Nova política tarifária dos EUA atinge em cheio exportadores brasileiros e pode gerar perdas bilionárias e redução de postos de trabalho (Javier Ghersi/Getty Images)
Repórter
Publicado em 6 de agosto de 2025 às 15h29.
Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 16h27.
“Com o tarifaço de 50%, simplesmente não temos mais como competir. O preço não fecha”, diz Ricardo Cavalieri, presidente da Master Mares, empresa de distribuição de pescados do Rio de Janeiro.
A frase resume o pensamento de empresários brasileiros diante da nova medida imposta pelos Estados Unidos, que taxa com 50% de imposto centenas de produtos vindos do Brasil, como cosméticos, café, pescados e produtos com base florestal.
No caso da Master Mares, que faturou R$ 60 milhões em 2024, 40% do faturamento vinha justamente da exportação para os EUA.
“Absorvemos os 10% anteriores de maio, mas agora a conta não fecha mais. É inviável continuar exportando para os Estados Unidos”, conta Cavalieri.
A empresa foi fundada pelo avô italiano de Cavalieri, na década de 60, nas feiras livres cariocas. Com o tempo, a empresa cresceu, saiu das feiras e se industrializou, passando a abastecer o mercado norte-americano desde 2019 com peixes como serra, cavala, dourado e badejo.
Agora, com a nova política tarifária em vigor, ele mira novas rotas internacionais para sustentar o negócio e os mais de 140 empregos.
“A exportação para os EUA era nosso motor de crescimento. Agora, precisamos reinventar o negócio. Se não encontrarmos novos mercados, podemos perder até 40% do faturamento”, afirma o empresário que explica que o pescado destinado ao mercado externo exige um tratamento especial desde a origem.
“A exportação dava uma sobrevida aos barcos de pesca. Só em função disso, cerca de 50 barcos estavam trabalhando para a gente, porque o produto internacional exige um tratamento especial. Se a gente parar com a exportação, esses barcos vão parar também.”
Além da nova tarifa americana, o setor de pescados sofre também com o fechamento do mercado na Europa. Uma normativa sanitária da Comunidade Europeia exige adequações das embarcações brasileiras, conta o presidente da Master Mares.
“As embarcações cumpriram as exigências, mas o governo federal não mandou ninguém para certificar e liberar a exportação. Com isso, estamos fechados para a Europa há oito anos."
Com a taxa alta americana e as porta fechadas da Europa, as empresas do setor do pescado ficam sem poder de negociação com grandes países, e a Ásia aproveita a situação.
"Como eles sabem que nós não podemos mandar para a Europa e agora nem mais para os Estados Unidos, eles impõem o preço. Negociar pescado para fora está ficando cada vez mais complicado”, diz Cavalieri.
"O tarifaço foi um tapa na cara do planejamento para 2025. Mais de R$ 30 milhões em projetos foram congelados da noite para o dia”, afirma Victor Moraes, engenheiro civil e CEO da BR Work.
A empresa é especializada em projetos de expansão para multinacionais dos setores de varejo, saúde, energia e logística. Com obras para gigantes como JBS, Seara, Shopee, JDE e EDP, a BR Work se preparava para crescer 30% em 2025. Agora, a meta é apenas repetir o desempenho de 2024, que foi de R$ 50 milhões em faturamento.
“Esses projetos estavam prestes a ser contratados, mas as empresas decidiram postergar as decisões. Elas usam cláusulas de força maior, aguardando uma definição do cenário macroeconômico”, diz Moraes.
Ele destaca que a tarifa vem somar a outros fatores de instabilidade, como os juros altos e a crise no varejo. “A área industrial, que ainda era nosso porto seguro, também desacelerou com a insegurança provocada pelo tarifaço.”
Na visão de Moraes, os EUA devem agora iniciar um jogo de barganha diplomática. “O governo americano vai tentar tirar taxas sobre produtos deles em troca de aliviar a taxação sobre nossos itens.”
