Negócios

O triunfo da Amazon na Itália das compras em dinheiro

Resistentes ao e-commerce, italianos estão usando a Amazon para comprar itens básicos, como vinho e presunto

Francesca Gemma, funcionária da Amazon na Itália: vendas online dispararam na crise (Gianni Cipriano/The New York Times)

Francesca Gemma, funcionária da Amazon na Itália: vendas online dispararam na crise (Gianni Cipriano/The New York Times)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 12h25.

Última atualização em 14 de outubro de 2020 às 22h22.

Ludovica Tomaciello nunca havia comprado na Amazon antes de se recolher à casa de seus pais em março, durante o confinamento do coronavírus na Itália. Certa tarde, entediada enquanto usava o TikTok, ela viu elásticos forrados para o cabelo, procurou por eles on-line, achou-os e fez a encomenda na Amazon.

Quando o pacote chegou, ela percebeu que estava viciada. Logo se inscreveu no Amazon Prime e recorreu ao site para comprar uma tapeçaria, luzes neon para decorar seu quarto, camisetas regata, jeans, um par de tênis Air Jordan e um controle remoto para fazer selfies para o Instagram.

"Minha mãe disse: 'Você pode parar com isso?'", contou Tomaciello, de 19 anos, que está cursando Letras, em um café perto de sua casa em Avellino, cerca de 32 quilômetros a leste de Nápoles. Quando as lojas reabriram em maio, a Amazon continuou a ser sua maneira preferida de fazer compras por causa da conveniência, da seleção e dos preços, segundo ela. Uma amiga até pediu que ela encomendasse discretamente um teste de gravidez.

A Amazon é uma das maiores vencedoras da pandemia, já que pessoas em seus mercados mais estabelecidos – Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido – compraram de tudo, desde papel higiênico até jogos de tabuleiro. O fato menos notado é que as pessoas em países que tradicionalmente resistiam à gigante do comércio eletrônico também estão caindo em sua rede depois que as lojas fecharam durante meses por causa do coronavírus.

A mudança foi particularmente pronunciada na Itália, um dos primeiros países duramente atingidos pelo vírus. Tradicionalmente, os italianos preferem fazer compras em lojas e pagar em dinheiro. Mas, depois que o governo impôs o primeiro bloqueio nacional da Europa, a população começou a comprar itens on-line em números recordes.

Mesmo agora que a Itália está se saindo melhor que a maioria dos lugares no combate ao vírus e as lojas físicas voltam a ser frequentadas, a mudança comportamental em direção ao e-commerce não parou. As pessoas estão usando a Amazon para comprar itens básicos, como vinho e presunto, além de câmeras web, cartuchos de impressora e artigos de fitness.

"A mudança é real, profunda e veio para ficar. A Amazon é a maior vencedora", disse David Parma, que realizou pesquisas sobre a mudança do comportamento do consumidor na Itália para a Ipsos em Milão.

A América do Norte é o maior mercado da Amazon, respondendo por cerca de dois terços de seus negócios globais de consumo de US$ 245,5 bilhões. Para crescer, porém, a empresa com sede em Seattle tem como alvo a Europa e outros novos mercados.

A Amazon chegou à Itália em 2010; sua primeira venda no país foi um livro infantil. No entanto, a empresa só teve sucesso parcial na década seguinte. Menos de 40 por cento dos italianos compraram on-line no ano passado, em comparação com 87 por cento no Reino Unido e 79 por cento na Alemanha, de acordo com o Eurostat, um grupo de estatísticas do governo da União Europeia.

A Amazon foi prejudicada na Itália pela pouca disseminação da banda larga e pelas más condições das estradas, o que dificulta a entrega, especialmente no sul. A Itália tem a população mais velha da Europa, e muitas pessoas também são cautelosas em fornecer seus detalhes financeiros on-line. O e-commerce é responsável por apenas oito por cento dos gastos em varejo no país.

"Havia algumas questões estruturais que tínhamos de enfrentar. Infelizmente, nosso país era e ainda é um daqueles onde a compreensão e a cultura tecnológica são baixas", declarou Mariangela Marseglia, gerente da Amazon na Itália.

A mudança veio com a pandemia. Parma disse que 75 por cento dos italianos fizeram compras on-line durante o confinamento. Estima-se que as vendas totais tenham crescido 26 por cento, um recorde de 22,7 bilhões de euros este ano, de acordo com pesquisadores da Universidade Politécnica de Milão. A Netcomm, um consórcio de varejo italiano, chamou a isso "um salto evolutivo de dez anos", com mais de dois milhões de italianos experimentando o comércio eletrônico pela primeira vez entre janeiro e maio.

