(Stephen Lam/Reuters)
Karin Salomão
Publicado em 11 de julho de 2018 às 11h35.
Última atualização em 11 de julho de 2018 às 11h37.
No início da vida de Warren Buffett, seu pai não conseguiu ser contratado na mercearia da família durante a Grande Depressão. Sem emprego e sem dinheiro depois de uma corrida aos bancos, a família de quatro pessoas comprava fiado para colocar comida na mesa e, mesmo assim, sua mãe às vezes ficava sem comer. Leila Buffett, atormentada pelo estresse e com uma mente provavelmente impactada pelos vapores da linotipo que inalou quando criança, costumava repreender seus dois filhos pequenos.
A partir dessas dificuldades, a família conquistou gradualmente uma posição financeira mais segura. Seu pai abriu uma corretora de ações e acabou se tornando um congressista com quatro mandatos. O jovem Warren começou a mostrar aptidão para os números. Tornou-se obcecado por cronometrar tudo, calcular probabilidades e até mesmo registrar a frequência das letras que mais apareciam na Bíblia, de acordo com o livro “A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida”. Aos 15 anos, ele conseguiu ganhar muito trabalhando como entregador de jornal. O resto, como dizem, é história.
Na sexta-feira, o lendário investidor, de 87 anos, foi superado em riqueza por Mark Zuckerberg, de 34 anos. A lacuna foi fechada, em parte, pelo aumento das ações do Facebook – 15 por cento neste ano até agora - e, em parte, pelas grandes doações beneficentes de Buffett. Hoje, as três pessoas mais ricas do mundo, Jeff Bezos, Bill Gates e Zuckerberg, fizeram sua fortuna no setor de tecnologia.
A história de Zuckerberg é comum na lista dos novos bilionários do setor de tecnologia presentes no Bloomberg Billionaires Index. E há muitos deles. Com 64 executivos e executivas de tecnologia na lista da Bloomberg, que monitora as 500 pessoas mais ricas do mundo, o setor produziu mais bilionários do que qualquer outro (a menos que você conte heranças - também há muito patrimônio herdado na lista). Só neste ano, a tecnologia criou 11 novos bilionários.
Mas falta algo nas histórias da infância desse novo grupo de homens (sim, eles são principalmente homens) que conquistaram fortunas por esforço próprio. As experiências formativas das gerações anteriores giravam em torno de empregos como entregador de jornal e sofrimento, mas atualmente a história padrão envolve uma infância de classe média alta, acesso precoce a um computador e uma formação acadêmica de elite - mesmo que essa formação tenha sido abandonada.
Antes de largar a Universidade de Harvard, Zuckerberg tinha criado, aos 12 anos, um sistema de mensagens instantâneas para a clínica odontológica de seu pai. Aos 15 anos, Jack Dorsey, do Twitter, deslumbrava seus chefes durante um estágio de programação. E Travis Kalanick, da Uber, escrevia código quando estava no ensino médio.
Conquistar o sucesso por mérito próprio sempre desempenhou um papel fundamental no imaginário americano. Horatio Alger escreveu histórias sobre pessoas corajosas de classe baixa que enfrentavam as dificuldades e conseguiam seu lugar no mundo com trabalho duro e honestidade. Hollywood romantizou as histórias de superação desde que o cinema foi inventado. E, durante anos, o mundo dos negócios também ofereceu histórias reais.
Mas a atual ascensão de pessoas que abandonaram Harvard (ou a Universidade de Nova York, no caso de Dorsey, ou a UCLA, no caso de Kalanick) complica essa história. Os fundadores de hoje são brilhantes, mas enfrentaram poucas dificuldades. É difícil, afinal, tornar-se um prodígio dos computadores sem um computador. Essa dose de privilégio revela uma tendência maior na economia americana: para milhões de pessoas de baixa renda, está ficando mais difícil construir algo do nada. Para poder abandonar Harvard, primeiro você precisa entrar.
É praticamente indiscutível que a desigualdade de oportunidades está aumentando. O que ainda não se sabe, porém, é qual será o resultado final. Além de bloquear o caminho para pessoas talentosas com recursos limitados, um abismo cada vez maior entre os ricos e todos os outros também apresenta problemas políticos. Basta observar a raiva crescente contra empresas de tecnologia em cidades como São Francisco e Seattle.
A prefeitura de Seattle aprovou em votação a cobrança de um imposto punitivo por trabalhador à Amazon e a outros grandes empregadores em resposta ao crescente problema de falta de moradia na região. As autoridades de Seattle cederam, mas as tensões continuam fervilhando sob a superfície em todo o país e poderiam eclodir de formas imprevisíveis.
E, ao contrário dos titãs do passado, os bilionários da mais nova geração não têm histórias que possam amenizar o ressentimento popular. Todos os três mais jovens dos bilionários que construíram a própria fortuna presentes no índice da Bloomberg são cofundadores do Facebook.
A história deles é famosa: depois de uma infância auspiciosa em Dobbs Ferry, um pequeno subúrbio de classe média de Westchester, Zuckerberg criou uma ferramenta para classificar a atratividade de pessoas, chamada Facemash, antes que ele e seus amigos fundassem Thefacebook.com. Logo acima deles na lista em idade está Sean Parker, agora com 38 anos, que começou a programar desde pequeno e fez um estágio na Zynga enquanto ainda cursava o ensino médio.
O sonho americano sempre foi uma fábula contada pelos próprios americanos, reforçada pelas histórias de homens em dificuldades que partiram do nada e se tornaram magnatas. Hoje, Zuckerberg é um líder moral - um homem de família e um doador para causas nobres.
Mas quem tentar seguir os passos dele analisará seus primórdios: a confortável infância em Westchester, o clube de esgrima em uma escola preparatória de elite, os dias despreocupados em Harvard e o Facemash. A juventude americana pode desejar subir a mesma escada, mas provavelmente descobrirá que faltam alguns degraus.