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Odebrecht Transport cria metas anticorrupção para funcionários

Cerca de 10% da avaliação anual e, consequentemente, dos bônus dos colaboradores dependem de práticas de compliance

Rodovia paulista é a única da lista privatizada recentemente (Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

Rodovia paulista é a única da lista privatizada recentemente (Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 28 de setembro de 2017 às 14h00.

Última atualização em 28 de setembro de 2017 às 15h05.

São Paulo – Investigado na Operação Lava Jato, o grupo Odebrecht está criando mecanismos de controle antifraude. Um dos exemplos é a nova política de avaliação de funcionários da Odebrecht Transport, subsidiária com projetos em mobilidade e rodovias.

Ela implantou metas individuais de conformidade a todos seus funcionários. Agora, como parte da avaliação anual de desempenho, os colaboradores também são examinados em relação a práticas de conformidade e anticorrupção.

Cerca de 10% da avaliação e, consequentemente, dos bônus dos colaboradores dependem de um bom desempenho nesses quesitos. Resultados financeiros, outros comportamentos e desenvolvimento da carreira também são verificados.

"A ideia não é pagar pela conformidade, motivar a conformidade financeiramente, mas sim punir quando não há esse desempenho", afirmou Juliana Baiardi, presidente da Odebrecht Transport a EXAME.com.

Para ser bem classificado, o funcionário precisa ter participado de todos os cursos e não ter recebido nenhuma medida disciplinar.

Os treinamentos abordam as políticas de envio de brindes e presentes, contratação de fornecedores, relacionamento com agentes públicos, entre outros tópicos. A ideia é que eles sejam atualizados e repetidos.

Para a presidente, aplicar os testes é indispensável para criar uma cultura transparente. "É importante que todos entendam nossas políticas e estejam de olho nessas práticas", afirma a executiva.

A Odebrecht Transport é pioneira nessa iniciativa dentro do grupo. É uma empresa criada em 2010 e que hoje tem 5.000 funcionários em suas áreas de rodovias e mobilidade, área que se fundiu com a japonesa Mitsui.

"O desafio é treinar 100% da Transport", afirmou a presidente. A subsidiária começou a aplicar as primeiras práticas de conformidade em 2013 e, no último ano, reforçou e aprimorou os processos.

"Se o funcionário está em um ambiente que se preocupa com a conformidade e que é transparente, ele sabe que essa é a postura esperada dele. Vai fazer parte do dia a dia", avalia Baiardi.

Teoria e prática

Para especialistas ouvidos por EXAME.com, colocar os treinamentos e medidas em prática é o grande desafio das empresas.

Segundo Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, treinamentos são importantes para mudar a cultura da empresa. "É nesses momentos que a companhia pode apresentar suas políticas e mostrar para o colaborador que está preocupada com o tema de governança".

No entanto, apenas isso não é suficiente. "Se não for praticado, a empresa incorre em uma hipocrisia que é ainda mais prejudicial para o negócio, porque passa sensação de impunidade", afirma Santos.

"A Odebrecht já possuía mecanismos de controle. O problema é que não era implementado, por conivência da alta gestão", afirmou Anna Maria Guimarães, docente da FIA e conselheira de administração. De acordo com ela, essas iniciativas dependem do comprometimento da liderança para serem efetivas.

Bom senso

Mundialmente, empresas perdem 5% de seu faturamento anual com fraudes, de acordo com uma pesquisa da Certified Fraud Examiners. Além disso, o custo de um escândalo para a imagem - e o valor - de uma empresa é bastante alto.

Para mitigar esses custos, empresas instauram processos de controle contra a corrupção. Enquanto nos Estados Unidos e Europa as conversas sobre práticas de governança e compliance já existem há décadas, a Lei Anticorrupção brasileira só foi criada em 2013.

Até então, os mecanismos nas empresas brasileiras não eram tão sistematizados e funcionavam na base do "bom senso" do funcionário, diz Santos.

Com a criação da legislação, isso precisou mudar. Ainda que recente, os especialistas acreditam que a lei é madura e que as práticas adotadas pelas companhias são consistentes, mas que o importante é cumprir as diretrizes.

O grupo Odebrecht afirmou que revisou seu código de ética em 2013, que foi transformado em um código de conduta. A organização também iniciou a implantação de um sistema de conformidade em 2014, em todos os seus negócios.

"Existe uma distância entre ter políticas e praticá-las”, afirmou Anna Maria. “A Operação Lava Jato deixou claro que o modelo que algumas empresas tinham não dá certo".

Ela acredita que a operação da Polícia Federal dá a essas empresas a chance de rever e aplicar práticas de conformidade. "Essas empresas têm a oportunidade de se reerguer. Essa cultura precisa ser construída", diz ela.

Página virada

No Grupo Odebrecht, as primeiras conversas sobre governança corporativa começaram em 2013, mas em 2014, a Operação Lava Jato começou e mudou as prioridades do grupo.

Por conta do pagamento de propina para obras em 12 países e a centenas de políticos, a companhia firmou em dezembro de 2016 o maior acordo de leniência até então, de 2,6 bilhões de dólares, com os governos do Brasil, Estados Unidos e Suíça. A JBS, mais tarde, ultrapassou o recorde, firmando um acordo de leniência de 10,3 bilhões de reais.

Em março de 2016 a empresa decidiu “virar a página” e começou a criar medidas para diminuir os riscos de novas atitudes ilícitas dentro da empresa.

Dos 77 executivos que colaboraram com as denúncias e que tinham conhecimento dos desvios praticados pela empresa, 51 foram desligados, diz a companhia. Os outros 26 continuam na companhia para passar seus conhecimentos sobre setores específicos, mas não podem exercer cargos executivos ou tomar decisões.

Além disso, a Odebrecht está, desde fevereiro de 2017, sendo monitorada internamente por cerca de 20 membros do Ministério Público e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O processo deve demorar três anos e os custos são pagos pelo grupo.

Eles investigam contratos, balanços, pagamentos a fornecedores, documentos e têm carta branca para entrar em qualquer lugar da companhia.

Todas as empresas do grupo passam por auditorias internas e externas e possuem uma linha de ética para denúncias.

O canal , na verdade, já existia, mas foi terceirizado neste ano, para garantir que a investigação seja efetiva. Qualquer funcionário pode enviar uma denúncia anônima sobre algum comportamento irregular para a empresa independente, que irá investigar as alegações.

Acompanhe tudo sobre:Corrupçãogestao-de-negociosGovernançaNovonor (ex-Odebrecht)

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