Ainda há obstáculos para a Amazon. As pequenas e médias empresas são parte integrante da sociedade italiana. Compõem cerca de 67 por cento da economia, excluindo as finanças, e cerca de 78 por cento dos empregos, que são superiores às médias da União Europeia, de acordo com estatísticas da UE.

Em Gragnano, cidade no topo de uma colina perto da Costa Amalfitana que tem uma história de 500 anos de fabricação de massas, Ciro Moccia, dono da Fabbrica della Pasta, disse que a Amazon era um monopólio "perigoso" que poderia destruir negócios como o dele, que dependem da garantia de qualidade de um produto.

Mas, durante o confinamento, sua empresa não teve escolha a não ser vender pela Amazon depois que muitas lojas fecharam. Em cima da fábrica da família, onde a farinha de sêmola era misturada com água de nascente e prensada em 140 formas diferentes de massas, Moccia afirmou recentemente: "Estou muito preocupado."

O sucesso da Amazon atraiu escrutínio. Os sindicatos também criticaram suas práticas trabalhistas, incluindo a realização de uma greve em março em razão das políticas de segurança relacionadas ao vírus. Os reguladores italianos estão investigando a empresa por causa do aumento de preços durante a pandemia. Em 2017, a Amazon concordou em pagar cem milhões de euros, ou cerca de US$ 118 milhões, para resolver uma disputa fiscal com o governo.

Marseglia disse que a Amazon era "uma salvação para os clientes" na pandemia e garantiu uma nova maneira de as empresas chegarem até as pessoas on-line.

A Amazon se apressou para acompanhar a demanda. Ela planeja abrir dois novos centros de atendimento e sete estações de entrega na Itália. Também pretende contratar cerca de 1.600 pessoas a mais até o fim do ano, elevando sua força de trabalho em tempo integral para 8.500, número que era menos de 200 em 2011.

"Estamos acelerando o ritmo com que fazemos investimentos e contratamos novas pessoas", informou Marseglia, que é originalmente da Puglia, no sul da Itália.

Com o desemprego em cerca de nove por cento em todo o país – e perto de 20 por cento em áreas do sul da Itália –, muitos estão ansiosos para que a Amazon se expanda.

Quando Francesca Gemma se formou na faculdade em 2016, a Amazon era a única empresa que fazia contratações em sua área. Ela agora trabalha em um centro de atendimento, pegando centenas de produtos das prateleiras a cada hora para que possam ser enviados aos clientes. "No primeiro dia, minhas pernas doíam como se eu tivesse corrido uma maratona – eu não conseguia subir as escadas. Não é para todos, mas é um trabalho", contou.

Gemma, que também é representante do Cgil, um sindicato nacional, disse que as encomendas dispararam durante o confinamento e permaneceram altas, mas que, além de alguns bônus que recebeu no auge da emergência, a Amazon não forneceu muito mais aos funcionários do armazém para compartilhar seu sucesso. "Não sobrou muita coisa para os trabalhadores", observou Gemma, acrescentando que seu trabalho se tornou mais monótono por causa da aplicação dos protocolos sanitários.

A Amazon garantiu que pagava salários acima da média para o trabalho no armazém.

A empresa se esforçou para conquistar os italianos. Os pais são incentivados a fazer compras em seu site por meio de um programa que pode direcionar uma porcentagem de suas compras para a escola dos filhos.

Em Calitri, vila de quatro mil habitantes no sul da Itália, a Amazon patrocinou um festival de Natal no ano passado como parte de uma campanha de marketing para mostrar que poderia alcançar até mesmo as áreas mais isoladas. Mas Luciano Capossela, joalheiro de Calitri, ajudou a organizar um protesto contra a festa de Natal com outros donos de lojas.

Ele viu a comunidade abraçar a Amazon. Um cliente recentemente enviou uma captura de tela de um relógio de pulso à venda na Amazon, perguntando se Capossela o venderia pelo mesmo preço. Quando ele informou que o preço da Amazon era mais baixo do que o que ele poderia obter de um distribuidor, o cliente nem enviou resposta.

"Se continuarmos assim, em 10 a 15 anos só teremos a Amazon e todo o resto não existirá mais", resumiu Capossela. Em uma área onde o despovoamento é tão ruim que alguns imóveis estão à venda por apenas um euro, ele disse que o protesto do ano passado foi como um aviso: "Uma vila com entregadores e sem lojas."

Ele selecionou uma foto em seu celular tirada na manhã seguinte ao festival da Amazon. Ela mostrava que a árvore de Natal tinha se desfeito com uma tempestade. "Foi a vontade de Deus", comentou ele.

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