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Reitor da Zumbi: empresas compreenderam por que promover a equidade racial

Em entrevista exclusiva à EXAME, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares fala do papel das empresas e instituições públicas no avanço contínuo

José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares (Faculdade Zumbi dos Palmares/Divulgação)

José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares (Faculdade Zumbi dos Palmares/Divulgação)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 20 de novembro de 2020 às 06h00.

Em 2004, o professor José Vicente inaugurava uma das instituições mais relevantes na educação para a população negra em São Paulo ao fundar a Faculdade Zumbi dos Palmares, onde hoje é também reitor. Após sua atuação em organizações como o Instituto Afrobrasileiro de Ensino Superior, foi naquele ano o primeiro vestibular da Zumbi com 200 vagas. O negócio que começou tímido hoje está com 1.600 matriculados em dez cursos e é uma das maiores apoiadoras de instituições públicas e privadas que desejam inserir mais negros no mercado de trabalho em prol da equidade racial e da diminuição das desigualdades.

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Em uma entrevista exclusiva para a EXAME, José Vicente, revelou como este ano pandêmico foi também marcante na luta pelos direitos da população preta e parda, em um movimento que, segundo ele, só crescerá. "Observamos muitos movimentos sociais e empresariais, participando de alguns deles ativamente, e podemos dizer que houve uma compreensão definitiva das questões de equidade racial e um encorajamento que não diminuirá", afirma.

As disparidades raciais ainda são muitas. Pretos e pardos, que compõe a população negra, são 56% dos brasileiros. Entre eles, ao fim de 2019, 47% eram trabalhadores informais e 66% faziam parte do grupo dos desocupados e subutilizados no mercado de trabalho. Na pandemia, em um boletim epidemiológico, a Secretaria de Saúde do município de São Paulo afirmou que pretos têm 62% mais risco de morrer vítimas da covid-19 do que os brancos por conta do racismo estrutural e situação econômica.

Por outro lado há avanços. Há um ano foi registrado o fato de que, pela primeira vez, negros são maioria nas universidades públicas (50,3%). Além disso, as empresas estão mais atentas à importância financeira da inclusão. Sabe-se, por exemplo, que empresas com maior diversidade étnico-racial entre os executivos conseguem um desempenho financeiro, em média, 33% melhor em comparação com o de suas concorrentes. Na América Latina, esse percentual é de 24%, segundo a consultoria McKinsey. Além disso, atualmente a população negra movimenta 1,7 trilhão de reais no Brasil. Confira a entrevista:

A pandemia da covid-19 tornou a desigualdade racial ainda mais evidente?

A pandemia trouxe um sentimento de emergência para a questão racial e também nos fez conhecer com mais profundidade aquilo que conhecíamos razoavelmente bem. Por exemplo, o aluno o negro que já tinha uma dificuldade adicional de sobrevivência passou a ter ainda mais dificuldade de acesso aos empregos e à saúde. Percebendo isto, acompanhamos os alunos para melhor estruturar as aulas, entender o impacto da pandemia nas suas famílias e promover um acompanhamento mais intenso.

A Zumbi dos Palmares é referência para as empresas que promovem práticas de equidade racial. Como isto se deu neste ano?

A Zumbi foi e continua sendo fundamental para as empresas porque está há doze anos fazendo essas parcerias. A primeira prática foi com vagas exclusivas para negros no estágio do Bradesco, e desde então são cerca de 400 jovens efetivados. Ao longo do tempo outros bancos também seguiram essa linha com a nossa parceria. O movimento cresceu e há cinco anos criamos a Iniciativa Empresarial Pela Igualdade Racial, hoje com 73 grandes empresas signatárias que co-criaram os caminhos e impactam muito o mercado.

Neste ano elevamos a régua, especialmente depois do assassinato de George Floyd, a partir de ações como investimentos do Google e vagas de trainee na Bayer e na Magalu.  Anos de trabalho coletivo resultam em avanços, uma vez que as vagas deixam de ser apenas para estágio e passam a ser também para trainees, para uma elite intelectual que se forma e passa a ocupar cargos de liderança. Outro exemplo importante é a vigilância dessa massa crítica, vide o Nubank anunciando 20 milhões de reais para práticas afirmativas que vão além do discurso. Podemos dizer que houve uma compreensão definitiva das questões de equidade racial e um encorajamento que não diminuirá.

É interessante trazer essa questão de subir a régua quando algumas companhias questionam as competências dos jovens negros, também pelo racismo estrutural. Como a Zumbi dos Palmares trabalha para mitigar essa questão?

Nossa preocupação sempre foi aprimorar as competências e habilidades do profissional negro para que ele possa estar melhor inserido no mercado de trabalho. O que discutimos com as empresas são quais fundamentos são necessários naquela contratação. Por exemplo, algumas empresas podem apoiar profissionais com bolsas de estudos para língua estrangeira, visto que muitas vezes o profissional não utiliza o inglês ou outro idioma no primeiro ou segundo ano de trabalho. Também buscamos trabalhar habilidades emocionais, financeiras e digitais.

Pela primeira vez vimos a equidade de jovens negros e brancos nas universidades brasileiras. Qual o impacto do acesso à educação? 

Uma imagem que me marcou no no fim do ano passado foi a de 20 médicos negros formados pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano, são eles hoje à frente do combate à covid-19. Temos hoje cerca de 1 milhão de jovens negros nas universidade públicas, isto sem falar nas privadas. Todos eles estão chegando ao mercado, aspirando postos empresariais e políticos.

Essa equidade no ensino superior é a melhor notícia histórica da nossa República. Me lembro de 20 anos atrás, quando a Universidade de São Paulo tinha cerca de 3% de estudantes negros e parte deles vindo de outros países. Fizemos a Zumbi dos Palmares para resolver esse problema, e com todos os percalços criamos uma realidade, um caminho sem volta.

As empresas e instituições públicas estão prontas para de fato acolher esses formandos? 

Estou otimista de que sim. Lá fora o caso Floyd forçou iniciativas como destinação de fundos para os negros. Um grande exemplo é pensar na importância que a maior gestora de investimentos do mundo, a BlackRock, tem tido em pressionar o ambiente empresarial em práticas de ESG e não discriminação racial.

Por aqui, por mais que algumas empresas tenham recebido críticas de suas iniciativas, percebemos que as reclamações não surtiram efeitos negativos, pelo contrário. Depois do anúncio do Magazine Luiza e seu programa de trainee, grande parte das signatárias da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial se posicionou publicamente à favor.

Temos observado ações importantes como comitês internos de diversidade para uma inclusão efetiva, cobrança para que os fornecedores sejam mais diversos, iniciativas com parceiros com nós, e assim vamos mudando toda uma sociedade.

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