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O que é que o Mercado Livre tem?

A maior empresa de e-commerce da América Latina continua batendo recordes na bolsa. E investe para competir com qualquer um – e não só no varejo

MARCOS GALPERIN: “Ao longo dos anos, os nomes dos concorrentes foram mudando. O nosso ficou” / Germano Lüders

MARCOS GALPERIN: “Ao longo dos anos, os nomes dos concorrentes foram mudando. O nosso ficou” / Germano Lüders

LA

Lucas Amorim

Publicado em 6 de novembro de 2017 às 13h46.

Última atualização em 6 de novembro de 2017 às 15h47.

Competir no mercado e-commerce parece uma tarefa ingrata. As gigantes do setor, a americana Amazon e a chinesa Alibaba, estão na melhor fase de sua história, e com apetite de conquistar o mundo.

Jeff Bezos, o fundador da Amazon, virou o homem mais rico do mundo na semana passada depois que sua companhia anunciou aumento de 34% nas vendas do terceiro trimestre, para 43,7 bilhões de dólares. As ações da empresa acumulam alta de 50% em 12 meses. Bezos tem fortuna calculada em 94 bilhões de dólares.

A Alibaba não fica para trás. A companhia anunciou aumento de 61% no faturamento do trimestre terminado em setembro, para 8,5 bilhões de dólares. A alta de valor de mercado da empresa chega a 83% em 12 meses. Nesta toada, Jack Ma, o fundador do Alibaba, chegou a ter 39 bilhões de dólares de fortuna.

É tanto crescimento, e tantos bilhões acumulados, que os incautos podem pensar que não sobra muito terreno para os concorrentes. Mas há uma companhia específica, com sede na Argentina e cujo principal mercado é o Brasil, que dá reiteradas mostras de que será no mínimo um competidor feroz: o Mercado Livre.

Fundado há 18 anos na Argentina, o Mercado Livre nasceu inspirado no americano eBay, especializado em intermediar a venda de produtos de pequenos comerciantes a consumidores. Abriu o capital em 2007 na bolsa americana Nasdaq — apenas nos últimos 12 meses, suas ações valorizaram 70%, chegando a 12 bilhões de dólares de valor de mercado.

Apenas na sexta-feira, a alta foi de 15%, em consequência de resultados trimestrais acima do previsto. As vendas totais no site da companhia chegaram a 3 bilhões de dólares no trimestre, uma alta de 50,7% em relação ao mesmo período de 2016. O faturamento chegou a 370 milhões de dólares no trimestre, alta de 60% em relação ao ano passado. No Brasil, as vendas cresceram 60% no trimestre.

Na análise de números específicos o bom momento do Mercado Livre fica ainda mais evidente. É o que Pedro Arnt, diretor financeiro da companhia, afirmou na divulgação de resultados, na sexta-feira: “o Mercado Livre está posicionado mais claramente do que nunca como uma das peças centrais da revolução digital do varejo e na competição de fintechs na América Latina”.

A empresa vem investindo em sua plataforma de pagamentos, a Pago, que já concentra oito a cada dez pagamentos feitos em seu site. Outra aposta é a plataforma de crédito, voltada para os vendedores do site, e que, segundo a companhia, tem no Brasil e na Argentina dois de seus mercados mais promissores.

Logística, logística e logística 

A logística é a maior aposta. Segundo declarou em agosto a EXAME o presidente mundial da empresa, o argentino Marcos Galperin, o plano é fazer um investimento recorde no país ainda neste ano, de 1 bilhão de reais, o que inclui a inauguração do primeiro centro de distribuição da empresa aqui, com 17.000 metros quadrados e capacidade para chegar a 50.000 metros.

O objetivo é agilizar a entrega dos maiores vendedores. A companhia teve 8 milhões de vendedores em 2016, metade deles no Brasil. Cerca de 400.000 são pessoas que montaram um pequeno negócio e vivem apenas de vender produtos no site. Os maiores entre eles são aqueles que farão uso do centro de distribuição.

É uma estratégia similar à adotada pela varejista Magazine Luiza, que anunciou semana passada que está reformando suas 800 lojas para que usem 30% da área como depósito para entrega imediata de produtos de alto giro – além disso, a empresa pretende usar seus 10 centros de distribuição para estocar também produtos de terceiros. Investir mais em logística própria é uma estratégia que ajuda também na inevitável competição com a Amazon, que há um mês começou a vender eletrônicos no Brasil, mas depende totalmente de logística terceirizada.

No total, o volume de produtos enviado diretamente pela companhia na América Latina cresceu 80% em um ano, impulsionado justamente pelo frete grátis no Brasil e pelo sistema de assinatura da companhia, o Mercado Puntos. É também uma estratégia parecida ao Prime, da Amazon, ou ao recém-lançado serviço de assinatura da B2W no Brasil, também batizado de Prime. No México, onde o sistema de entregas está mais desenvolvido, 75% dos produtos já são entregues diretamente pelo Mercado Livre. Na Colômbia e no Chile o percentual chega a 50%.

No Brasil, desde maio o Mercado Livre oferece frete grátis para compras acima dos 120 reais (no México o frete grátis era oferecido desde o ano passado). É uma opção de perder margem (ou até dinheiro) para ganhar terreno. Enquanto o comércio eletrônico deve crescer 12% ao ano no Brasil, o Mercado Livre avança 60%. “Quem vive em Manaus e quer comprar um celular, por exemplo, chegou a pagar 150 reais pelo envio no passado. Nós perdíamos vendas por causa disso. Agora, o frete gratuito é uma alternativa”, disse Galperin. Um dos números destacados pela companhia é o aumento no número de compradores (40% no trimestre), e também de vendedores (33%). É uma capilaridade que, segundo analistas, é uma das fortalezas da companhia na concorrência com novos e antigos competidores.

A estratégia, junto com perdas cambiais na Venezuela, levaram a uma queda no lucro da companhia recentemente. O lucro operacional caiu pela metade em relação ao terceiro trimestre de 2016, para 27 milhões de dólares. Mas Galperin afirmou a EXAME que é parte do plano de se manter na dianteira não importa quem sejam os competidores – e nem o mercado. Além de investir cada vez mais em logística e em pagamentos, o Mercado Livre investe para ser relevante também em novos mercado, como o de imóveis.

“Podemos ter um, cinco ou 100 concorrentes — Amazon, Alibaba, Ebay, PayPal, B2W, Netshoes — que a nossa estratégia permanece a mesma e continuamos crescendo”, disse Galperin em agosto. “Ao longo dos anos, os nomes dos concorrentes foram mudando. O nosso ficou”.

O risco de tanta agressividade é mais do que conhecido para quem acompanha o mercado online: investir para crescer graças a benefícios como frete grátis é perigoso. Muitos nunca encontraram o caminho de volta. O Mercado Livre, como mostra o desempenho na bolsa, tem recebido o benefício da dúvida.

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