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Por que o Peccin é o frigorífico mais enrolado do Brasil

Além de armazenamento inadequado, o Peccin também usava, segundo a PF, componente químico para disfarçar odores e características de carne podre

Granja no Paraná: os frigoríficos pequenos e médios são responsáveis por mais de 40% da produção do país  (Rodolfo Buhrer/Reuters)

Granja no Paraná: os frigoríficos pequenos e médios são responsáveis por mais de 40% da produção do país (Rodolfo Buhrer/Reuters)

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Rafael Kato

Publicado em 27 de março de 2017 às 12h09.

Última atualização em 27 de março de 2017 às 12h13.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.

O frigorífico mais enrolado do Brasil fica em Umbará, um dos bairros mais ao sul de Curitiba, numa marginal da Rodovia Régis Bittencourt, a Estrada do Ganchinho. É ali, sem sinalização alguma, que está a sede do Peccin Agro Industrial, alçado à audiência nacional por figurar como um dos estabelecimentos investigados e fechados pela operação Carne Fraca da Polícia Federal, deflagrada na última sexta-feira 17.

Segundo as investigações da polícia e depoimentos de auditores do Ministério da Agricultura, o Peccin pagava propina para fiscais agropecuários e comprava notas fiscais falsas de produtos com carimbos do Serviço de Inspeção Federal. De acordo com o despacho da Justiça Federal, a empresa realizava "armazenamento em temperaturas absolutamente inadequadas, aproveitamento de partes do corpo de animais proibidas pela legislação, produção de derivados com o uso de carnes contaminadas por bactérias e até em estado de putrefação”.

O Peccin também é o frigorífico que misturava ácido sórbico à massa dos produtos, principalmente da salsicha, para diminuir a contaminação bacteriana e retirar odores e características de carne podre. Embora, ao contrário do que a Polícia Federal divulgou, o ácido sórbico não seja cancerígeno, ele pode mascarar carnes impróprias para consumo humano.

A reportagem de EXAME Hoje foi até o Peccin na última segunda-feira 20 e encontrou o frigorífico fechado pela Polícia Federal. Os funcionários apareceram para trabalhar, mas tiveram de voltar para casa. Em nota, a empresa expressou “surpresa, consternação e forte repúdio às falsas alegações que culminaram com a prisão preventiva dos diretores”.

Até semana passada trabalhavam ali 400 funcionários produzindo cerca de 130 toneladas diárias de embutidos, como mortadela e salsicha. O Peccin, fundado por Normelio Peccin Filho e Idair Antônio Piccin, se instalou em Curitiba em 2007, com uma operação que, além de vender produtos sob a marca Italli Alimentos, também fabrica embutidos para diversas outras marcas.

Uma outra fábrica do Peccin, fundada pelo grupo na cidade catarinense de Jaraguá do Sul há cerca de três anos, onde trabalhavam cerca de 200 funcionários, também foi fechada pela PF. O grupo não divulga o faturamento – mas frigoríficos do mesmo porte faturam cerca de 180 milhões de reais por ano.

“Nós estamos preocupados, evidentemente. Embora não sejam todos os frigoríficos envolvidos, isso mexeu com a confiança do consumidor na indústria”, disse o diretor de um frigorífico da região. Os funcionários do Peccin também estão preocupados. Eles foram à porta do frigorífico protestar na tarde de quinta-feira e reclamam da falta de informação sobre o fechamento.

O Stimalcs, sindicato do setor, estava presente na manifestação e afirmou que está confiante na reabertura da fábrica. “Está sendo negociado um adiantamento para os funcionários, mas há um entrave pois os responsáveis financeiros da Peccin estão presos”, disse José Carlos Zittel Ribeiro, diretor do Stimalcs. Mesmo assim, na segunda-feira, os funcionários do Peccin já procuravam vagas nos outros frigoríficos da região.

O Peccin e o Brasil

A operação Carne Fraca provocou um terremoto no mercado brasileiro de carne, e causou bilhões de perdas na bolsa para as grandes empresas do setor, notadamente BRF e JBS. Mas jogou luz também numa faceta menos conhecida do mercado. Apesar da enorme força dos grandes grupos, uma grande parcela da produção de aves, suínos e bovinos está nas mãos de pequenas e médias empresas.

Evidentemente, a grande maioria é de empresas que andam dentro da lei e lutam para fechar no azul mês após mês. Como lembrou o presidente Michel Temer, apenas 21 das 4.850 fábricas foram envolvidas na operação Carne Fraca. A maioria deles fica no Paraná, foco inicial da operação. A maior parte das acusações são por corrupção para conseguir assinatura nos certificados de qualidade sem a devida inspeção. Mas há casos mais graves, como o do Frigorífico Larissa, de Iporã, que trocava as etiquetas para poder comercializar produtos vencidos. O Souza Ramos, de Colombo, vendia salsicha de frango para as escolas do estado como se fosse de peru. No Argus, de São José dos Pinhais, um funcionário da empresa tinha a senha do fiscal do Ministério da Agricultura para acelerar a inspeção e a Central de Carnes Paranaense é acusada de injetar água nas carnes para aumentar o peso do produto.

