Negócios

Por que as finanças fizeram o Manchester City ser banido na Europa

Clube inglês foi acusado pela UEFA, entidade do futebol europeu, de inflar receitas ao usar dinheiro de seu dono bilionário como forma de patrocínio

Gabriel Jesus, atacante brasileiro do Manchester City: clube vai recorrer da decisão para disputar a Liga dos Campeões (Manchester City/Divulgação)

Gabriel Jesus, atacante brasileiro do Manchester City: clube vai recorrer da decisão para disputar a Liga dos Campeões (Manchester City/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 14 de fevereiro de 2020 às 19h22.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h43.

O time de futebol inglês Manchester City está banido da Liga dos Campeões e de outras competições europeias pelas próximas duas temporadas. A decisão veio nesta sexta-feira, 14, por parte da UEFA, órgão máximo do futebol do continente.

O City é acusado de descumprir as regras financeiras da UEFA, o chamado "fair play financeiro". Pela regulação do futebol europeu, um time não pode gastar mais do que arrecada -- há exceção se o clube apresentar um prejuízo de no máximo 30 milhões de euros em média das últimas três temporadas.

A UEFA entendeu que o City descumpriu as regras entre 2012 e 2016, ao alterar dados financeiros de seus patrocínios. O City havia reportado à UEFA que sua receita vinha de seu principal patrocinador, a companhia aérea Etihad Airways, dos Emirados Árabes Unidos. Mas uma parte do dinheiro, concluiu a UEFA, vinha direto do sheik que é dono do clube, Mansour bin Zayed, da família real dos Emirados Árabes.  De qualquer forma, a própria Etihad também é uma companhia estatal que pertence ao governo dos Emirados e, assim, próxima à família do dono do City.

"A UEFA investiga, portanto, se o City fecharia patrocínio com outros patrocinadores em igual condição, ou se em razão da relação entre Etihad e City, o patrocínio tem valores maiores ou mais inflados", diz o advogado Eduardo Carlezzo, do escritório de advocacia especializado em esportes Carlezzo Advogados.

Um fundo ligado ao sheik é dono do City desde 2008, quando começou a virada do clube, até então com pouca expressão no futebol europeu se comparado a rivais ingleses mais tradicionais, como Arsenal e Liverpool.

A base da investigação foi uma reportagem da revista alemã "Der Spiegel" em 2019. A reportagem mostrou que na temporada 2016/17, por exemplo, dos 67,5 milhões de libras de patrocínio do City, só 12% de fato veio de patrocínio da Etihad. O restante seriam, na prática, aportes diretos dos donos do clube, embora estivessem descritos nos balanços como patrocínio.

Esse tipo de aporte direto no clube, fora da verba de patrocínio, é proibido pela UEFA porque, não prova que um time é capaz de se manter com seu próprio modelo de negócio. Na teoria, um clube precisa provar que consegue se manter com receitas oriundas do esporte: patrocínios, direitos de televisão, bilheteria e outros segmentos. Do contrário, qualquer bilionário poderia comprar um time e aportar tanto dinheiro que o clube seria capaz de bater todos os rivais, minando a base esportiva da competição.

Para a punição, a UEFA argumenta ainda que o City não cooperou com as investigações. Em nota, o City afirmou que o time está "desapontado mas não surpreso" com a punição da UEFA. O clube afirma que vai apelar da decisão na Tribunal Arbitral do Esporte na Suíça. "O clube sempre antecipou a necessidade de buscar um órgão e processo independentes que levem em consideração o significativo conjunto de evidências que embasam sua posição", disse.

Manchester City

Torcida do Manchester City: depois de compra por sheik árabe, time passou a ser competitivo e entrou para a elite do futebol europeu (Mike Hewitt/Getty Images/Getty Images)

Que outros clubes já foram punidos?

A punição do City é uma das mais rigorosas já aplicadas pela UEFA desde que o fair play financeiro começou, em 2011. Em 2013, o espanhol Málaga chegou a ser expulso de todos os campeonatos europeus por quatro anos — mas recorreu da decisão e voltou em 2014, tendo ficado somente uma temporada fora das competições. O Málaga pertence a outro bilionário árabe, o sheik Abdullah bin Nasser Al-Thani, que comprou o time em 2010. 

Em 2019, o italiano Milan fechou um acordo com a UEFA e ficou de fora da atual temporada 2019/20 da Liga dos Campeões. A punição original era de duas temporadas, mas o clube conseguiu amenizá-la. O Milan foi punido por gastar mais do que o que arrecadou nas temporadas entre 2015 e 2018, com gastos de mais de 200 milhões de euros na ocasião.

Houve outras punições, mais brandas. O próprio City já foi punido em 2014, com uma multa de 60 milhões de euros (da qual pagou só uma parte) e restrição a salários e transferências de jogadores. No mesmo ano, o francês Paris Saint-Germain (PSG) teve a mesma punição.

