamento próximo”, afirma Rafael. “É como montar um centro de treinamento de elite para o cérebro e o corpo.”

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