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Por que empresas chinesas não são mais vistas como alternativas baratas no Brasil

Para a consultora Lyana Bittencourt, companhias chinesas estão investindo cada vez mais na construção de uma imagem premium e confiável. Leia o artigo:

BYD: "montadora aposta em um posicionamento premium acessível com forte valor agregado e preços competitivos" (BYD/Divulgação)

BYD: "montadora aposta em um posicionamento premium acessível com forte valor agregado e preços competitivos" (BYD/Divulgação)

Lyana Bittencourt
Lyana Bittencourt

CEO do Grupo BITTENCOURT

Publicado em 3 de setembro de 2025 às 11h34.

A relação entre Brasil e China é uma das mais estratégicas no cenário internacional atual, com impactos significativos na economia, no comércio, na tecnologia e no investimento. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), a China é, desde 2009, o principal parceiro comercial do Brasil e nos últimos anos, essa relação se aprofundou com a chegada de diversas empresas chinesas ao País, marcando presença em setores-chave como infraestrutura, energia, tecnologia, automóveis e food service.

As empresas chinesas deixaram de ser percebidas por nós brasileiros, apenas como alternativas baratas e passaram a adotar uma postura estratégica mais ousada e sofisticada. Cada vez mais, investem na construção de uma imagem premium e confiável, reforçada por atributos de inovação, qualidade e tecnologia, ao mesmo tempo em que buscam estreitar o relacionamento com o consumidor local.

Esse movimento revela uma evolução marcada pela transição do foco puramente comercial para uma visão de longo prazo, orientada à consolidação de marca, diferenciação competitiva e adaptação cultural ao mercado brasileiro. Seis pontos explicam esse movimento:

  1. Posicionamento: antes vistas apenas como alternativas econômicas, as marcas chinesas têm reposicionado sua atuação, buscando transmitir credibilidade e relevância por meio de uma reputação de alto valor, associada à inovação constante, excelência em qualidade e avanço tecnológico;
  2. Adaptação: entendimento da cultura brasileira tem sido uma prioridade, traduzindo-se em atendimento local, produtos adaptados ao mercado brasileiro e campanhas tropicalizadas, moldando tom e valores relevantes ao consumidor local, como sustentabilidade, inclusão e mobilidade;
  3. Canais: forte presença em marketplaces e canais digitais e estratégias D2C (Direct to Consumer) bem desenvolvidas, além da ampla utilização de dados e performance digital para ajustar campanhas em tempo real e uso de espaços físicos como extensão e amplificação da experiência online, reforçando presença de marca, relacionamento e conversão;
  4. Velocidade e escala: as empresas chinesas operam com alta velocidade e experimentação rápida, com frequentes lançamentos de produtos e constantes testes de aceitação do público em ciclos curtos, ajustando preços, features e posicionamento;
  5. Parcerias: estabelecimento de alianças estratégicas com empresas brasileiras, governos e grandes redes de varejo, assumindo compromissos de longo prazo e foco em industrialização local e geração de emprego;
  6. Inovação: marcas chinesas apostam em tecnologias de ponta, fomentando o uso de baterias elétricas, IA, conectividade 5G, entre outras, posicionando seus produtos como “acessíveis, mas tecnológicos”, atraindo uma classe média aspiracional.

A entrada das marcas chinesas tem se intensificado no Brasil, tendo alcançado de forma acelerada e diversificada, setores estratégicos e de alto impacto econômico. No campo da energia, estão ampliando investimentos em projetos solares, eólicos e de hidrogênio verde, movimentando bilhões de reais e gerando empregos. No setor automotivo, especialmente no segmento de veículos elétricos e híbridos, o avanço é expressivo.

Na área de tecnologia e serviços digitais, o movimento é igualmente intenso, apontando para um caminho de colaboração em inteligência artificial, ciência de dados e formação de talentos. Esse avanço não é pontual: trata-se de uma estratégia abrangente que combina infraestrutura, indústria, tecnologia, consumo e recursos naturais. A diversificação setorial e a escala dos investimentos mostram que a relação Brasil–China evoluiu para uma presença corporativa robusta, moldando cadeias produtivas e influenciando diretamente a economia brasileira.

Mas mais do que isto: o modelo mental chinês de transformar o comportamento de consumo está em ritmo acelerado no Brasil — o TikTok é um dos apps mais utilizados pelos brasileiros, com grande destaque entre os jovens. O Kwai também é um dos aplicativos mais visitados por aqui, especialmente no nicho de vídeos curtos, contando com milhões de usuários ativos diários.

A Temu, que chegou ao Brasil no ano passado, já se tornou a plataforma de e-commerce com o maior número de acessos mensais, superando o Mercado Livre, ao registrar em maio, cerca de 250 milhões de visitas ao seu site, de acordo com a consultoria Conversion. Shein e AliExpress são outros exemplos de plataformas chinesas de comércio eletrônico extremamente influentes no país.

