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Preços da Petrobras garantiram mais lucro e dividendos. Faz sentido mudar?

Paridade ajudou na recuperação da companhia, mas a disparada do petróleo devido à guerra da Ucrânia leva o presidente Jair Bolsonaro a falar em mudanças

Combustíveis: Senado aprovou texto que busca reduzir preços na bomba (Rodrigo Capote/Getty Images)

Combustíveis: Senado aprovou texto que busca reduzir preços na bomba (Rodrigo Capote/Getty Images)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 8 de março de 2022 às 15h31.

Última atualização em 9 de março de 2022 às 10h43.

Quando foi colocada em prática a partir da gestão de Pedro Parente, em 2016, a política de preços de paridade internacional da Petrobras tinha um objetivo claro: potencializar a receita e o lucro da companhia, ajudando-a a se recuperar financeiramente, pós-Operação Lava-Lato.

Desde então, a paridade internacional garantiu sucessivos lucros e mais dividendos. Em 2021, ambos foram recordes. A receita da companhia devido ao preço em alta dos derivados dos combustíveis foi de R$ 452,7 bilhões, enquanto o lucro foi de R$ 106,7 bilhões. Os dividendos, definidos a partir desse resultando, também foram recordes. No ano passado, eles alcançaram R$ 101,4 bilhões.

Ao mesmo tempo que aumentam a receita da companhia, a política de preços também provoca o aumento da gasolina e do diesel quando o petróleo sobe.

Em meio à alta do petróleo devido à tensão internacional entre Rússia e Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro criticou nesta segunda-feira a atual política em uma entrevista a uma rádio. Logo depois, em entrevista ao canal CNN, Bolsonaro disse que iria encontrar alguma solução junto à companhia e ao Ministério de Minas e Energia nesta terça-feira.

Há alas no Palácio do Planalto que defendem que o governo deve mexer no bolso, outras que entendem que o problema está em como a Petrobras forma seus preços e outros que defendem a aprovação urgente do Projeto de Lei Complementar 11/2020, que altera as regras do ICMS estaduais sobre os combustíveis e que está no Congresso Nacional, reduzindo impostos sobre os derivados.

Nesta segunda, a fala do presidente Jair Bolsonaro sobre a mudança na política da companhia fez com que as ações caíssem mais de 7%.

Com o petróleo nas alturas, e risco dele bater a casa dos US$ 200 em caso de um boicote total à produção da Rússia, faz sentido mudar a política de preços da Petrobras?

O analista da Ativa Investimentos, Ilan Albertman, entende que o caminho para qualquer política pública para diminuir os custos dos combustíveis é aquele que não interfira nos fundamentos da Petrobras. 

"Não vejo problema em toda proposta que não mexa nos fundamentos da companhia, que não mexa no plano de desinvestimentos, na forma de remuneração dos acionistas. Há a possibilidade, por exemplo, de fixar o ICMS estadual, o que é positivo, apesar de um cenário fiscal delicado para o estados. É preciso discutir alternativas que modifiquem os processos paralelos", defende.

Na política de paridade internacional, as refinarias da companhia vendem para as empresas distribuidoras os derivados como diesel, gasolina e gás liquefeito a um preço mais ou menos paralelo ao do mercado internacional, que acaba sendo definido pela cotação do barril de petróleo e pelo câmbio.

Para a companhia, a política é considerada fundamental para maximizar o lucro e manter o mercado competitivo. Isso porque o Brasil não é autossuficiente em refino. Assim, distribuidoras não compram só das refinarias da Petrobras, mas importam no dia a dia os combustíveis a preço internacional.

Outro efeito dessa política de preços é garantir que seja vantajoso para a petroleira refinar seu petróleo. Em tese, sem a paridade internacional, valeria mais a pena exportar diretamente o petróleo cru.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, o preço médio da gasolina no Brasil na primeira semana de março foi de R$ 6,57 e do diesel de R$ 5,66. O preço máximo da gasolina comum contabilizado foi R$ 7,85. Em 2021, a gasolina e os transportes foram os vilões da inflação de mais de 10% no Brasil.

Ilan Albertman também acredita que uma proposta que cria um fundo de amortização com os dividendos da União recebidos da Petrobras poderia funcionar.