Ainda sobre o PSG, a compra do atacante brasileiro Neymar pelo clube em 2017 também foi alvo de controvérsias na regra do fair play financeiro, mas o clube terminou sem ser punido. Argumentou-se que o PSG não teria dinheiro suficiente para arcar com os valores, e que o montante viria dos bilionários donos do clube. Atualmente, o clube é gerido pelo empresário Nasser Al-Khelaïfi, que é presidente do PSG e do Qatar Sports Investment, fundo ligado ao governo do Catar que comprou o time francês em 2011.

Os gigantes espanhóis Real Madrid e Atlético de Madrid também chegaram a ser punidos em 2016 e ficaram sem poder contratar novos jogadores, assim como o Barcelona em 2014.

"Até hoje, as punições haviam sido mais amenas, um pouco para 'inglês ver', já que para clubes como PSG e City uma punição de 30 milhões de euros não faz falta", diz Amir Somoggi, da consultoria Sports Value. O consultor acredita que houve uma grande pressão pela punição ao City vinda dos times europeus considerados tradicionais -- e que ainda têm modelo de negócio em que são capazes de ter receita orgânica, e não com um dono bilionário. "Com a punição ao City, caso ela de fato seja concretizada, cria-se um precedente de que a UEFA está atenta às transações fora da curva."

No Brasil, não há nenhum tipo de regra financeira parecida. "Ainda vamos demorar muito para que um tipo de regulamento de ordem financeira aconteça no Brasil", diz o advogado Eduardo Carlezzo.

Há algumas regras estabelecidas pelo Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que renegociou as dívidas dos clubes com a União e, em troca, exige responsabilidade fiscal dos que aderiram. Mas ainda longe de ser algo próximo ao que acontece com a UEFA.

Mesmo em um mercado menor como o Brasil, a falta de regulação pode gerar um certo desequilíbrio entre os times, caso algum deles consiga um patrocinador maior. Isso cria situações como a do Palmeiras, onde a Crefisa, patrocinadora majoritária, injetou mais de 300 milhões de reais no clube desde 2015. As partes renovaram seu acordo de patrocínio em 2019 e o clube deve embolsar 410 milhões de reais da Crefisa até 2021. Críticos da parceria argumentam que os valores do patrocínio não condizem com a realidade do futebol nacional.

O Palmeiras teve a maior receita de patrocínio do Brasil nos últimos dois anos com balanços fechados, em 2017 e 2018, à frente de Flamengo e Corinthians, segundo levantamento da Sports Value com base em balanços dos clubes.

De patinho feio a bilionário

No caso do City, a punição vem meses depois de o clube atingir um valor de mercado histórico ao vender pouco mais de 10% de suas ações para o fundo americano Silver Lake, em novembro de 2019. O negócio elevou o valor do clube para 4,8 bilhões de dólares, segundo o jornal britânico Financial Times.

O City é um clube que historicamente viveu às margens do concorrente mais famoso, o Manchester United. Até que, em 2008, o clube foi comprado pelo fundo ligado ao sheik Mansour, por 240 milhões de libras.

Desde então, o faturamento cresceu seis vezes, para mais de 500 milhões de libras, colocando o clube entre os cinco com mais receitas no mundo. O City ainda gastou mais de 1,5 bilhão de euros em contratações e construiu um novo centro de treinamento com 16 campos oficiais. Conquistou também quatro campeonatos nacionais, o último deles em 2018. A Premier League, campeonato inglês, é a liga mais cara da Europa, e também uma das mais difíceis. O clube ainda não conquistou nenhum título da Liga dos Campeões.

O valor de mercado também foi subindo junto com a performance do clube. Passou de cerca de 300 milhões de dólares em 2008 para 3 bilhões de dólares em 2015 (quando um grupo chinês comprou 14% das ações), até chegar, agora, a 4,8 bilhões.

Além de ser banido das competições da UEFA por dois anos, o City terá de pagar ainda uma multa de 30 milhões de euros. As regras sobre as finanças se aplicam somente a times que disputam competições europeias, reguladas pela UEFA. O City poderá continuar disputando campeonatos dentro da Inglaterra.

Mas, ao não disputar a Liga dos Campeões, principal campeonato europeu e um dos mais importantes do mundo, o City deve perder até 75 milhões de euros em potenciais premiações que ganharia -- o time era um dos favoritos ao caneco europeu. Sem contar as perdas em direitos de televisão acarretadas de sua ausência na competição.

Acompanhe tudo sobre:BrasileirãoFlamengoFutebolFutebol europeuFutebol inglêsInglaterraPalmeiras

Mais de Negócios

Ford aposta em talentos para impulsionar inovação no Brasil

Fortuna de Elon Musk bate recorde após rali da Tesla

Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2024: conheça as vencedoras

Pinduoduo registra crescimento sólido em receita e lucro, mas ações caem