LURLEEN HAZELWOOD: motorista do Uber em Nova York, ele trabalha mais em dias de pouco movimento, contrariando princípios econômicos / Roger Kisby/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2016 às 12h21.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
Noam Scheiber
© 2016 New York Times News Service
A empresa de transporte Uber é mais conhecida por chacoalhar a indústria dos táxis. Agora, pode estar mexendo também com a profissão dos economistas.
Por quase 20 anos, os economistas vêm debatendo como os taxistas decidem quando parar de trabalhar a cada dia. Essa pode parecer uma questão trivial, mas ela toca fundo na questão de se os humanos são fundamentalmente racionais – nesse caso, se ganham seu salário de maneira eficiente –, como a disciplina em geral acredita.
De um lado está um grupo de economistas comportamentais que descobriram evidências de que muitos dos motoristas de táxi trabalham mais horas nos dias em que o negócio está devagar e menos horas quando há muitos passageiros – o oposto do que a razão econômica, para não falar do bom senso, pareceria indicar.
De outro lado está um grupo de economistas mais ortodoxos que argumentam que esse hábito perverso é principalmente uma ilusão de alguns pesquisadores. Assim que você consulta números mais precisos, dizem eles, descobre que os motoristas tipicamente trabalham mais horas quando isso é bom para seu interesse financeiro.
A questão tem implicações para outros trabalhadores, como fazendeiros e donos de pequenos negócios. E ganhou mais importância à medida que a economia informal cresce, deixando mais pessoas na posição de decidir quantas tarefas vai fazer a cada dia, desde montar móveis até etiquetar fotos na internet.
Então, quem está certo? É aí que entra o Uber. Este ano, quando um dos pesquisadores da empresa entrou no debate com um artigo que usa dados muito detalhados sobre o tempo de trabalho e as corridas de seus motoristas, os resultados foram surpreendentes.
Em geral, havia pouca evidência de que os motoristas trabalhavam menos quando podiam ganhar mais por hora do que o normal. Mas isso não era verdade para uma boa porcentagem dos motoristas novos. Muitos deles pareciam ter um objetivo de valor em mente e paravam quando estavam perto dele, fazendo com que deixassem o trabalho antes quando a renda por hora estava alta e que rodassem mais quando estava baixa. (O salário por hora dos taxistas tipicamente reflete quão ocupados eles estão; o quanto podem cobrar não muda. Para os motoristas da Uber, o valor por hora reflete tanto a procura quanto a taxa que é cobrada, já que o Uber pode aumentar os preços quando a demanda está alta.)
“Uma parte substancial, embora não sejam todos, dos nossos sócios realmente entra no mercado com um comportamento de objetivo de renda”, escreveu o autor do relatório, Michael Sheldon, cientista de dados do Uber. O comportamento é então “rapidamente deixado de lado em favor de uma tomada de decisão mais madura”.
Com efeito, explicou Sheldon, os seres geralmente racionais que a maioria dos economistas presume que exista são moldados, não nascem assim – pelo menos quando o que está em jogo é seu comportamento como motoristas do Uber.
As evidências do Uber destacam alguns pontos sobre os quais os dois lados do debate já concordam, como a ideia de que os motoristas aprendem a tirar mais dinheiro de suas horas de trabalho à medida que ganham mais experiência.
“O efeito do aprendizado não mexe com nenhum princípio da economia”, afirma Colin Camerer, professor de Economia do Instituto de Tecnologia da Califórnia e autor principal de um estudo pioneiro mostrando que muitos taxistas violam a ideia de racionalidade dos economistas.
Henry Farber, economista de Princeton e autor de vários estudos afirmando a visão tradicional, concorda com esse sentimento, dizendo que mesmo seus artigos sugerem que frequentemente os novatos não dirigem o suficiente quando os negócios estão indo bem. “Os motoristas novos que não conseguem entender isso, deixam o mercado. Os que ficam tendem a aprender”, afirma ele.