“É uma proposta válida, mas o grande X é que você tiraria recursos de outras áreas para criar esse amortecedor. E aí é preciso discutir com a sociedade. O que não pode é forçar a companhia a fazer um congelamento que na prática a gente já vê. A gasolina mesmo alta está 40% abaixo do preço da paridade internacional pelas estimativas da Ativa Investimentos”.

Essa defasagem também é apontada por analistas que defendem a maximização do lucro da Petrobras como um ponto que precisa diminuir. Ou seja, para melhor retorno aos acionistas, a empresa deveria até aumentar os preços atuais.

Mesmo com reajustes recentes da Petrobras, a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) afirma que ainda há uma defasagem de mais ou menos 25% no preço vendido pela companhia, o que prejudica a concorrência.

Um relatório do banco BTG Pactual sobre a companhia, publicado nesta terça-feira critica essa defasagem, já que a empresa está deixando de gerar mais receita. O título do relatório, por exemplo, é "Dinheiro na Mesa", uma alusão à perda de oportunidade de fazer mais caixa pela companhia.

O banco destaca, porém, que esse "dinheiro na mesa" deixado de arrecadar com o refino não deve ter grandes efeitos sobre o balanço de 2022, já que o segmento de exploração, produção e exportação de óleo cru ganha com a alta atual e compensaria a perda. Segundo o relatório, isso não é necessariamente positivo porque a mensagem de interferência emitida pelo governo federal ontem é um problema:

"Qualquer interferência pode ter grandes implicações em termos de percepção do mercado sobre a empresa e também em termos de potencialmente desfazer todo o trabalho duro da PBR nos últimos 12 meses para reconstruir sua reputação e 'autonomia operacional'", destaca o relatório.

A solução "por fora" da Petrobras também é defendida pelo economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, principalmente para que se atravesse o momento de disparada do petróleo devido à guerra no leste europeu.

"A solução que mais parece ter força – e lógica – neste momento para segurar o preço da gasolina seria via subsídios que seriam permitidos através da decretação de um Estado de Calamidade aprovado pelo Congresso e utilizando os mecanismos dos projetos em discussão no Senado", afirma em comentário divulgado ao mercado.

Ao contrário da maior parte dos analistas do mercado, o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) defende a mudança no cálculo do preço dos derivados vendidos pela companhia. Desde 2021, quando os preços dos combustíveis já estavam em alta, o Instituto pede uma mudança para que a altas, inclusive do gás de cozinha, tenham tenham menos impacto social.

O Instituto afirma que é preciso cobrar um valor dos derivados que leve em conta o custo de extração, produção e refino, com uma margem de lucro, e não o preço internacionalizado, que aponta ser "virtual".

O IBEPS também entende que não é positivo um mercado em que existem empresas importadoras no país. O ideal, na visão do instituto, seria que a Petrobras aumentasse sua capacidade de refino, que segundo o instituto é mantida de forma ociosa.

Quais seriam os impactos para a Petrobras?

Ilan Albertman destaca que um possível congelamento nos preços da gasolina e do diesel praticado pela companhia impactaria os resultados do setor de refino da Petrobras, e como consequência o balanço financeiro total, prejudicando os acionistas,

Isso porque as refinarias da companhia compram petróleo cru dela mesma. Se decidir vender derivados mais baratos, seu lucro vai encolher.

Além desse prejuízo interno, a companhia poderia ver mais vantagem em exportar óleo cru ao ser obrigada a vender refinados mais baratos.

“Colocar a produção no país ou fora é uma estratégia comercial baseada em desempenho financeiro. A companhia é mista, ela não vai deixar de atender o mercado doméstico. Mas se a diferença for muito grande nada impede que a companhia aloque mais exportação de petróleo cru e poderia começar a surgir um déficit de derivados do mercado interno”, afirma o analista.

Mesmo num cenário hipotético, em que o Brasil aumentasse a capacidade de refino (e as importadoras não tivessem mais prejuízo competitivo), o analista entende que continua fazendo sentido para a empresa manter a política de paridade internacional, justamente para que a opção de exportar óleo cru não prevaleça.

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