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Renault se destaca no segmento de carros de baixo custo

Com a marca romena Dacia, grupo francês avança no Leste Europeu e em outros países emergentes. Carros 'low cost' são tendência global para os próximos anos

Ganham essa classificação veículos feitos sob medida para atender às necessidades básicas dos motoristas, com valores de revenda entre 5 mil e 10 mil dólares, antes de impostos (Divulgação)

Ganham essa classificação veículos feitos sob medida para atender às necessidades básicas dos motoristas, com valores de revenda entre 5 mil e 10 mil dólares, antes de impostos (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2012 às 22h35.

São Paulo  - A crise econômica nos países desenvolvidos – cuja fase mais crítica perdura já mais de três anos sem sinais de reversão no curto prazo – e a trajetória sustentada de crescimento dos emergentes fizeram surgir uma nova tendência no mercado automobilístico global: os carros de baixo custo (low cost).

Ganham essa classificação veículos feitos sob medida para atender às necessidades básicas dos motoristas, com valores de revenda entre 5 mil e 10 mil dólares, antes de impostos.

A demanda crescente por este tipo de bem deriva do bom momento por que passam as nações em desenvolvimento, onde número crescente de pessoas consegue, só agora, comprar seu primeiro carro. Como em geral não conseguem adquirir, logo de cara, um bem mais equipado, a preferência dos iniciantes recai sobre aqueles automóveis mais simples. Diante deste quadro, diversas empresas têm anunciado projetos para atender este público, mas somente uma até o momento é bem-sucedida neste segmento: a Renault.

Em fevereiro, o grupo francês divulgou seu balanço referente a 2011. Na oportunidade, reportou uma margem de lucro geral de 2,6%. Quando considerado apenas o segmento de carros de baixo custo, contudo, a margem revelada foi de 6%. 


As vendas destes veículos representaram 30% de tudo o que foi comercializado pela montadora no ano passado. “Esse número é muito bom, considerando-se a tipologia do carro”, afirma Carlos da Silva, analista da IHS Automotive.

Pioneirismo – O bom desempenho da Renault neste nicho está diretamente ligado ao fato de que foi pioneira no ramo. Tudo começou em 1999 com a compra da montadora Dacia, da Romênia. Na época, o então presidente da companhia, Louis Schweitzer, avaliou que os consumidores do Leste Europeu mereciam comprar carros melhores que os modelos egressos dos regimes comunistas – que mais pareciam veículos dos anos 60 da Europa Ocidental.

Ele queria que a Renault desenvolvesse e fabricasse carros voltados a este mercado. Quando propôs a ideia de um automóvel de 5 mil euros, analistas e imprensa especializada logo vieram a público afirmar que a tarefa era impossível. A proposta, no entanto, entrou no planejamento de logo prazo do grupo. Desde então, a montadora francesa investiu cerca de 772 milhões de euros para modernização da empresa romena.

Em 2004, a subsidiária Dacia conseguiu cumprir a promessa de Schweitzer ao lançar o sedã Logan – o primeiro modelo de baixo custo do grupo Renault – por um valor de 5 mil euros. Desenvolvido originalmente para mercados emergentes, o carro ultrapassou, com o passar dos anos, as fronteiras do Leste Europeu e aportou na Europa Ocidental. Hoje, o modelo custa cerca de 7.700 euros na França, e é um dos mais vendidos.

Dacia lá, Renault aqui – A Dacia possui hoje outros três modelos de baixo custo: a minivan Lodgy, a pick-up Duster e o hatch Sandero. A essa altura, o leitor pode estar estranhando. Conhecidos dos brasileiros, com exceção da Lodgy que desembarca no país em setembro, esses modelos levam a marca Renault no mercado doméstico.


É que, dependendo do mercado, eles podem ter uma bandeira ou outra. Em alguns casos, a versão é desenvolvida no próprio país onde será comercializada, como, por exemplo, o Sandero vendido por aqui.

O interesse dos fabricantes pelo segmento de baixo custo ganhou visibilidade em 2008 com o lançamento do modelo Nano, da indiana Tata Motors. Detentor do título de carro mais barato do mundo, ele custa cerca de 2.500 dólares.

O barato, neste caso, tem custado caro à fabricante. O Nano amarga queda nas vendas por ser considerado um veículo de baixa qualidade pelos consumidores. A empresa teve de lidar com ocorrências como de cinco veículos da marca que se incendiaram logo nos primeiros meses de uso – e viu sua imagem ser bastante prejudicada. Especialistas chancelam aquilo que os clientes já haviam percebido: a economia na produção foi em demasia.

Qualidade necessária – Para Carlos da Silva, da IHS, a montadora francesa acerta também neste item: a difícil equação para entregar qualidade a um custo acessível. “A Renault foi a primeira a perceber que fazer um carro de baixo custo com qualidade – preço, espaço interior e confiabilidade – poderia ser uma atividade rentável”, comenta.

“Está aumentando o número de pessoas que podem comprar um carro no mundo. O construtor que chega no mercado com um veículo com preço mais baixo que os de modelos mais clássicos alarga o potencial de consumo. Há um potencial maior para esses carros voltados para pessoas com uma renda menor”, conclui.

