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Os obstáculos no caminho da Vale

Letícia Toledo Depois de dobrar o valor de suas ações em 2016, poucos analistas apostavam que a mineradora Vale continuaria a subir na bolsa em 2017. Mas o começo de ano tem sido tão espetacular para a mineradora quanto 2016: as ações ordinárias já subiram 26% e as preferenciais, 31%. Ambos os papéis estão no […]

ANO NOVO CHINÊS: o feriado nacional paralisou as negociações de minério e fez a ação da vale despencar, o que escancara a dependência da China  / Hong Kong Tourism Board via REUTERS

ANO NOVO CHINÊS: o feriado nacional paralisou as negociações de minério e fez a ação da vale despencar, o que escancara a dependência da China / Hong Kong Tourism Board via REUTERS

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Letícia Toledo

Publicado em 30 de janeiro de 2017 às 16h27.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.

Letícia Toledo

Depois de dobrar o valor de suas ações em 2016, poucos analistas apostavam que a mineradora Vale continuaria a subir na bolsa em 2017. Mas o começo de ano tem sido tão espetacular para a mineradora quanto 2016: as ações ordinárias já subiram 26% e as preferenciais, 31%. Ambos os papéis estão no maior patamar desde o início de 2014. A Vale voltou ao patamar de 166 bilhões de reais de valor de mercado – menos da metade do que valia em seu melhor momento, em maio de 2008.

O motivo principal da boa fase é o preço do minério de ferro, que saiu dos 40 dólares a tonelada no início de 2016 para os 83 dólares atuais – o maior patamar desde outubro de 2014. Diante de todos esses números, analistas seguem otimistas quanto às ações da empresa. O problema, ou os problemas, não estão no mercado, ou no contexto internacional, mas na própria Vale. Apesar do momento especial, a companhia tem uma série de desafios pela frente.

A decisão mais urgente é o acordo de acionistas, que vence em abril. O modelo atual, firmado há 20 anos, quando a Vale foi privatizada, equilibra os poderes entre os acionistas da Valepar, empresa formada pelos controladores da Vale, os fundos de pensão estatais Previ, Funcef, Petros e Funcesp; a empresa de participações Bradespar; a mineradora japonesa Mitsui e o braço de participações do banco BNDES, o BNDESPar. Em abril, o acordo completa 20 anos, e perde a validade. É necessário, portanto, um rearranjo entre os sócios da companhia. Juntos, esses acionistas têm 32,7% do capital da Vale, mas detêm 53% das ações ordinárias, com direito a voto sobre o rumo da companhia.

A avaliação de analistas e pessoas a par do assunto é que o acordo certamente será renovado. A questão é como. Os sócios querem estabelecer um prazo menor de vigência do acordo – entre seis e dez anos. Segundo informações do jornal Valor Econômico também está em discussão a migração das duas classes de ações da Vale para uma única de ações ordinárias (com direito a voto) ao término do novo acordo.

A notícia também ajudou na alta dos papéis da companhia neste início de ano. Caso a unificação de ações ocorra, a Vale se tornará uma companhia com controle pulverizado diluindo a participação dos atuais acionistas. Para analistas do BTG Pactual, a medida traria uma melhoria da governança e seria uma notícia positiva para acionistas da Vale, que nos últimos anos ficou à mercê de pressões políticas do governo. “Poderia levar a um novo rating dos múltiplos da Vale conforme os níveis de concorrentes”, afirmam. Mineradoras concorrentes como as anglo-australianas Rio Tinto e BHP Billiton têm suas ações negociadas a múltiplos entre 7 e 7,5 vezes seu lucro, na Vale esse múltiplo está em 6 vezes. Ou seja, por esse critério ainda há espaço para uma valorização de 25%.

Apesar da euforia com a possível novidade, é importante lembrar que as notícias que circulam é que a reorganização das ações está prevista apenas após o término do novo acordo, que deve ter validade entre seis a dez anos. Ou seja: a partir de 2022, na melhor das hipóteses. Até lá, Donald Trump pode estar caminhando para o final de seu segundo mandato (já pensou?).

Em esclarecimento à Comissão de Valores Mobiliários no último dia 19, a mineradora confirmou que seus acionistas da Valepar estão em tratativas para elaborar um novo acordo de acionistas, mas disse que não há nada definido. “Todas as condições do eventual acordo, como prazo de vigência, bem como uma possível proposta de reestruturação societária e aperfeiçoamento da estrutura de governança da Vale, ainda estão em negociação e, tão logo sejam definidas, serão prontamente levadas ao conhecimento do mercado”, afirma no comunicado.

