Negócios

As empresas e o marketing da crise

As implicações da crise política vão muito além dos limites de Brasília, das conversas na mesa do bar e das manifestações populares. Como era inevitável, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff ganhou espaço nas áreas de marketing de grandes empresas. A dúvida é a mesma de sempre — o que a empresa tem a […]

HABIB’S NO IMPEACHMENT: o real crime do Habib’s foi outro: foi ter apoiado explicitamente o impeachment de Dilma Rousseff na época das marchas contra ela / Rovena Rosa/Agência Brasil

HABIB’S NO IMPEACHMENT: o real crime do Habib’s foi outro: foi ter apoiado explicitamente o impeachment de Dilma Rousseff na época das marchas contra ela / Rovena Rosa/Agência Brasil

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2016 às 12h35.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.

As implicações da crise política vão muito além dos limites de Brasília, das conversas na mesa do bar e das manifestações populares. Como era inevitável, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff ganhou espaço nas áreas de marketing de grandes empresas. A dúvida é a mesma de sempre — o que a empresa tem a ganhar, e o que tem a perder, se manifestando abertamente sobre o tema? Um punhado de companhias achou que era uma oportunidade imperdível. As redes de fast-food como Habib’s e Domino’s Pizza são os exemplos mais contundentes, mas a varejista C&A também usou o tema para criar ação com teor de humor.

Durante a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril, manifestantes a favor e contra o governo que assistiam a sessão em dez pontos do Rio de Janeiro foram surpreendidos com 300 pizzas grátis, um oferecimento da Domino’s Pizza. As embalagens das pizzas vinham com as frases “em defesa do Brasil e da democracia” e “mais justiça e menos corrupção” e externavam o posicionamento do empresário carioca Mario Chady, sócio do Grupo Trigo, que além da Domino’s Pizza é dono das marcas Spoleto e Koni Store. “Queremos contribuir com a mudança do país. Nos posicionamos pró-Brasil e a nossa questão é totalmente apartidária”, diz.

Especialistas em propaganda e marketing tendem a discordar. “Cada vez mais o capitalismo consciente exige que as empresas apoiem causas, mas há alguns terrenos delicados. Estas ações são um risco desnecessário e podem resultar em rejeição”, diz Daniela Khauaja, coordenadora da pós-graduação da ESPM. Para ela, é melhor apostar em causas mais universalmente defendidas, como direitos LGBT. “Não estamos falando em fazer uma ação em cima do 7 a 1 da Alemanha, quando todos tinham o mesmo sentimento de tristeza. Estamos falando de um assunto de extrema polarização”.

A rede de comida árabe Habib’s foi ainda mais enfática. Alberto Saraiva, fundador e presidente da rede famosa por suas esfihas, não esconde seu descontentamento com a atual presidente e é um dos maiores apoiadores de sua saída no meio empresarial. “Os brasileiros estão com fome de mudança. O país está de joelhos. Não há riscos maiores para a marca quando nos colocamos ao lado do povo brasileiro. Os 200 milhões de pessoas que recebemos todos os anos em nossa rede provam isso”, diz.

Nas manifestações de março, o Habib’s decorou suas lojas, distribuiu cartazes verdes e amarelos e chamou consumidores para as ruas. Recentemente, iniciou a campanha intitulada “Caiu”, realizada pela agência Publicis. Segundo a empresa, a campanha em vídeo tem o objetivo de divulgar a redução do valor da esfiha de frango. Mas o filme dá a entender que comemora a queda da presidente Dilma Rousseff e tem no roteiro atores que representam políticos, profissionais da Bolsa de Valores e manifestantes vestidos de verde, amarelo e também vermelho. Segundo Saraiva, na primeira semana da campanha, as vendas da esfiha de frango cresceram 400%. A próxima ação do empresário, que também comanda a rede Ragazzo, é usar a segunda marca para fazer uma campanha que una “mortadelas” e “coxinhas”.

Já a C&A apostou no humor e lançou uma coleção de camisetas que inclui uma estampa com a frase “Impeachment for vegetables, pizza for president”. A varejista explicou que a coleção foi planejada há seis meses e não tem qualquer relação com a interpretação atribuída ao momento político do país. Mesmo alegando isenção e coincidência, choveram comentários nas redes sociais — muitos deles críticos.

Para Walter Susini, presidente da agência McGarryBowen, esse pode ser justamente o objetivo dessas marcas: viralizar. “Ações especulativas não constroem marca. Precisa haver um histórico para fazer sentido e não parecer oportunismo”, diz. Susini era vice-presidente global de estratégias criativas da Unilever até o início do ano e encabeçou projetos como os da marca de produtos de higiene Dove, que defende a beleza real da mulher, e da marca de sorvetes Ben & Jerry’s, a favor dos direitos LGBT. “Acredito que as marcas devem defender causas, mas isso é um processo de construção que leva muitos anos”, diz. Em 2013, a montadora Fiat lançou a campanha ‘Vem pra rua’, em alusão às manifestações populares contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus, e depois não seguiu com a ideia”.

Outro risco evidente em qualquer campanha desse tipo — escolher o lado perdedor. “E se a Dilma não cair?”, diz Susini.

(Michele Loureiro) 

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