Negócios

Com "gigafábrica" na Alemanha, Tesla acelera expansão na Europa

A Tesla está à frente das montadoras alemãs entre os carros elétricos preferidos, mas Daimler, BMW e Volks produzem aos milhões

Tesla: "Alguns dos melhores carros do mundo são feitos na Alemanha", disse Musk ao aparecer em um evento da indústria em Berlim (Sigrid Harms / dpa/Getty Images)

Tesla: "Alguns dos melhores carros do mundo são feitos na Alemanha", disse Musk ao aparecer em um evento da indústria em Berlim (Sigrid Harms / dpa/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 3 de janeiro de 2020 às 06h05.

Última atualização em 3 de janeiro de 2020 às 11h18.

Grünheide, Alemanha – Os visitantes de Palo Alto, na Califórnia, viram como Berlim, um aglomerado de startups de tecnologia que se compara ao Vale do Silício, fica a apenas um curto trajeto de distância.

Prometeram-lhes licenças de construção em quatro semanas, em vez dos habituais 11 meses. E eles voaram em um biplano russo de 44 anos para uma agradável excursão pelo local.

E funcionou. Elon Musk, o executivo-chefe da Tesla, decidiu construir a primeira grande fábrica europeia da montadora em Grünheide, uma cidadezinha nos arredores de Berlim cercada por áreas pouco desenvolvidas.

Musk fez o anúncio durante uma fala aparentemente improvisada em uma cerimônia de premiação automotiva em Berlim, em novembro.

Mas a decisão estava sendo tomada havia meses e envolveu um namoro elaborado de autoridades locais ansiosas para atrair não só os empregos que a Tesla pode gerar – de dois mil a três mil dentro em dois anos e, por fim, quase sete mil –, mas também o prestígio. De alguma forma, as autoridades conseguiram manter as negociações em segredo até Musk divulgar a notícia.

Muitas coisas ainda podem dar errado. A Tesla, que se opôs à sindicalização em sua fábrica em Fremont, na Califórnia, talvez se irrite com as leis trabalhistas alemãs, que garantem que os trabalhadores podem opinar na gestão e limitar as horas extras. Grupos ambientais podem se opor à fabricação na área próxima a uma reserva natural. O notoriamente imprevisível Musk poderia mudar de ideia.

Ainda assim, a decisão foi extremamente significativa para a Alemanha, onde os carros são o maior produto de exportação e a base da economia.

A notícia acalmou temporariamente a preocupação crescente de que a indústria automobilística alemã enfrenta problemas sérios com a transição para carros movidos a bateria, como os feitos pela Tesla.

Um estudo recente do governo concluiu que a mudança para veículos elétricos poderia custar à Alemanha 114 mil empregos até 2035 e 0,6 por cento de seu produto interno bruto. Isso porque os carros elétricos têm menos peças e são mais simples de fazer.

Além disso, as células da bateria são feitas quase exclusivamente fora da Alemanha e devem ser importadas. Os fornecedores alemães de peças para motores de combustão interna, como pistões, sistemas de ignição ou equipamentos de controle de emissões, enfrentam quedas nas vendas.

A montadora da Tesla compensaria algumas das perdas de postos de trabalho, e a empresa também planeja produzir baterias na Alemanha.

Com sede em Palo Alto, a Tesla já abocanha a quota de mercado das fabricantes alemães BMW, Volkswagen e Daimler, que produz os automóveis Mercedes-Benz. O Tesla Model 3 se tornou o carro movido a bateria mais vendido na Europa, um segmento pequeno, mas que está crescendo rapidamente.

Com a Tesla perto de Berlim, as montadoras alemãs terão uma visão melhor do que ela está fazendo, disse Felipe Munoz, analista da empresa de pesquisa de mercado JATO Dynamics. "Elas vão precisar acelerar seus planos de eletrificação."

A Tesla não respondeu recentemente aos pedidos de comentário, mas Musk indicou que uma das coisas que o atraiu na Alemanha foi sua tradição automobilística e a grande quantidade de especialistas em engenharia. Essa poderia ser uma razão pela qual ele não escolheu um país como a Polônia ou a República Tcheca, onde os custos trabalhistas são muito mais baixos.