No mercado automotivo, a BYD (Build Your Dreams) é um dos cases mais emblemáticos dessa nova fase. Fundada em 1995 e sediada em Xian, a BYD Auto possui um portfólio com veículos elétricos a bateria e híbridos plug-in, refletindo um forte compromisso com a mobilidade sustentável. A empresa adotou diversas estratégias para consolidar sua presença no Brasil, como a industrialização local, ao assumir a antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA), com foco na produção nacional de veículos elétricos e híbridos.

Também tem investido em parcerias com governos estaduais e municipais, buscando eletrificar frotas públicas, como ônibus e viaturas. Seus modelos modernos e inovadores competem diretamente com grandes marcas tradicionais, evidenciando uma estratégia que une design global com inovação tecnológica, o que reforça sua presença de marca entre classes de maior poder aquisitivo.

A apresentação da BYD combina inovação, sustentabilidade e nacionalização, apostando em um posicionamento premium acessível com forte valor agregado e preços competitivos. Para isto, a companhia tema dotado uma abordagem sofisticada em seus eventos de lançamento, organizando iniciativas e campanhas para grupos de prestígio e alto impacto social. A atuação da marca é agressiva e estratégica, com o objetivo de liderar o mercado de mobilidade elétrica no país.

Outro exemplo notório de atuação chinesa em solo brasileiro é o da Huawei, uma presença que atravessa décadas e impacta profundamente as esferas tecnológica, social e energética do país. Desde 1998 com operações por aqui, a Huawei estabeleceu uma trajetória robusta e diversificada, solidificando-se como líder em infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação, com alcance estimado em cerca de 95% da população brasileira.

Ao longo desses anos, a empresa investiu fortemente em estrutura local contando hoje com uma fábrica em Campinas, um centro de distribuição em Sorocaba e linhas de montagem de smartphones em Jundiaí. A empresa destaca que já gerou mais de 17 mil empregos diretos e indiretos no Brasil, investido R$ 500 milhões em produção e inovação local e estabelecido parcerias com mais de 200 instituições de ensino e pesquisa.

Outra gigante, a ByteDance, famosa por ser a empresa-mãe do TikTok, tem aprofundado sua presença no Brasil além do universo do entretenimento digital, alinhando-se com os esforços de modernização tecnológica do país. Um dos movimentos mais ambiciosos da empresa é o planejamento de um grande centro de dados no Ceará, possivelmente no complexo portuário de Pecém, oferecendo uma combinação poderosa de energia renovável, notadamente eólica, e conectividade eficaz, por sua proximidade às estações de cabos submarinos.

Tanto a ByteDance quanto a Huawei estão na vanguarda de negociações para desenvolver infraestrutura em nuvem e centros de dados ligados à inteligência artificial — sinalizando que o Brasil está se posicionando como destino estratégico para o setor digital asiático.

Já no setor de food service, a presença de marcas chinesas ainda está em estágio inicial, mas há movimentos promissores em andamento. Um dos principais vetores de entrada tem sido o uso do TikTok, pertencente à ByteDance, que vem impulsionando a visibilidade de restaurantes de culinária chinesa no Brasil e ajudando a popularizar pratos asiáticos como ramen, hot pot e bubble tea.

Embora ainda não existam grandes players chineses no food service brasileiro, o soft power cultural da China, aliado à sua infraestrutura digital, já influencia fortemente o comportamento de consumo. Dois exemplos recentes e relevantes que ilustram essa movimentação são as entradas da Meituan e da Mixue no Brasil.

A Meituan é uma das maiores empresas de tecnologia da China, operando um super app que integra delivery de comida, reservas, mobilidade urbana, entre outros serviços. Em 2024, iniciou suas operações no Brasil sob o nome Keeta, estreando em São Paulo com foco exclusivo no delivery de comida. A estratégia de entrada tem sido pautada pela eficiência logística com tecnologia de inteligência artificial, subsídios agressivos para atrair consumidores e restaurantes, e uma interface de aplicativo leve e intuitiva. O objetivo da Meituan é claro: escalar com tecnologia, baixos custos e experiência superior, com possibilidade futura de expansão para outros serviços no modelo de super app.

Por sua vez, a Mixue Bingcheng é uma gigante do food service asiático, com mais de 30 mil lojas e especializada em sorvetes e bebidas, como o bubble tea. Em 2024, começou a operar no Brasil com unidades em São Paulo e no Paraná, adotando o modelo de franquia, o que tem despertado interesse de diversos empreendedores locais. A Mixue aposta em preços extremamente acessíveis, ambientes instagramáveis que dialogam com a geração Z e forte investimento em branding digital, especialmente no TikTok e Instagram. Seu diferencial está na padronização extrema, no apelo visual dos produtos e na proposta lúdica de consumo, mirando não só clientes, mas fãs da marca.

O que essas marcas sinalizam?

O movimento das marcas chinesas no Brasil aponta:

  • Mudança na dinâmica dos setores, apostando em eficiência, design, branding digital e modelo replicável;
  • Preferência por testar, ajustar e escalar, em vez de anunciar grandes planos;
  • Crescimento agressivo com inteligência operacional e forte conexão com hábitos digitais e culturais do novo consumidor.

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