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"É preciso estar preparado para decisões difíceis"

Presidente mundial da montadora francesa Renault e responsável por reerguer a japonesa Nissan, Carlos Ghosn avalia a situação mundial do grupo

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h26.

O brasileiro Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault, afirma que seu maior desafio foi reestruturar a Nissan tarefa que lhe rendeu a responsabilidade de demitir 20 000 funcionários. Para o executivo, não há saída para aqueles que pretendem liderar grandes empresas: ou aceitam o peso de suas decisões, ou não devem assumir postos de comando. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista concedida à EXAME:

Revista EXAME O que é mais difícil reerguer uma empresa, como o senhor fez com a Nissan, ou melhorar o desempenho de uma companhia que já está bem, como a Renault?
Carlos Ghosn O primeiro desafio é o mais arriscado, porque se você não age num período de tempo bastante curto, o resultado é a falência. Não dá para tratar as coisas do jeito normal, como se fosse uma situação comum. Os dois desafios requerem esforço, concentração e direção de trabalho totalmente diferentes. Mas o maior risco, sem dúvida, eu corri no caso da Nissan.

EXAME O senhor está em um tour mundial pelas unidades da Renault. O que considera que são as principais dificuldades da companhia?
Ghosn A Renault tem um potencial de desenvolvimento, de lucratividade e de presença mundial bem maior do que ela tem hoje. A imprensa tem questionado: "a Renault em 2004 chegou a um resultado recorde. Como Carlos Ghosn vai melhorar isso?" Eu estou muito tranqüilo. Tenho uma imagem do potencial da empresa bem acima do que ela está demonstrando hoje. A prioridade é passar o maior tempo possível nas operações da Renault, ouvindo o que as pessoas têm a dizer sobre as oportunidades, os riscos, as forças, fraquezas... Quando você faz isso em cada país, todos os dias, em todas as funções, depois você tem um quadro cada vez mais claro sobre onde você tem que ir.

EXAME E o que já deu para perceber?
Ghosn Ah, muita coisa. Mas, por razões evidentes, não posso contar agora. Eu estou me concentrando para fazer um diagnóstico e apresentar o plano para a empresa. Mas não farei isso por partes. Você vai ter que esperar para saber mais sobre isso. Ainda estou num processo de diagnóstico.

EXAME Quais países ainda falta visitar?
Ghosn Eu já estive na Turquia, Romênia, Brasil, Inglaterra, Itália, a maior parte das fábricas da França. Está faltando Coréia, Rússia, Irã, Marrocos, África do Norte, o resto das plantas que não vi na França... E eu estou fazendo isso ao mesmo tempo em que estou dirigindo a Nissan e a Renault. Então eu não tenho sempre o tempo que preciso e que eu queria para passar com as pessoas. Mas, ainda assim, estou aprendendo muito.

EXAME O senhor tem sido muito questionado sobre se é possível cuidar de duas companhias ao mesmo tempo. E tem dito sempre que está tudo sob controle. Mas como o senhor vai conseguir essa mágica, no dia-a-dia?
Ghosn É muito simples. A melhor maneira de explicar é mostrar como funciona um mês. Na primeira semana, estou em Paris. É quando faço as reuniões oficiais da montadora: comitê executivo, board of directors, conselho de administração, comitê de carreiras, comitê de produtos, comitê de investimentos, de design... Então, as decisões importantes sobre a Renault são tomadas sempre na primeira semana do mês. Terceira semana do mês, Tóquio. Comitê executivo, comitê de produto, design decision, manufacturing structure, tudo concentrado nessa terceira semana. Então, eu sei e todo mundo sabe que na primeira semana de cada mês eu estou em Paris. Na terceira, em Tóquio. Fico com a segunda e a quarta semanas abertas para estar em Paris, Tóquio ou Estados Unidos. Porque você não pode fixar tudo. Tem que deixar áreas de flexibilidade.

EXAME O senhor não fica aflito com a possibilidade de não conseguir administrar seu tempo? Não é muita coisa para fazer?
Ghosn É que eu não administro meu tempo, eu não mexo com isso. Eu tenho uma assistente de muito alto nível no Japão que administra o meu tempo para tudo. Ela viaja para a França e fala com os outros assistentes o tempo todo. É ela a encarregada hoje de fazer com que todo mundo em torno de mim seja feliz com o uso do tempo que ela faz. E ela tem feito um trabalho impecável.

