A GRANDE MURALHA: produtora adquirida por empresa chinesa produziu filme que tem o astro americano Matt Damon como protagonista / Divulgação
Da Redação
Publicado em 10 de fevereiro de 2017 às 15h37.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.
Ana Maria Bahiana, de Los Angeles
Primeiro tivemos uma breve aula de etiqueta: como e quando falar (e não falar), como se dirigir aos presentes, como entregar e receber cartões. Depois foi a vez do nosso time de advogados: quais os objetivos dos nossos visitantes, o que já havia sido discutido, os pontos em aberto. Finalmente, a pièce de résistance: um longo cortejo de executivos chineses, liderados por um jovem que se apresentou apenas como Mr. Wu e, num inglês impecável, descreveu um futuro glorioso para a aliança que se desenhava. Golden Globes na China! Só com talento chinês, transmissão simultânea em tela grande, em cinemas pelo mundo afora. Total liberdade criativa.
A essa altura o salão do Beverly Hilton já tinha esquecido a maior parte da aula de etiqueta. Mr. Wu e seus colegas representavam uma das maiores empresas da China, o Grupo Dalian Wanda. Fundado em 1988 como uma empresa de hotéis e resorts, o Grupo Dalian Wanda é hoje um gigante com uma renda anual de 258 bilhões de dólares, e interesses que vão além da indústria hoteleira e, cada vez mais, aproxima-se do entretenimento. Seu fundador e presidente, Wang Jianlin, um ex-militar e ex-servidor público que se tornou o homem mais rico da China com um fortuna estimada em 32 bilhões de dólares, tem uma ambição definida: ser a cabeça de uma nova Hollywood — só que na China.
Seu maior rival e seu maior modelo é a Disney – Wang tem verdadeira obsessão com o estúdio, seu modo operacional e a diversificação de seus negócios. Quando, em maio de 2016, Wang inaugurou sua primeira “cidade-temática” nos arredores de Nanchang, seu discurso não deixou dúvidas de suas intenções: “A era do frenesi em torno de Mickey e do Pato Donald terminou. Eles jamais deveriam ter-se aproximado da China.” (A Disney, que tem olhos voltados para a China desde os tempos de Mulan, o longa criado sob medida para o território, abriria o Xangai Disneyland um mês depois, em junho de 2016).
Wang e a Wanda entraram o século 21 estudando e absorvendo em partes o modelo de entretenimento global de Hollywood. Primeiramente, compraram ou adquiriram controle acionário em propriedades esportivas: os direitos asiáticos das próximas Copas do Mundo, uma participação no Real Madrid, a aquisição da empresa Infront Sports and Media, que produz campeonatos mundiais de triatlos, como o Ironman.
E, pouco a pouco, infiltraram-se pelo coração da besta: a aquisição das redes de cinema AMC/ Carmike/Nordic Cinema Group (Canadá e Estados Unidos e Escandinávia), Hoyts, (Australia e Nova Zelândia) e Odeon-UCI (Europa), que juntas representam mais de 10.500 salas ao redor do mundo; aquisição da mega—multi-produtora Legendary, responsável por blockbusters como 300, Interestelar, Se Beber Não Case e a trilogia Batman, de Christopher Nolan; um grupo de empresas de mídia que inclui a revista especializada no mercado de cinema Hollywood Reporter; e planos para investir – segundo o próprio Wang – em todos os seis principais estúdios de Los Angeles, começando, correm os rumores aqui em Los Angeles, pela Paramount, que está numa fase excepcional.
A visita de Mr. Wu e seus colegas faz parte dessa ofensiva. Em outubro de 2016, a Wanda fez uma oferta de 1 bilhão de dólares pela Dick Clark Productions (DCP), uma veterana produtora de eventos que, entre outras coisas, produz a festa de entrega dos Golden Globes (ou Globo de Ouro). Como a Associação a que pertenço – a Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood – detém os direitos dos Golden Globes, que nós escolhemos, Mr. Wu e seus colegas nos fizeram uma visita, solenemente interrompendo uma de nossas reuniões mensais. Os resultados foram dúbios. Ninguém do lado de cá estava interessado em ter Golden Globes na China e, claramente, todos estavam preocupados com a interferência de um dono chinês na produtora da festa.
Uma recepção com Wang em pessoa, dois dias depois, não melhorou muito as coisas. Nossos contratos atuais com a Dick Clark têm mantido nossa independência ao longo de muitos anos apesar das várias mudanças de dono, mas a aquisição pela Wanda é algo muito maior e mais abrangente. É parte de um grande processo de descobertas mútuas: Hollywood descobriu o mercado chinês que, mesmo depois de uma queda em 2016, continua num ritmo que vai inevitavelmente ultrapassar os Estados Unidos como consumidor de cinema. A China, por sua vez, descobriu o know-how de Hollywood em imaginar, criar, financiar e vender produtos audiovisuais de alcance internacional.
“A China nunca soube fazer eventos de entrega de prêmios”, me diz uma fonte chinesa. “É um sonho de muito tempo – ter um prêmio chinês de gabarito internacional. Eles não vão querer interferir em nada – eles querem aprender como se faz.” As negociações entre a Wanda e a DCP continuam, e a compra da produtora por 1 bilhão de dólares ainda não foi finalizada.
Enquanto o negócio não sai, os tentáculos chineses poderão ser vistos a partir do dia 17 aqui nos Estados Unidos (e dia 23 no Brasil), quando estreia o primeiro fruto direto da aquisição da Legendary pela Wanda: o filme A Grande Muralha, a mais cara – 150 milhões de dólares — produção rodada na China, com Zhang Yimou comandando um elenco multinacional encabeçado pelo “astro internacional” (palavras da divulgação) Matt Damon. Será um bom teste para saber quem aprendeu o quê.