A Tesla está à frente das montadoras alemãs na concepção de carros elétricos que as pessoas querem comprar, mas a Daimler, a BMW e a Volkswagen podem ensinar muito sobre como produzir carros aos milhões. São notórios os problemas que a Tesla teve para escalonar sua produção, mas a Volkswagen acaba de começar a produzir em massa um hatchback elétrico em Zwickau que será mais barato que o Model 3.

"Alguns dos melhores carros do mundo são feitos na Alemanha", disse Musk ao aparecer em um evento da indústria em Berlim recentemente ao lado de Herbert Diess, o executivo-chefe da Volkswagen. "Todo mundo sabe que a engenharia alemã é excelente, com certeza."

O estado de Brandemburgo, que inclui Grünheide e que fazia parte da Alemanha Oriental, apostou alto para atrair a fábrica da Tesla. O centro de gravidade da indústria automobilística alemã está no sul, nos estados da Baviera, lar da BMW, e Baden-Württemberg, casa da Daimler. Brandemburgo, por outro lado, é conhecido por alguns como a casa do novo aeroporto de Berlim, cuja construção é assolada por problemas técnicos e rombo nos custos, e que está sete anos atrasada.

O esforço local para persuadir os funcionários da Tesla foi liderado por Jörg Steinbach, ministro da Economia de Brandemburgo e membro do Partido Social-Democrata, de esquerda. Ele se propôs a provar que a burocracia do Estado, por vezes pesada, poderia se mover na velocidade do Vale do Silício, e foi o único que prometeu as licenças aceleradas.

Steinbach também fretou o biplano Antonov para vender aos executivos as virtudes da área proposta para a fábrica (o avião acomoda até 12 pessoas, e Antonovs são manobráveis o suficiente para voar baixo). Uma das vantagens era que o local já havia sido aprovado para uma fábrica da BMW, que acabou sendo construída em Leipzig.

Arne Christiani, prefeito de Grünheide, disse que as autoridades se dedicaram porque esperavam que a fábrica atraísse de volta as pessoas em idade ativa que haviam partido para as cidades. Ele brincou que os Teslas sairiam da linha de montagem antes que os aviões começassem a decolar do novo aeroporto de Berlim. "Estamos apostado no que vai acontecer primeiro", disse ele.

Houve um momento tenso em que, durante uma teleconferência entre autoridades alemãs e executivos da Tesla, se descobriu que Musk tinha a impressão de que o local ficava de fato em Berlim. "Eu disse a ele: 'Bem, não é bem assim. Na verdade, fica em Brandemburgo'", contou Steinbach.

Desde a queda do Muro de Berlim há 30 anos, a cidade gerou uma próspera cena artística e empreendedora. Era obviamente importante para Musk estar lá, disse Steinbach, observando que a fábrica seria chamada de Gigafactory Berlin na Região da Grande Berlim.

Em 12 de novembro, Musk se reuniu com a equipe de Brandemburgo, no Hotel Adlon, que já esteve à sombra do Muro de Berlim e é repleto de história. A Tesla e as autoridades locais assinaram uma carta de intenções de mais de uma página. Horas depois, Musk deu a notícia ao receber o prêmio Golden Steering Wheel, do jornal "Bild".

"Tenho um anúncio a fazer que espero que seja bem recebido", disse Musk no palco. "Decidimos colocar a Tesla Gigafactory Europe na área de Berlim." O público se espantou e aplaudiu.

Ainda há dúvidas, particularmente sobre a forma como a ética de trabalho 24/7 da Tesla vai se adaptar à Alemanha, onde se espera que os gerentes de fábricas consultem os representantes dos funcionários antes de tomadas de decisão importantes.

"As leis trabalhistas são distintamente diferentes aqui", disse Olivier Höbel, chefe do sindicato IG Metall em Berlim, Brandemburgo e Saxônia, que representa os trabalhadores da indústria automobilística.

Mas acrescentou: "Estamos muito felizes com a decisão. O sindicato vai trabalhar com a Tesla e criar o clima perfeito para que o projeto seja um sucesso total."

Acompanhe tudo sobre:AlemanhaBerlimCarros elétricosMontadorasTesla

Mais de Negócios

Setor de varejo e consumo lança manifesto alertando contra perigo das 'bets'

Onde está o Brasil no novo cenário de aportes em startups latinas — e o que olham os investidores

Tupperware entra em falência e credores disputam ativos da marca icônica

Num dos maiores cheques do ano, marketplace de atacados capta R$ 300 milhões rumo a 500 cidades