"Vamos ter de trazer mais produtos para o Brasil, tanto da Nissan quanto da Renault."

EXAME O senhor acaba de passar três dias na fábrica da Renault no Paraná. A operação brasileira não vai bem. O que deu errado? A meta de conquistar 10% do mercado continua factível?
Ghosn Eu não eliminei essa meta, considero que ela está dentro do potencial. Mas as grandes lições dos primeiros anos no Brasil são que, primeiro, vamos ter de trazer mais produtos, tanto da Nissan quanto da Renault. Isso vai acontecer. Segundo, as taxas de nacionalização da produção não são suficientemente agressivas. Precisamos aumentar a taxa de componentes feitos e comprados aqui, para diminuir custos. Usando o potencial de competitividade de custos que existe no Brasil. Isso significa que é preciso trazer mais responsabilidade para a engenharia local e ter fornecedores locais. Essas são duas metas muito importantes. Terceiro, mais qualidade de serviços. Acho que a qualidade do produto hoje é bastante alta, fiquei bastante satisfeito com as estatísticas sobre como o público no Brasil vê a qualidade dos nossos produtos. Pesquisas internas e externas mostram que os produtos da Renault estão bem acima da média. Mas, em qualidade de serviços, podemos fazer melhor. Estamos na média da indústria, mas temos de ficar acima da média. Há outras metas, mas essas serão as prioridades.

EXAME Não há então, a possibilidade de diminuir o tamanho da Renault no Brasil ou cortar pessoal e custos?
Ghosn Não. Acho que ainda há muito o que crescer no Brasil, muito potencial. E nós faremos os ajustes necessários para provar isso.

EXAME Lançar sempre novos modelos tem sido uma estratégia comum tanto na Renault como na Nissan. Nos Estados Unidos, houve problemas com novos modelos no ano passado, por conta de lançamento muito rápido de novos modelos. Lançar tantos novos modelos ao mesmo tempo não aumenta o potencial de problemas?
Ghosn Nos Estados Unidos, nos últimos três anos, a Nissan passou de 4% de participação no mercado a mais de 6%. Passamos dos 600 mil carros vendidos, no início, para a faixa de 1 milhão. E os carros da Nissan são os que têm maior percepção de qualidade e satisfação dos clientes em seus segmentos. O importante é o resultado. O resultado comercial e o financeiro são uma demonstração de que a estratégia seguida pela Nissan foi a única possível. No ano passado, fomos a montadora que mais cresceu nos Estados Unidos.

EXAME Então, na sua opinião, lançar novos modelos é sempre receita de sucesso?
Ghosn Não qualquer modelo. Tem que ser bem feito, ter um bom marketing, um bom desenho. Modelos bem pensados, com investimento no produto, sempre pagam. Depois você completa com um bom serviço, claro. No caso dos Estados Unidos, tínhamos quatro novos produtos, num novo Estado, uma nova fábrica... Todo mundo dizia que era impossível, mas nós fizemos. É claro, não foi perfeito. Mas reagimos muito bem. E, no final, o que interessa para uma montadora é o lucro e a participação no mercado. Os dois cresceram. Hoje a Nissan é a montadora mais lucrativa no mundo. Nos últimos três anos, é a montadora que cresceu mais. Acima da Toyota, acima de todo mundo. É claro que, quando se cresce assim, sempre se pode dizer que a coisa poderia ter sido feita um pouco melhor, mas quando há crescimento e margem de lucros, está tudo bem.

"A coisa mais perigosa para a empresa é quando o executivo não quer olhar realmente o que está acontecendo."

EXAME Como o senhor reage quando essas falhas acontecem? Fica nervoso, perde o sono?
Ghosn Ficar agitado não ajuda nada. Com a experiência, você aprende a se controlar e a saber que, num momento de dificuldade, você tem que tratar o problema primeiro e procurar entender o que está acontecendo, para depois modificar os processos necessários para que não aconteça de novo. A coisa mais perigosa para a empresa é quando o executivo não quer olhar realmente o que está acontecendo. Os executivos que estão sob pressão deixam de olhar para as empresas, e contam a si próprios uma história diferente, mais positiva, porque talvez eles não agüentem mais tratar os problemas. Isso é muito perigoso. O problema é um sinal de que alguma coisa não está funcionando na empresa. Se você evita olhar o sinal, o problema fica.

