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Os erros que levaram ao sumiço dos chocolates Wonka

Doce desapareceu das prateleiras, em meio a erros de marketing, mudanças de estratégia e indiferença corporativa

Musical Fantástica Fábrica de Chocolates: neto de Roald Dahl lamenta sumiço dos doces (Sara Krulwich/The New York Times)

Musical Fantástica Fábrica de Chocolates: neto de Roald Dahl lamenta sumiço dos doces (Sara Krulwich/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2017 às 09h33.

Última atualização em 15 de julho de 2017 às 11h23.

Nova York – O cartaz na porta do Lunt-Fontanne Theater anunciava “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Mas a brincadeira para por aí, já que não há sequer uma única barra Wonka do lado de dentro do teatro.

À medida que a adaptação musical de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” inicia sua temporada na Broadway, o doce que é foco do best-seller infantil atemporal escrito por Roald Dahl desapareceu das prateleiras, em meio a uma série de erros de marketing, mudanças de estratégia e indiferença corporativa.

“Pela primeira vez em décadas”, afirmou Luke Kelly, neto de Dahl e diretor de seu legado literário, “não existem mais doces Wonka”.

Os gobstoppers e swudges imaginados por Dahl sumiram, assim como as barras de chocolate ao leite recheadas com pedaços de biscoito integral que foram produzidas por um tempo sob a marca Wonka. O teatro estava cheio de doces à venda – Dylan Lauren (filha de Ralph) da Dylan’s Candy Bar, é a curadora das opções de doces – mas nenhum leva o nome Wonka, porque os doces Wonka não existem mais nos Estados Unidos e na Inglaterra.

“Isso é uma tragédia”, afirmou Jason Liebig, que coleciona objetos relacionados a doces e se considera um historiador do setor. “Eu quero doces com a marca Willy Wonka – essa é uma fonte de material muito divertida para mim, e certamente está assentada em nossa cultura popular. Quantas marcas de doce têm a oportunidade de contar com um universo tão rico?”

A barra Wonka nasceu na imaginação de Dahl, inspirado por uma passagem em sua infância, quando estudava em um internato britânico e foi convidado a testar os chocolates Cadbury. Suas fantasias sobre fábricas de chocolate o levaram mais tarde a escrever o livro, que conta a história de um doceiro engenhoso e excêntrico chamado Willy Wonka, cujos doces eram adorados por um menino criativo e pobre chamado Charlie Bucket.

O livro, publicado nos EUA em 1964, foi adaptado para o cinema em 1971 estrelando Gene Wilder, e foi então que a barra imaginária de Wonka se tornou realidade. O filme foi financiado pela Quaker Oats, que investiu US$3 milhões no projeto, convencida pelo produtor empreendedor, David L. Wolper, que sugeriu que a empresa utilizasse o filme para promover a linha de doces que estava em fase de planejamento.

A iniciativa não foi especialmente bem sucedida. A recepção inicial do filme foi fria e a Quaker Oats não conseguiu desenvolver uma boa barra de chocolates. Quando as primeiras Wonka Bars circularam pelo país, muitas delas ficaram moles, porque seu ponto de derretimento era muito baixo.

“O doce foi um fracasso, mas o filme acabou dando certo”, afirmou Mark Wolper, filho de David Wolper e presidente da Wolper Organization, que continua a produzir shows e filmes.

A marca Wonka ia sendo passada de empresa a empresa durante a onda de fusões e aquisições corporativas fim do século XX e assim surgiram a verdadeira Wonka Bar, os Oompas de manteiga de amendoim, os Everlasting Gobstoppers e outros doces. Em 1993, o conglomerado suíço Nestlé adquiriu a marca Wonka de uma doceria britânica, a Rowntree Mackintosh Confectionery, e durante algum tempo alimentou a marca Wonka, que acabou incluindo doces como SweeTarts, Nerds e Laffy Taffy, assim como os Wonka Exceptionals. Mas toda a linha foi encerrada desde então.

A Nestlé espera “reconcentrar a magia do Wonka em futuras ofertas de produtos ao redor do planeta”, de acordo com Roz O’Hearn, porta-voz da empresa. “Estamos considerando uma série de opções, mas por enquanto nossos planos de inovação ainda são confidenciais, então não posso compartilhar mais informações.”

Porém, para complicar as coisas para a marca Wonka, a Nestlé está sob pressão para se reestruturar. Em junho, a empresa anunciou que tentaria vender o setor norte-americano de doces, em reação à queda no consumo desses produtos nos EUA. Alguns dias depois, um gestor de fundos hedge ativista revelou ter uma grande participação nas ações da empresa, e exigiu que ela se mexesse um pouco.

O desaparecimento da Wonka Bar é uma frustração para os produtores do musical, que ficou em cartaz por quase quatro anos em Londres. Na Broadway, onde entrou em cartaz em abril deste ano, a casa sempre está cheia apesar das críticas negativas.

Cientes de que os espectadores ficariam curiosos com o sabor dos produtos Wonka, os produtores conseguiram vender barras de chocolate Wonka em stands quando o show entrou em cartaz em Londres, em 2013, já que a Nestlé havia voltado a produzi-las em uma fábrica europeia. Porém, não há muita procura por esses doces fora do teatro.

“A coisa não deu certo”, afirmou Kevin McCormick, vice-presidente executivo da Warner Bros. Pictures e um dos produtores do musical na Broadway. “Havia sabores adultos como crème brûlée, que são ótimos, mas não tem nada a ver com Wonka – pelo menos não do jeito que as pessoas se lembram dele.”

A Nestlé interrompeu a produção logo em seguida. “Eles não queriam vender doces. Queriam vender água e comida pra bebê”, afirmou McCormick. Quando o musical vendeu todo o estoque, o produto acabou.

“Durante a última apresentação em Londres, eu via as crianças indo até os vendedores de sorvete e pedindo barras Wonka. Percebi que não poderíamos deixar que isso voltasse a acontecer”, recordou McCormick.

Quando a nova versão do musical chegou à Broadway (música de abertura: “The Candy Man”), não havia produtos Wonka por perto. Como alternativa, a divulgação do evento enviou para os jornalistas barras de chocolate Hershey camufladas de barras Wonka – recobertas com papel alumínio dourado e uma embalagem roxa.

Lauren, que sempre foi fã de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” e criou alguns doces para comemorar o centenário do nascimento de Dahl, foi contratada pelo teatro para capturar o espírito – ainda que não a matéria – da fábrica Wonka.

Tushar Adya, COO da Dylan’s afirmou que “na época em que a Wonka Bar era feita pela Nestlé, esse era um dos doces mais vendidos em nossas lojas”. Mesmo hoje em dia, contou Adya, os clientes continuam a pedir Wonka Bars nas lojas da Dylan’s em todo o país.

Por isso, dentro da Lunt-Fontanne na Rua West 46th, uma loja pop-up da Dylan’s dominava o lobby. Há muitas referências a Willy – as barras de chocolate da Dylan’s tem embalagens douradas; é possível comprar os tickets dourados para levar de lembrança, e as sacolas da loja são roxas (a mesma cor do sobretudo de Wonka) com um enorme W dourado.

Os fãs de doces ainda esperam pela volta da marca. “O sabor era diferente e delicioso e a embalagem chamava atenção”, afirmou Elly Marie, estudante em Adelaide, Austrália, que fala sobre suas paixões em um fórum para fãs de doces na internet. “Eu sinto muita falta.”

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