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O pesado “legado” de Dilma

Michele Loureiro A indústria automotiva brasileira é uma espécie de realidade aumentada do governo Dilma. Em poucas indústrias os sonhos foram tão grandiloquentes, e em nenhuma outra a queda foi tão assustadora. Dilma deixou o que se pode chamar de legado para a indústria automotiva: os veículos ganharam eficiência energética e o número de montadoras instaladas […]

LOJA DA JAC MOTORS: uma das muitas montadoras que anunciaram planos ambiciosos que ficaram pelo caminho  / Leandro Fonseca

LOJA DA JAC MOTORS: uma das muitas montadoras que anunciaram planos ambiciosos que ficaram pelo caminho / Leandro Fonseca

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Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2016 às 13h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

Michele Loureiro

A indústria automotiva brasileira é uma espécie de realidade aumentada do governo Dilma. Em poucas indústrias os sonhos foram tão grandiloquentes, e em nenhuma outra a queda foi tão assustadora. Dilma deixou o que se pode chamar de legado para a indústria automotiva: os veículos ganharam eficiência energética e o número de montadoras instaladas no país subiu de 54 para 67 no período. Montadoras desconhecidas por aqui traçaram planos ambiciosos, como as chinesas JAC e Chery, que anunciaram fábricas no Brasil. Segundo dados da Anfavea, associação que representa o setor, de 2012 a 2018 estão previstos investimentos 85 bilhões de reais na indústria automotiva nacional, o que culminará em uma capacidade produtiva 5 milhões de veículos ao ano.

O problema: a produção anual está pouco acima de 2 milhões de reais. A derrocada da economia e a perda do poder de compra fazem que o número de veículos vendidos tenha retrocedido uma década – só em 2016, a queda é de 23,1%. Passados 30 dias do fim do governo, a pergunta se impõe: o que fazer com o “legado”?

De largada, é preciso reconhecer que alguns projetos criados nos últimos anos podem ser importantes na recuperação – facilitando, por exemplo, a exportação de veículos. Até pouco tempo atrás os carros brasileiros eram tão atrasados, e caros, que só podiam ser vendidos… bem, para motoristas brasileiros mesmo.

O principal projeto do governo é o programa Inovar-Auto, de 2012, que mudou as regras de eficiência energética dos motores, consumo de combustível e outros elementos vinculados a diminuição das emissões. Se há cinco anos praticamente nenhum modelo à venda por aqui atingia metas de eficiência estabelecidas, atualmente já temos automóveis movidos a combustão com índices de consumo próximos aos dos híbridos. “Antes do Inovar-Auto a defasagem do Brasil em relação a mercados como Europa e Estados Unidos era muito maior. O gap tecnológico foi reduzido e ganhamos mais credibilidade no mundo”, diz Milad Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato Dynamics.

Expressões como downsizing e motores turbo ganharam força na indústria, que viveu uma transformação da motorização. Antes da posse de Dilma, 47,2% dos veículos comercializados no Brasil tinham motor 1.0. No ano passado esse índice chegou a 33,8%. “Isso tem a ver com o aumento do poder de renda dos consumidores ao longo dos anos e também dos aprimoramentos de engenharia que foram incentivados”, afirma Milad.

O último governo também deu ênfase à segurança – mesmo com um atraso de décadas em relação aos maiores mercados do mundo. Em 2014, a inclusão de freios ABS e Airbag dianteiros passou a ser obrigatória em qualquer veículo comercializado em solo nacional. A exigência dos airbags já estava prevista na redação original do Código Nacional de Trânsito em 1997, porém foi vetada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso sob a justificativa de que poderia criar dificuldades técnicas para os motoristas e a fiscalização.

Entre os outros acertos do governo Dilma também está a redução de tributação para veículos elétricos, o que deve impulsionar esse mercado, que ainda engatinha. A frota total é estimada em 4.700 unidades pela Associação Brasileira do Veículo Elétrico – a grande maioria sob propriedade de empresas. Os acordos bilaterais também avançaram. Ainda que com negociações lentas, o Brasil fechou parcerias importantes com México e Uruguai, sendo este último o primeiro acordo de livre-comércio do setor no país.

O que não deu certo

Ou seja: temos, na teoria, uma indústria mais diversificada, mais moderna, mais competitiva. Mas falta um detalhe nada desprezível: demanda. Como fez em outros setores, o governo interferiu com sua mão pesada num ciclo de oferta e demanda que tende a se ajustar naturalmente. Baixou regras obrigando montadoras a se instalar por aqui, deu incentivos fiscais em excesso para fabricantes, vendeu um sonho dourado para os consumidores. No fim das contas, temos uma capacidade produtiva acima do poder de compra de nossos consumidores.

E, para piorar, com incentivos que têm data para terminar. O Inovar-Auto, por exemplo, só vigora até 2017 e não há sinais claros sobre uma segunda fase do programa. “Precisamos entender até onde vai esse legado. A indústria trabalha com cinco, dez anos de planejamento e no Brasil isso é extremamente difícil”, diz Rubens Baptista Jr., consultor independente do setor automotivo.

Há uma série de problemas pontuais também. Entre eles, a saga dos extintores ABC, que deveriam ser obrigatórios no início de 2015 e acabaram virando item opcional depois de inúmeras idas e vindas. Além disso, após anos de discussão ainda não saiu do papel o Siniav, chip de rastreamento que prometia ser uma espécie de RG dos automóveis.

De acordo com dados da Anfavea, quando Dilma assumiu, em 2011, eram licenciados 3,5 milhões de veículos por ano. O número caiu para 2,6 milhões em 2015 – e deve ser ainda menor em 2016. A produção seguiu o mesmo ritmo e passou de 3,5 milhões para 2,4 milhões. Houve ainda um recuo nas importações, de 660.000 unidades em 2011 para 414.000 em 2015. As exportações caíram de 767.000 em 2001 para 442.000 unidades no ano passado.

Para Antonio Megale, presidente da Anfavea, o desafio do novo governo é justamente falar do longo prazo. “Precisamos saber para onde a nova política industrial vai nos levar. É importante manter os ganhos obtidos com o Inovar-Auto, mas temos de buscar maior competitividade “, diz. “Precisamos decidir se somos uma indústria de 3 milhões de unidades ou se poderemos competir dentro de um cenário de 90 milhões de veículos? É o momento de preparar o futuro””, diz.

É uma questão fundamental para montadoras como a JAC. Dos ambiciosos planos da nova fábrica, só a terraplenagem saiu do papel.

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