EXAME O processo de lançamento de um carro envolve um alto grau de subjetividade, por mais testes que se faça. Como o senhor decide se um produto deve ou não ir à mercado? Que diferenças nota no comportamento dos consumidores?
Ghosn Há métodos. Primeiro, você sabe hoje no mercado quais os modelos mais bem-sucedidos. Antes de lançar um carro, também fazemos o que chamamos de clínicas, em que mostramos o modelo aos consumidores para testar os gostos. Se o resultado não é bom, sempre corrigimos o carro. Mas, mesmo tendo um bom resultado, não significa que o carro será bem-sucedido. Posso te dizer que nenhuma montadora considera que 100% dos lançamentos devem ter sucesso. Você tem que pensar que 50%, 60% a 70% dos modelos que se lança têm que ter sucesso. O resto, você pode esperar. Mas se a montadora tiver 90% de sucesso nos seus novos modelos, será a mais lucrativa do mundo, porque ninguém chega a essa percentagem.

EXAME O senhor já errou em alguma aposta?
Ghosn Sim, sim. Nós tivemos boas surpresas e também ocasiões em que pensamos que ia dar mais e não deu. O exemplo bom é o X-Trail, que é produzido no Brasil. Pensávamos que seria um carro bom. Foi um carro ótimo. Muito mais do que pensávamos. Hoje, esse é um carro mundial. Foi lançado no Japão, onde imediatamente alcançou a liderança, acima dos modelos da Ford, da Honda e da Toyota. A partir daí, os departamentos comerciais de todos os lugares passaram a encomendar.

EXAME E a má surpresa, qual foi?
Ghosn Ah, essa não posso falar. Isso diminuiria o valor comercial dos modelos que estão sendo vendidos.

EXAME Muitas montadoras consideram que o Brasil é uma boa plataforma internacional para o lançamento de produtos. O senhor concorda?
Ghosn O Brasil é uma boa aposta, dependendo do modo como você executar. O problema na indústria automobilística é que a estratégia pode ser muito bem feita, mas o resultado depende não só da estratégia como da execução. As estratégias mais ousadas, se seguidas por uma execução medíocre, vão dar pouco resultado. A estratégia média, com uma boa execução, em geral dá resultados muito melhores. Então, não dá para apostar apenas na estratégia para ter resultados. Execução pesa muito. Ter uma plataforma brasileira é uma opção bastante realista, mas é preciso estudar como fazer.

EXAME Há alguma intenção da Renault de adotar essa estratégia?
Ghosn Ainda é cedo para dizer isso. A Renault hoje tem uma plataforma na Romênia. Isso quer dizer que nós temos experiência em montar plataformas em países em desenvolvimento.

EXAME A crise das montadoras tem mais a ver com erro de estratégia ou de execução? É um problema estrutural ou de gestão?
Ghosn De fora da empresa, é muito difícil saber o que está acontecendo. As montadoras são organizações muito complexas. Entender o que está acontecendo analisando a montadora de fora, para mim, é praticamente impossível. Esses problemas são de cada uma, não do setor. Mas é preciso estar dentro das empresas para saber se há uma estratégia errada ou uma execução pobre, ou um pouco dos dois. Especulação qualquer um pode fazer, mas é difícil uma análise objetiva.

EXAME O senhor não arrisca uma visão geral?
Ghosn Não só não arrisco, como acho que os meios jornalísticos em geral estão condenando muito rapidamente ao declínio as montadoras americanas. Eu não acredito nisso. A reação é possível. A história da indústria automobilística é cheia de acontecimentos assim.

"Queremos ser uma das três maiores em termos de tecnologia, produtividade e lucro operacional."

EXAME A Renault persiste no plano de bater a Ford?
Ghosn Não, nós não temos objetivo em termos de tamanho. Queremos ser uma das três maiores em termos de tecnologia, produtividade e lucro operacional. Mas tamanho é conseqüência de alguma coisa mais importante, que é a performance.