A ‘corrida’ das montadoras para suprir essa nova demanda ganhou impulso com a crise financeira internacional, que se aprofundou após a quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008. “Com a crise mundial, todas as montadoras tiveram de aumentar o foco nos mercados emergentes como os Brics, o Sudeste Asiático e a África. 


Essas regiões têm em comum uma população com poder aquisitivo inferior”, comenta David Wong, vice-presidente da consultoria de estratégia Kaiser Associates Brasil.

Expectativas – De acordo com Stephan Keese, da consultoria Roland Berger, todas as grandes empresas automobilísticas possuem hoje projetos internos voltados a esse tipo de produto. A maioria, no entanto, está em fase de desenvolvimento. Na avaliação do consultor, esse segmento deve deslanchar mesmo dentro de três anos – tempo necessários para os atuais protótipos cheguem às concessionárias.

Nos últimos meses, montadoras divulgaram projetos e parcerias para esse novo segmento. Em 2011, as francesas Citroën e Peugeot – que pertencem ao grupo PSA – uniram-se para desenvolver uma marca para rivalizar com a Dacia, da Renault, com produtos ‘low cost’ a serem destinados ao mercado europeu já no ano que vem. Por conta dos problemas financeiros que o conglomerado vem enfrentando, esse projeto foi posto de lado. Pesou também na decisão a possibilidade, ora em estudo, de desenvolver modelos de baixo custo com a nova parceira: a General Motors. Se respeitado o modelo de negócio para produzir a um custo baixo, o primeiro carro a ser desenvolvido pelo grupo deve se dar sobre uma antiga plataforma. Outra hipótese é que a Peugeot ressucite a marca Talbot, extinta na década de 1980.

Projetos – A Volkswagen, de acordo com entrevista dada no final de março pelo chefe de P&D Ulrich Hackenberg à revista especializada alemã Auto Motor und Sport, trabalha em modelos a partir de 5 mil euros para mercados emergentes. A montadora também teria a intenção de criar uma nova marca. O objetivo, segundo o executivo, é desenvolver produtos customizados para cada mercado. “Na Índia, temos o modelo Vento e uma versão local do Polo que custam em torno de 7 mil euros. Na China, estamos planejando um carro com preço mais acessível do tamanho do Seat Toledo”, disse em entrevista.


Parceira da Renault, a Nissan também planeja ter uma marca focada no segmento ‘low cost’. A promessa é reviver a saudosa Datsun. Os planos, anunciados em março, contemplam a produção de veículos na Rússia para o mercado local e na Indonésia para os países do entorno. Os modelos devem ser diferentes e adaptados para cada região.

Se tudo der certo, os veículos devem ter preços ainda menores que os da gama da Dacia. A expectativa é que o relançamento ocorra em 2014 – 31 anos após a decisão do grupo de descontinuar a marca.

Já a terceira maior montadora do mundo, a Toyota, reiterou a aposta em segmentos mais tradicionais do mercado. Após o anúncio da Nissan de reviver a Datsun, Akio Toyoda, presidente da companhia, anunciou que não tem intenção de investir em carros mais baratos.

“Vamos manter o foco na qualidade dos produtos e na confiabilidade da marca”, afirmou. “Quando nos questionamos sobre o que os consumidores dão valor em nossos carros, a resposta é confiabilidade.

Não vamos sacrificar qualidade simplesmente para atender a certa faixa de preço”, disse o executivo. No Brasil, a empresa começa a reformular seu foco, que, até o momento, é centrado no segmento de sedãs.


A nova aposta são os carros médios, com valor em torno de 30 mil reais e 40 mil reais. A imprensa especializada dá como certa a escolha do hatch Etios, a ser fabricado na nova planta industrial de Sorocaba (SP), como porta de entrada para este novo segmento. O veículo deverá estar nas concessionárias no segundo semestre.

Difícil missão – A despeito do sucesso local dos modelos desenvolvidos pela Dacia e vendidos com a marca Renault, especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que o Brasil não deve se firmar como um importante produtor de veículos ‘low cost’.

Eles argumentam que o país não tem estrutura para desenvolver esse tipo carro, pois isso exigiria uma configuração da indústria doméstica diferente da existente. Uma eventual adaptação do setor implicaria investimentos elevados, explica Keese. Para ele, as montadoras instaladas no país têm inegável competência, mas não para produtos com esse foco.

“O Brasil não é um país de baixo custo”, comenta. Dada a elevada carga tributária, por exemplo, os custos com matéria-prima são elevados. Além disso, a mão de obra nacional já pode ser considerada cara se comparada a outros países graças aos ganhos reais de renda dos últimos anos. Tais fatores podem, portanto, ser empecilho no momento de precificar esse tipo de produto por aqui.

As montadoras, no entanto, devem levar em consideração a expectativa dos consumidores brasileiros por se tratar de um mercado com grande volume. “Não existem muitos mercados do tamanho do Brasil. Apesar de ser cinco vezes menor do que o chinês, o mercado brasileiro tem o mesmo grau de competitividade, sem contar que os regimes de lucratividade aqui são mais estáveis. Isso é uma vantagem para o investidor”, afirma Wong.

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