O objetivo dos demais frigoríficos brasileiros é evitar que as acusações contra o Peccin e as outras acusadas prejudiquem seus negócios. Os frigoríficos pequenos e médios são responsáveis por mais de 40% da produção do país e vivem, ou viviam, um bom momento econômico. Essas companhias sempre levaram uma vantagem em relação aos grandões por focarem a distribuição em regiões geográficas limitadas. Assim, gastam menos com logística e conseguem responder rapidamente à demanda – se determinado tipo de salsicha está sendo muito vendido, é sinal de que é preciso aumentar a produção. Para gigantes como a BRF, essa leitura é muito mais difícil. “Esses grupos não funcionam em toda a cadeia de produção. Eles compram a carne de abatedouros, então estão menos sujeitos a variações de preços de commodities e funcionam com operações menos complexas”, diz José Antônio Fay, ex-presidente da BRF.

No mercado geral, a participação dessas empresas foi de 37% para 39% entre 2013 e 2016, beneficiadas também pela disputa fratricida entre as marcas Sadia e Perdigão (da BRF) e Seara (da JBS). Entre março e dezembro de 2016, no mercado de linguiças, por exemplo, a participação de mercado de marcas que não são da BRF e da JBS cresceu de 19% para 21%; em congelados, de 15% para 16%.

Segundo Elias José Zydek, diretor-executivo da fabricante paranaense de alimentos Frimesa, os frigoríficos e as cooperativas do interior sentiram a presença dos gigantes, mas não foram ameaçados diretamente, porque têm uma operação direcionada a pequenos e médios varejistas, com grande capilarização em cidades e regiões menores. Desde 2005, a Frimesa passou de 1,5% para 4,5% do mercado nacional de suínos e passou a faturar 2,56 bilhões de reais, segundo dados da companhia. A tática é a mesma seguida por outras empresas da área. A Excelsior, do Rio Grande do Sul, aumentou seu faturamento de 153 milhões para 183 milhões de reais entre 2015 e 2016 e, em seu balanço, atribui o crescimento ao foco nos pequenos varejos.

Mas participação de mercado não necessariamente significa que a vida está mais fácil. Primeiro porque as grandes empresas iniciaram agressivas estratégias de expansão e chegaram a cidades menores e aos pequenos varejistas, que eram o trunfo de empresas como o Peccin. A saída foi ir para mercadinhos menores, e para cidades mais no interior. Tudo isso aumenta os gastos com logística e com vendas.

A crise do consumo também chegou aos pequenos e médios. A estrutura enxuta é uma vantagem, mas o menor acesso a crédito tende a dificultar as coisas em momentos de aperto. O ano de 2016 ainda foi difícil para os produtores porque o preço do milho e da soja, usados na ração, subiu muito. Mas, segundo consultores ouvidos por EXAME Hoje, apenas uma parte do custo foi repassado para os frigoríficos. “Não há justificativa econômica para não seguir as regras, para fazer alimentos fora de qualidade. Quem fez usou de má-fé. São pouquíssimos casos, que fariam mesmo que ganhassem muito dinheiro”, diz Marcelo Lopes, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS).

O mercado muda?

Ainda é difícil mensurar qual o poder da operação Carne Fraca de mudar a dinâmica do mercado. Claramente, a JBS e a BRF sofreram abalos maiores às suas marcas do que a maioria dos frigoríficos menores – principalmente, claro, para aqueles que não estão envolvidos no escândalo. Na sexta-feira, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, ordenou o recolhimento da carne de três frigoríficos paranaenses citados na operação: Souza Ramos, Transmeat e Peccin. O recall tem de ser feito em até cinco dias e o consumidor deve ser ressarcido. A Senacon não soube precisar o volume de carne que será recolhida.

Para quem ficou de fora, há boas possibilidades. “Pode ser uma oportunidade porque as pessoas não vão deixar de consumir carne e derivados, mas vão querer marcas de confiança. Com isso, o consumidor pode se aproximar de marcas regionais que conseguirem se mostrar confiáveis”, diz Luciano Vacari, presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso, o estado que mais produz carne bovina no país.

Vacari lembra que a as diretrizes para inspeção são as mesmas, tanto em frigoríficos grandes como nos pequenos. Mas há um risco para os pequenos. Produtores temem que, com exportações suspensas para 22 países, a carne que iria para fora inunde o mercado interno e jogue os preços para baixo. “Se o preço do frango, por exemplo, baixar, o da carne bovina e suína também vai cair. Isso será ruim para toda a cadeia de produção agrícola”, diz Lopes, da ABCS.

O Peccin, claro, está na pior. O frigorífico não tem data para reabrir, tampouco há previsão para a soltura dos diretores Normelio Peccin Filho e Idair Antônio. Sindicato e trabalhadores, claro, esperam que o frigorífico volte a funcionar. Mas caso as denúncias da PF sejam realmente confirmadas, é melhor para os consumidores que o frigorífico mais enrolado do Brasil continue fechado.

 

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