Outro tema que a Vale enfrentará nos próximos meses é o futuro de seu atual presidente, Murilo Ferreira, cujo mandato vence no próximo dia 23 de maio. A gestão de Ferreira foi marcada pela eficiência, com corte custos e decisões austeras. Sob seu comando, a companhia se tornou tão eficiente quanto as suas principais concorrentes, a BHP e a Rio Tinto, que só ganham dinheiro vendendo minério para a China se o preço estiver acima dos 30 dólares. Murilo se livrou de projetos fora do foco da Vale, como uma frota de navios para transportar minério, e se concentrou na inauguração de S11D, a maior mina de minério, do planeta, no Sul do Pará, finalizada há pouco mais de um mês.

E a Samarco? 

Desde que o presidente Michel Temer assumiu o comando do país, rumores de que Ferreira será substituído são constantes. O Palácio do Planalto estaria analisando nomes como do ex-diretor da Vale, José Carlos Martins, para substituir Ferreira. Temer estaria sofrendo fortes pressões políticas, em especial do PMDB de Minas, para interferir no conselho e forçar a troca de comando na companhia.

Não se trata de uma história nova na mineradora. Em março de 2011, o governo Dilma forçou a saída de Roger Agnelli do comando da companhia – iniciativa muito criticada pelos investidores – para dar o posto a Ferreira. “A gestão de Ferreira foi muito positiva. Agora, se é ou não uma boa trocá-lo depende muito de quem assumirá em seu lugar, se será alguém técnico ou político”, afirma Roberto Indech, analista-chefe da corretora Rico. Com a alta recente, Ferreira pode inclusive continuar exatamente onde está. A decisão sairá até maio.

Um abacaxi a ser descascado por Ferreira ou por seu sucessor é a crise da controlada Samarco, fruto de uma joint-venture com a BHP. A má resposta da Vale ao desastre ambiental de Mariana (MG) causado pelo rompimento de uma barragem da Samarco é apontada como a principal a justificativa do governo para substituir Ferreira.

Mas, conforme os dias passam, o desastre, ocorrido em novembro de 2015, parece um pesadelo cada vez mais distante, pelo menos para a Vale. Para analistas, a alta das ações da mineradora nos últimos meses – que deixou todas as perdas com o desastre de Mariana para trás – seria um dos motivos que poderia levar Ferreira a mais um mandato na Vale.
No último dia 20, Vale, BHP e Samarco assinaram Termos de Ajustamento Preliminares com o Ministério Público Federal que evitaram a necessidade de realizar um aporte de 1,2 bilhão de reais exigido pela Justiça Federal e que ficaria a cargo de Vale e BHP, já que a Samarco continua com suas operações paralisadas.

O retorno da Samarco está previsto para meados deste ano, de acordo com a secretaria de Meio Ambiente de Minas gerais. Em dezembro, a companhia obteve a primeira liberação para uso de depósito provisório de rejeitos. O local é uma cava que fica no complexo da mineradora em Mariana e deve ser usada por dois anos até que outra solução seja encontrada pela empresa. Ainda faltam à empresa as licenças da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais para o uso dessa cava, chamada de Alegria Sul. “A Samarco já não é mais um risco porque todo o risco já foi embutido no preço das ações da Vale”, afirma Indech, da Rico.

Por fim, o minério de ferro – grande responsável pela alta das ações até aqui – permanece como um risco para a Vale. “O preço do minério de ferro subiu 7% só em janeiro, mas os estoques continuam elevados. O preço é muito mais baseado em uma expectativa do que na realidade, não é um preço sustentável”, afirma Rafael Ohmachi, analista da corretora Guide.

Analistas do banco Credit Suisse estimam que o preço do minério de ferro deve cair até ficar próximos dos 65 dólares a tonelada, ante os 83 dólares atuais ainda este ano. A previsão para 2018 é de 48 dólares. Mesmo assim, eles recomendam a compra das ações da companhia. “A Vale está sendo negociada com o minério a um preço entre 55 dólares e 60 dólares a tonelada, em nossa opinião; o que mitiga parte do risco de baixa dos preços de minério no futuro”, afirmam.

A dependência dos preços do minério é tão grande que esta semana o feriado do ano novo chinês paralisou as negociações de minério e os investidores aproveitaram para, como se diz no mercado, “realizar os lucros”. Resultado: a Vale caiu 4% nesta segunda-feira 30. O feriado chinês vai até quinta. Depois disso, haja minério de ferro para sustentar tanta incerteza na Vale.

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