A poucos metros de distância, duas escolas de realidades opostas criaram um modelo de integração raro no Brasil (Arquivo Pessoal)
Content Writer
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 12h00.
Última atualização em 27 de novembro de 2025 às 12h03.
Em Interlagos, na zona sul de São Paulo, um muro divide dois modelos de escola que raramente se cruzam: de um lado, está o Colégio Humboldt, instituição centenária, considerada de elite e ligada ao sistema educacional alemão; do outro, a Escola Estadual José Geraldo de Lima, que um dia chegou a ser evitada pelas famílias, mas hoje tem fila de espera que ocupam a calçada por dias.
Durante anos, viveram de costas uma para a outra, cercadas por receios mútuos e por uma rotina urbana em que cada comunidade permanecia no seu espaço. Aos poucos, esse desenho se desfez.
Docentes e alunos começaram a circular entre os prédios e criaram um projeto de integração que ainda é raro no país. A parceria combina ensino de alemão para os alunos da escola pública, atividades culturais e esportivas, convivência e acesso a oportunidades profissionais que antes não atravessavam o portão.
O ponto de partida veio de gestos simples. Professores do Humboldt passaram a oferecer aulas voluntárias de alemão para alunos do José Geraldo de Lima. Os alunos da escola pública chegam ao colégio vizinho depois do almoço, são liberados na catraca e caminham até as salas onde têm uma hora e meia de aula por semana.
O curso se tornou tão disputado que os estudantes da escola pública passam por uma espécie de processo seletivo para preencher entre 15 e 20 vagas.
O ensino de idioma abre caminho para algo maior: o acesso ao curso técnico pós-ensino médio do Humboldt, que combina formação acadêmica ao estágio em uma empresa – mas exige domínio do alemão. A possibilidade atrai jovens da escola pública, que antes sequer imaginavam circular por esse ambiente.
Em Interlagos, o Colégio Humboldt e a Escola Estadual José Geraldo de Lima derrubaram barreiras históricas para compartilhar aulas, projetos e oportunidades (Arquivo Pessoal)
A convivência também se espalhou por outros espaços. Os alunos do José Geraldo participam dos jogos esportivos do colégio alemão e integram uma rotina de eventos que se tornou familiar. Professores das duas instituições cruzam demandas e grupos de alunos propõem projetos em conjunto. A formatura do ensino médio da escola pública, por exemplo, será realizada no teatro semiprofissional do Humboldt, o mesmo usado nas cerimônias internas.
“A gente evita qualquer forma de segregação. As portas sempre estiveram abertas para que eles vivessem a escola, não para esconder”, diz Erik Hörner, diretor pedagógico e administrativo do Colégio Humboldt.
O impacto aparece nos fatos. Hörner explica que os alunos da escola pública estudam alemão, ocupam salas e equipamentos do colégio vizinho, participam de campeonatos esportivos e ganham acesso a cursos profissionalizantes que antes pareciam inalcançáveis. Alguns chegam ao nível necessário para ingressar no técnico e se tornam aprendizes em empresas. Outros seguem para universidades públicas, impulsionados pela confiança construída no processo.
Do outro lado do muro, os estudantes do Humboldt convivem com realidades que raramente entram em seus trajetos diários. O grêmio estudantil do José Geraldo, mais atuante e presente nas discussões da escola, serve como contraste e inspiração para os jovens da instituição privada.
É nessas interações esportivas, culturais ou acadêmicas que o cotidiano ganha nuances que não existiriam sem essa circulação. Hörner defende que essas passagens mostram que a desigualdade brasileira continua evidente, mas também que há brechas onde dois mundos conseguem operar em um terreno comum, criando vínculos que não dependem de discursos, e sim de rotinas.
Os estudantes da escola pública chegam ao colégio vizinho para ter aulas de alemão, participar de atividades esportivas, frequentar eventos e acessar cursos profissionalizantes (Arquivo Pessoal)
O plano é ampliar. O Humboldt pretende criar mais grupos de estudo de alemão para atender a demanda crescente dos estudantes do José Geraldo. O governo alemão, segundo Hörner, incentiva esse movimento e vê a integração como parte da missão das escolas internacionais.
A ideia é tornar mais constantes as ações conjuntas, especialmente as que envolvem o grêmio estudantil e atividades culturais.
Hörner prefere não fazer promessas grandiosas, mas estabelecer um compromisso contínuo. A expectativa é manter o ritmo, ampliar o que funciona e abrir espaço para novas ideias propostas pelos próprios jovens.
O muro continua ali, mas as passagens entre ele se tornaram frequentes o bastante para que o futuro dessa integração pareça mais aberto do que nunca.