Com sede em São Paulo e mais de 200 funcionários, a BR Work segue operando no Brasil, mas teme o redirecionamento de investimentos para fora.
“Se fica mais caro produzir aqui, empresas podem preferir investir nos EUA. E com isso o Brasil perde duplamente: em empregos e em desenvolvimento”, afirma Moraes.
A esperança, segundo o CEO da BR Work, está em uma reação diplomática estratégica. “O governo precisa ter serenidade. Essa crise só beneficia quem já tem capital. Para a base da população, ela representa menos oportunidade e mais dificuldade.”
A produção dos produtos da Aegisderma, empresa de cosméticos criada em Nova Iorque, será encerrada no Brasil. Segundo a fundadora e CEO, Cleo Pillon, não há outra saída.
“Com a alta carga tributária, a complexidade logística e agora a tarifa de 50% dos EUA tornaram insustentável manter a operação. Por isso, optamos por descontinuar a fabricação dos nossos cosméticos no Brasil”, afirma Pillon.
A partir deste mês, a marca já está migrando de país e será produzida inteiramente em território americano.
“Esse novo ciclo representa uma resposta às mudanças econômicas, mas também um passo importante para a expansão internacional da marca.”
A mudança, segundo Pillon, visa manter a competitividade no mercado externo, sem comprometer a proposta de valor da marca, que tem como público-alvo brasileiros nos Estados Unidos.
A empreendedora Celina Bredemann, fundadora da Araras Coffee, também sente a pressão do tarifaço em Nova Iorque, Estados Unidos. Seu negócio, que combina cafeteria com um mini mercado de produtos brasileiros, é um ponto de encontro para a comunidade imigrante. Itens como leite em pó, achocolatado e biscoitos recheiam as prateleiras — e agora correm o risco de ficar mais caros.
“A gente não sabe ainda o impacto exato, mas toda vez que os valores mudam, os clientes somem”, conta. Segundo Bredemann, os consumidores já começaram a perguntar quais produtos terão aumento.
“O receio é que a saudade do Brasil pese no bolso e afaste os nossos clientes,” diz a empresária.
O principal item do negócio, o café vindo de Minas Gerais, está na lista tarifada e compromete o planejamento da empresária brasileira. “A gente já está com medo. O impacto pode ser grande para um negócio como o nosso, que depende da conexão emocional com o Brasil.”
O tarifaço do presidente norte-americano Donald Trump afeta diretamente 35,9% do volume total de mercadorias enviadas ao mercado americano — o que representa cerca de 4% de todas as exportações brasileiras, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Dos cerca de 4 mil produtos que o Brasil exporta para os EUA, aproximadamente 700 ficaram de fora do tarifaço.
O impacto estimado já preocupa. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) aponta que o tarifaço pode reduzir o Produto Interno Bruto brasileiro em R$ 25,8 bilhões no curto prazo, mesmo considerando isenções concedidas. No longo prazo, o prejuízo pode chegar a R$ 110 bilhões. Setores como o florestal, calçadista e o de carne bovina estão entre os mais prejudicados.
Para o advogado tributarista Bruno Medeiros Durão, especialista em finanças e sócio de um grupo empresarial com atuação nacional, o tarifaço exige mais do que uma reação pontual do governo. Segundo ele, a medida imposta pelos EUA demanda uma resposta coordenada entre Estado e setor privado.
“O tarifaço imposto pelos EUA não afeta apenas a arrecadação ou a balança comercial. Ele muda a lógica de competitividade de várias cadeias produtivas. As empresas precisam, desde já, repensar seus fluxos de exportação, rever contratos internacionais e reavaliar margens de lucro. O impacto é direto no caixa e na operação”, afirma Durão.
Além da necessidade de adaptação do setor empresarial, Durão alerta para os riscos institucionais do cenário.
“O Brasil precisa reagir com firmeza, mas também com inteligência. Acionar a OMC é importante, mas insuficiente. O momento exige incentivos fiscais específicos, regimes aduaneiros mais flexíveis e uma política comercial firme com novos parceiros.”