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O que a expansão da Kroton representa para a educação no país

Parcela dos educadores teme que a presença do grupo leve a uma padronização do ensino. "Eles têm um papel diante do país, não só diante de acionistas.”

Sala de aula da Kroton (Germano Lüders/Exame)

Sala de aula da Kroton (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 28 de abril de 2018 às 07h00.

Última atualização em 28 de abril de 2018 às 07h00.

São Paulo – A semana começou com a notícia de que a Kroton – dona da rede de ensino superior Anhanguera – fechou a compra da Somos – dona de marcas como Ática, Scipione e Anglo. Na proposta, a Kroton oferece 4,5 bilhões de reais por 73% da Somos.

Se aprovado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o negócio consolida a aposta da gigante da educação no segmento do ensino básico, ainda dominado por pequenos grupos empresariais, muitos deles familiares.

A atenção da Kroton para o setor ganhou força depois que o Cade  vetou a compra da Estácio, sua maior concorrente na educação superior. Sem ter para onde crescer neste mercado, a Kroton voltou seus olhos para as escolas.

A proposta de aquisição da Somos foi vista com otimismo no mercado financeiro. Na segunda-feira, as ações da Kroton tiveram alta de quase 6%, enquanto a Somos registrou ganhos de 53%.

Mas, e o setor de educação, o que pensa da transação?

O site EXAME conversou com especialistas para discutir os possíveis efeitos da presença mais agressiva da Kroton na educação de crianças e adolescentes no país.

Vale lembrar que a empresa já atua neste setor – a origem da Kroton está no Colégio Pitágoras, nascido em Belo Horizonte. Há pouco tempo, a Kroton anunciou sua primeira compra no ensino básico: o Centro Educacional Leonardo da Vinci, em Vitória (ES), o qual atua no setor de alta renda.

A aquisição da Somos eleva essa presença na educação básica a outro patamar. Se a aquisição for confirmada, a empresa passa a ter forte presença nos sistemas apostilados, método de ensino que organiza o conteúdo aula a aula.

Com isso, uma parcela dos educadores e estudiosos do assunto teme que esse tipo de sistema ganhe ainda mais espaço nas escolas, gerando uma educação padronizada e pouco crítica. Outro temor é que a busca por maiores lucros se sobreponha à boa formação do aluno.

“[Nas escolas de sistema apostilado] a qualidade é baixa, o professor vira um executor de sequências de aulas didáticas, ele não tem tempo de pensar. E o estudante vira uma commodity”, critica Fernando Cássio, professor e pesquisador em políticas educacionais da Universidade Federal do ABC.

Ainda segundo o professor, a aposta da Kroton no setor pode levar a um crescimento das escolas particulares mais baratas, voltadas à população de baixa renda. “O esforço da Kroton será tentar tirar matrículas do setor público, investindo em propaganda pra disfarçar a mediocridade pedagógica desses sistemas”, afirma.

Foco no aprendizado

Já para Chico Soares, professor aposentado da UFMG e ex-presidente do Inep, a maior presença da Kroton no ensino básico não é necessariamente ruim. “Meu critério é o aprendizado do aluno. Se for verificado que eles estão aprendendo mais, é o que importa”, avalia.

Segundo o professor, a presença de um grande grupo como a Kroton no segmento pode ajudar a levar a tecnologia para a melhoria do ensino, através do acompanhamento de métricas de aprendizado, por exemplo.

Outro ponto é que, como a empresa atua também na formação dos profissionais que trabalharão nas escolas, abre-se a possibilidade de uma relação mais direta entre as necessidades verificadas em sala de aula e a formação do professor, afirma Soares.

“Se essa compra da Somos valoriza o que é bom, pode-se ter um efeito interessante, porque vou ter mais criança aprendendo. Mas, se é só um arranjo financeiro, com padronização e precarização dos professores, aí não interessa. É importante termos a noção de que esse grupo tem um papel diante do país, não só diante de seus acionistas”, resume Soares.

Do ponto de vista do mercado, a aquisição da Somos pela Kroton “é um grande movimento que fará com que os outros grupos acordem”, avalia Francisco Borges, consultor da Fundação FAT em Políticas Públicas voltadas à Educação.

Segundo Borges, os maiores concorrentes da Kroton no setor são a Editora Moderna, de material didático, e os grupos Positivo e Objetivo, de educação. “Mas não vejo, em nenhum desses grupos, força para fazer frente à Kroton”, avalia.

A visão da Kroton

As críticas aos sistemas apostilados são “desinformadas” na visão de Mario Ghio, vice-presdiente de educação básica da Kroton.

“Esses sistemas garantem uma qualidade mínima. Não se espera que o professor seja piloto de apostila, ele precisa trazer sua cor pessoal. Mas vários indicadores mostram que as escolas que usam esses sistemas vão melhor no Enem do que as que não utilizam”, afirma.

O vice-presidente argumenta ainda que a empresa se preocupa, sim, com a qualidade da educação. “Caso contrário, o negócio não é viável. No fim todos querem qualidade”, diz.

Ghio nega que a empresa tenha a intenção de investir em escolas particulares mais baratas, focadas no segmento C e D.

A estratégia, por enquanto, é adquirir unidades “premium”, para replicá-las em outros bairros – Ghio garante que a Kroton não pretende mexer no projeto pedagógico dessas escolas, mas sim abrir novas unidades com aquele mesmo modelo.

Para os estudantes menos abastados, o foco continua sendo os sistemas apostilados.

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