Camerer e Richard Thaler, professor de Economia da Universidade de Chicago e coautor do artigo original, também sugerem uma posição de meio-termo para a qual há muito apoio: taxistas e outros trabalhadores podem ter um objetivo de renda, mas talvez não sejam muito fanáticos na hora de atingi-lo. Eles são capazes de simplesmente ignorar o alvo quando sua renda por hora aumenta ou diminui demais.
Ainda assim, a questão de se muitos motoristas querem chegar perto o suficiente de um alvo de renda com a tendência a trabalhar mais horas quando o lucro é menor do que o normal e menos quando é maior, causou uma divisão crucial.
A visão convencional é de que, apesar de as pessoas muitas vezes não seguirem o que os livros de economia recomendam, algumas vezes ficando muito longe da recomendação quando estão começando em atividades como agricultura, reparo de geladeiras ou a condução de um táxi, eles normalmente não agem contra seus próprios interesses, o que poderia acontecer se fixassem um objetivo de renda.
Os comportamentais, em contrapartida, estão muito mais abertos a essa possibilidade, embora tenham moderado sua opinião sobre o quanto os motoristas fazem isso.
Ao descobrir evidências de que muitas pessoas não têm pressa de alcançar seu objetivo de renda, mesmo que seja pelo menos até que ganhem mais experiência, o estudo do Uber parece ter trazido a Camerer e a seus coautores uma pequena vingança depois de anos de ceticismo dos colegas economistas. (Outros estudos reafirmaram a descoberta do texto original, mas muitos usaram dados relativamente ruins e por isso se tornaram alvo de críticas.)
Camerer afirma que o exemplo do Uber é um caso especial que talvez não se aplique a todos os profissionais, mas que outros motoristas podem até ter mais propensão a não atingir o alvo porque possuem menos informação sobre o quanto poderiam ganhar se trabalhassem mais horas naquele dia.
Farber, por sua vez, afirma que a descoberta do Uber é “interessante” e acredita que “para os motoristas novos, ela pode significar que, sem ter informação e experiência, eles usam uma noção prática”.
Ainda assim, ele diz que não achou problemático intelectualmente que muitos dos novos motoristas do Uber usem regras contraproducentes, menos ainda se uma parcela desses motoristas usar o aplicativo para ganhar um dinheiro extra, que não precisam para se sustentar.
“Estou quase acreditando que as pessoas tendem a deixar dinheiro sobre a mesa quando não há um problema de sobrevivência ou forças do mercado empurrando-as para pegar aquele dinheiro”, explica Farber. Ele prefere não fazer um julgamento final até conseguir mais dados e fazer novas análises. O Uber normalmente não disponibiliza seus dados por questões de mercado.
Sheldon, o autor da pesquisa sobre o Uber, atribui suas descobertas à natureza aventureira de muitos de seus motoristas, que estão abertos a entrar de cabeça em território desconhecido. Essa falta de familiaridade da experiência de dirigir um Uber, especula ele, é capaz de explicar o comportamento economicamente irracional do início.
Sheldon não concorda muito com a ideia de que as pessoas que não precisam do Uber para sua sobrevivência contam bastante para sua descoberta. Até onde o Uber pode saber segundo dados de outra pesquisa, diz ele, aqueles que dirigem de modo irregular respondem mais ao aumento de valores do que os motoristas mais regulares, em qualquer nível de rendimentos.
Qualquer que seja a causa, o resultado parece ter uma implicação muito óbvia: qualquer um tentando ganhar dinheiro na economia informal deveria provavelmente pegar uma plataforma favorita ou duas e se manter nelas ao invés de ficar pulando de um tipo de tarefa para outra.
“Maior experiência é um ganho para os sócios e para a própria plataforma. Definitivamente queremos manter esses indivíduos envolvidos com o aplicativo até que eles aprendam a usá-lo da melhor maneira possível”, afirma Sheldon.