Economista Adriano Pires: Adriano tem longa carreira acadêmica e sólido histórico em petróleo, gás e setor de energia (Geraldo Magela/Agência Senado)
Victor Sena
Publicado em 29 de março de 2022 às 15h42.
Última atualização em 29 de março de 2022 às 16h36.
"Lá vamos nós de novo..." É assim que os analistas da corretora Necton batizaram um relatório publicado nesta terça-feira sobre a troca do atual presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, pelo economista Adriano Pires. A mudança parece justamente um filme que já se viu.
Há cerca de um ano, o general e ex-presidente da Itaipu Binacional Joaquim Silva e Luna foi nomeado para comandar a companhia pelo mesmo motivo. O presidente Jair Bolsonaro estava incomodado com os preços dos combustíveis praticados pela companhia sob a gestão de Roberto Castello Branco. Em 2018, Pedro Parente, no governo Temer, caiu quando uma greve de caminhoneiros parou o país, que questionava o aumento no diesel.
Apesar de o presidente Jair Bolsonaro já ter criticado diversas vezes a política de preços de paridade internacional da companhia, que precifica os derivados pela equiparação internacional, a nomeação de Adriano Pires não deve significar uma mudança no rumo da empresa.
Pedro Parente, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna caíram pelo menos motivo, mas a forma com que a empresa cota os valores da gasolina e diesel permanece a mesma. E assim deve ser. No relatório desta terça-feira, os analistas da Necton afirmam que a troca na presidência é muito mais uma tentativa de o governo melhorar a comunicação da companhia, do que de efetivamente trocar o comando.
Com isso, Jair Bolsonaro deve apostar mais numa estratégia para conter os preços dos combustíveis que não use o caixa da companhia, mas sim uma solução com seu próprio dinheiro.
Ilan Albertman, da Ativa Investimentos, também entende desta forma. "O próprio Pires já se mostrou favorável a uma destinação social com dividendos recebidos pelo governo. Essa nomeação reforça que o governo não vai fazer mudança estrutural na companhia. Possivelmente deve buscar uma solução no campo das políticas públicas", explica. "Com fundos de estabilização, você tem experiências que deram certo e algumas que não deram. A gente viu como uma paralisação de caminhoneiros pode ser destrutiva e a Petrobras tem vários stakeholders que são impactados com os preços altos. Tem de buscar um ponto conciliatório que dialoga com o entendimento de que é preciso buscar um equilíbrio que passa pela manutenção da saúde financeira da Petrobras, assim como estar atento aos impactos dos preços nos stakeholders", diz.
Para fazer isso, o Congresso Nacional ainda discute o Projeto de Lei Complementar 1.472/21. A ideia é um fundo amortecer com royalties ou dividendos para compensar altas cíclicas. Com o aumento da gasolina no início deste mês, o Congresso aprovou o Projeto de Lei Complementar 11/2020, que fez uma alíquota única para os ICMS estaduais sobre os combustíveis. Esta foi a primeira medida depois da disparada do petróleo a ser aprovado, mas os efeitos ainda não são sentidos.
"Acredito que a troca dele muda pouca coisa. Como ele é do setor, e entende muito, pode ter um diálogo melhor com governo e sociedade. Considero a notícia neutra. A única coisa ruim pode ser o atraso da venda de ativos. Eu vejo a empresa protegida, a indicação dele do Adriano Pires indica isso também. Os presidente e diretores respondem como pessoas físicas por políticas feitas na empresa, e o governo tem que ressarcir ela em caso de atividade social. A solução deve ser fora da Petrobras, com um fundo de estabilização", opina Rafael Chacur, da SFA Investimentos.
A Necton elogiou o nome de Adriano Pires no relatório. Adriano tem longa carreira acadêmica e sólido histórico em petróleo, gás e setor de energia. Ele já trabalhou na Agência Nacional do Petróleo e é fundador e diretor da consultoria de energia CBIE. Em diversos artigos na mídia, o economista defendeu uma gestão da Petrobras como a atual. Ele é conhecido por defender o liberalismo e a privatização da empresa.
O relatório destaca esse perfil do executivo como uma mudança curiosa, já havia alguma expectativa de uma indicação de perfil mais intervencionista. Como a nomeação de Pires, fica mais claro ainda que a política de preços não deve mudar. "Acho difícil alguém como ele, especialista rasgar a biografia", pontua Rafael Chacur.
Apesar de terem caído um atrás do outro, Pedro Parente, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna seguiram a mesma cartilha. Desde o fim do governo do Partido dos Trabalhadores, os executivos à frente da empresa entenderam que ela precisa ter mais receita com a venda de combustíveis e abrir mão de negócios secundários, como o monopólio no refino. Agora, a Petrobras está focada na exploração e produção na região do pré-sal, que o que é considerado sua vocação natural.
Os analistas da Necton apontam que os preços domésticos dos combustíveis convergindo para a paridade internacional no médio prazo. Apesar disso, no curto prazo eles até fiquem um pouco defasados se os preços do petróleo continuarem a subir.
Tanto uma reunião da Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (Opep) como o câmbio baixo e perspectivas positivas para o fim da guerra na Ucrânia devem manter o preço do barril de petróleo em 100 dólares. No início de março, a disparada do valor dele para perto de 140 dólares foi o que levou a Petrobras ao ajuste de quase 20% na gasolina.
Para a companhia, a política é considerada fundamental para maximizar o lucro e manter o mercado competitivo. Isso porque o Brasil não é autossuficiente em refino. Assim, distribuidoras não compram só das refinarias da Petrobras, mais importam no dia a dia os combustíveis a preço internacional.
A companhia fornece cerca de 70% dos combustíveis consumidos no Brasil, de acordo com ANP. Todo o restante é comprado pelo preço definido internacionalmente por essas distribuidoras.
É principalmente devido à falta de autossuficiência no refino do Brasil e à integração aos preços globais que a companhia justifica a política.
Outro efeito dessa política de preços é garantir que seja vantajoso para a petroleira refinar seu petróleo. Em tese, sem a paridade internacional, valeria mais a pena exportar diretamente o petróleo cru.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, o preço gasolina no Brasil na última semana de março foi de R$ 7,21 e do diesel foi de R$ 6,56, em média. Esses preços são consequência do aumento de 18,7% para gasolina e 24,9% para o diesel, feito no início de março e que plantou a semente para a demissão de Silva e Luna, na visão do governo federal.