EXAME Há algum plano para unificar Renault e Nissan?
Ghosn Não comigo.

EXAME O carro híbrido hoje é uma das grandes vedetes da indústria automobilística. Mas o senhor não parece um grande fã dessa tecnologia. Na sua opinião, qual é a tecnologia do futuro? Gás? Flex Fuel?
Ghosn Eu sou fã de um carro que respeite o meio ambiente. Nós estamos fazendo pesquisas em todas as áreas, incluindo o híbrido, mas não estamos apostando tudo no híbrido. As pessoas dizem que eu estou cético em relação ao híbrido. Só estou investindo em todas as alternativas, porque a solução para o futuro vai ser a tecnologia que tenha custos mais baixos e que permita respeito ao meio ambiente. Eu estou muito otimista com o Flex Fuel. Acho o Flex Fuel economicamente muito bem aceito pelo consumidor, não requer grande complexidade dentro do carro, como o híbrido, que exige dois motores diferentes, e também é muito bem adaptado para economias como o Brasil e a China. Flex Fuel é uma idéia interessante. Mas eu não sou um apóstolo de tecnologia. Sou um apóstolo de soluções para o público. Fazer um carro mais ecológico é uma obrigação, e temos que fazê-lo acessível.

EXAME Isso quer dizer que a Renault vai lançar mais de uma solução tecnológica para carros que respeitem o meio ambiente?
Ghosn Nós estamos testando tudo, e vamos ainda definir quais as melhores soluções. Várias podem ficar, pelo menos por enquanto.

EXAME O maior desafio da sua vida, que foi recuperar a Nissan, deu certo. Se tivesse dado errado, onde o senhor estaria hoje?
Ghosn Talvez hoje eu fosse um salva-vidas na praia da Barra da Tijuca (risos).

EXAME O senhor nada bem?
Ghosn Nado.

"O pior problema que estamos vivendo no século 21 é justamente que muitas pessoas querem ocupar funções de liderança, mas não querem lidar com problemas difíceis."

EXAME O senhor já disse em várias entrevistas que demitir 20 000 pessoas não foi uma decisão fácil, mas que era crucial para a sobrevivência da Nissan. Mesmo sabendo que era uma decisão tomada dentro de uma lógica racional e que os 20 000 tinham que sair para preservar outros empregos, o senhor não viveu um drama pessoal ao assinar essas demissões? Como um executivo deita a cabeça no travesseiro na véspera de assinar a demissão de 20 000 pessoas?
Ghosn Você tem que viver esse tipo de conflito não depois de assumir a empresa, mas antes. Eu sabia que a empresa era doente. Sabia que revitalizar a Nissan iria me trazer decisões difíceis, que meus predecessores nunca assumiram. Então, se você não aceita o fato de ter que demitir gente, você não pode aceitar o cargo. É preciso aceitar o fato de que a sua dedicação total é fazer com que a empresa renasça. Essas perguntas eu me fiz antes de assumir. Mas, no dia em que eu aceitei ir para o Japão, fui convencido de que minha única missão era fazer a empresa renascer. Eu fiz tudo para isso. As pessoas confiaram na minha liderança, e aconteceu exatamente o que eu falei. Mas, se você não está pronto a tomar decisões difíceis, é melhor não aceitar uma função de liderança. O pior problema que estamos vivendo no século 21 é justamente que muitas pessoas querem ocupar funções de liderança, mas não querem lidar com problemas difíceis.

EXAME Quanto o senhor ganha?
Ghosn Ah, isso.... Eu respeito as leis de cada país. Na França, meus salários, meus bônus, minhas stock options serão publicados a cada ano no relatório oficial da Renault. Eu entrei na posição há três meses, e como meus ganhos são variáveis em função do resultado da empresa, nem eu sei exatamente quanto vou ganhar. No Japão, o que é público são os ganhos de todo o conselho de administração, então não posso dizer. É preciso respeitar as regras de cada país, senão dá uma confusão danada. Sei que todo mundo tem curiosidade, quer comparar quanto eu ganho com o que ganham os presidentes de cada empresa. Eu não participo dessa curiosidade, sigo as regras de cada país. Mas, pode apostar, se você souber vai se decepcionar.

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