Rafael Brancatelli, artista plástico por trás do "Touro de Ouro": ele ressignificou a polêmica com miniaturas exclusivas (Laura Pancini/Exame)
Repórter
Publicado em 2 de junho de 2025 às 10h00.
Faltando um ano para as eleições presidenciais mais acirradas da história do País, o centro histórico de São Paulo viveu uma controvérsia que uniu arte, economia, política e um touro dourado. Foi no final de 2021, em frente à sede da B3, que surgiu o Touro de Ouro, escultura concebida para revitalizar a região e simbolizar a força do mercado financeiro em um momento de incertezas econômicas.
A reação, porém, foi negativa: cartazes com a palavra “FOME” foram colados no monumento, pichações contra o capitalismo se multiplicaram e a polêmica se espalhou pelas redes sociais. Em menos de uma semana, a Prefeitura ordenou a remoção da obra, alegando irregularidades na instalação.
No epicentro dessa turbulência estava Rafael Brancatelli, artista plástico e arquiteto paulistano até então pouco conhecido do grande público. Filho da Mooca e com infância dividida entre São Paulo e bairros italianos de Buenos Aires, ele carrega uma paixão antiga pelos animais — tema central em sua obra.
O artista, de 44 anos, começou a desenhar ainda criança e construiu uma carreira sólida em esculturas que retratam a fauna brasileira, com destaque para touros, cavalos e onças. “Sempre desenhei professores, colegas, animais. Livros de fauna que meu avô me dava abriram minha mente para a arte e a natureza”, conta.
Apesar de ser o responsável pela polêmica do “touro da B3”, Brancatelli não é um artista provocador. Casado e pai de duas meninas, passa os dias em seu ateliê no segundo andar da casa da família, com vista para a Serra da Cantareira, na divisa entre Mairiporã e São Paulo. No quintal, a área da churrasqueira virou um galpão improvisado, decorado com pichações das filhas, que abriga peças de até sete metros de altura.
Escultura do Touro de Ouro na B3, no centro de São Paulo, antes da retirada (B3/Divulgação)
Formado em arquitetura, ele conciliou por anos o desenho técnico à criação artística até que o touro o tirou do anonimato e o permitiu dedicar-se integralmente às esculturas monumentais. Hoje, se considera tanto artista quanto empresário — suas obras empregam funcionários direta e indiretamente e podem ser feitas para municípios, empresas e celebridades.
Brancatelli cria desde miniaturas até esculturas monumentais, com valores que vão de R$ 10 mil a R$ 500 mil. As obras não ficam confinadas às galerias: estão em praças públicas, museus ao ar livre e pontos turísticos como Jaguariúna e Campos do Jordão, cidades que veem no trabalho do artista um estímulo ao turismo local — Jaguariúna, por exemplo, recebe mais de 100 mil visitantes em eventos de rodeio que têm suas tradições representadas nas esculturas.
O Touro de Ouro, que hoje está em acervo da B3, não foi o primeiro touro dourado do mundo. O mais famoso é o “Charging Bull” de Wall Street, em Nova York, centro econômico americano. Brancatelli, artista responsável pela obra, reconhece a inspiração, mas ressalta a busca por originalidade e identidade própria para o mercado brasileiro.
“Conversei com Arturo Di Modica, criador do touro nova-iorquino, que me disse que a ideia original não foi dele, mas sim inspirada em uma escultura ainda mais antiga, o touro de Frankfurt, na Alemanha”, conta o empresário. O italiano viveu nos Estados Unidos e faleceu alguns meses depois da conversa, no início de 2021. Segundo Brancatelli, Di Modica teria ficado “honrado” que um artista brasileiro queria fazer um projeto na região.
A ideia da escultura surgiu em parceria com o apresentador Pablo Spyer, que buscava revitalizar o centro histórico da cidade. Brancatelli lembra que a escolha da B3 como patrocinadora foi natural: “Pensamos em quem seria o patrocinador ideal. Outros bancos tinham uma visão mais comercial, mas a B3 topou com um viés turístico, que dialoga com a popularização e democratização dos investimentos”.
Para o artista, o touro é um símbolo universal de “força, otimismo e bravura”, além de representar o “mercado em alta” na linguagem financeira. A inauguração em 2021, porém, ocorreu num momento de polarização política intensa, o que ajudou a intensificar as críticas. “Teve muita gente que não concordou, achando que estávamos usando o espaço público de maneira errada, ou que o touro tinha um viés capitalista e financeiro, o que não era a ideia. Era fomentar o turismo e a cultura local”, afirma.
Rafael Brancatelli, artista plástico por trás do "Touro de Ouro": paulistano também faz esculturas de animais como onças e cavalos (Laura Pancini/Exame)
Apesar da polêmica, que resultou na remoção da obra por questões administrativas, Brancatelli vê o episódio como divisor de águas em sua carreira.
“Algo que era para ser ruim e traumático se converteu em algo muito positivo. O touro apareceu em matérias no mundo inteiro, o que me projetou para receber encomendas no Brasil e no exterior. Acabei ficando conhecido por fazer o touro e isso me trouxe muita alegria.”
O artista lançou ainda uma coleção numerada de 100 miniaturas do Touro de Ouro, feita com a mesma tinta dourada da obra original, hoje nas mãos de personalidades como Ronaldo 'Fenômeno', Fausto Carvalho (“Jorginho do Jeep”), João Adibe e Carol Paiffer. A ideia é presentear grandes figuras brasileiras, especialmente empresários, com a peça limitada.
Hoje, Rafael Brancatelli acumula um portfólio de esculturas monumentais espalhadas pelo Brasil. Em Jaguariúna (SP), conhecida como Capital Nacional dos Cavalos, criou obras que combinam tradição e arte, como o Touro Indomável, com 5 metros de comprimento, símbolo da força e da pujança do rodeio local. Ao lado dele, o imponente Jaguar Negro e os Cavalos Brancos reforçam a identidade cultural da cidade e atraem milhares de turistas a cada edição do rodeio.
Em julho de 2024, Brancatelli assinou a escultura de 3,5 metros do Bira, mascote do Botafogo, no Estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro. A peça rapidamente virou amuleto de sorte para a torcida, associada à conquista da Libertadores e do Campeonato Brasileiro pelo clube. O artista desenvolveu ainda uma coleção colecionável do mascote, prevista para lançamento ainda este ano.
“No Brasil, fazer arte e viver dela é um privilégio e um desafio”, diz o paulistano. Ele reconhece que o mercado tradicional prefere obras que contam histórias dramáticas, mas aposta na força estética e na beleza: “Prefiro manifestar o belo, sem sustentar uma narrativa necessariamente polêmica.”