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O investimento de uma indústria do interior de SP para disputar espaço com gigantes da beleza

Setor de higiene pessoal e cosméticos cresce acima da média global, mas a pulverização de marcas e o excesso de produtos nos PDVs abrem caminho para apostas mais ousadas

Luciano Biagi, CEO da Sanfarma: “Vimos que o mercado estava parado, sem inovação real. A gente entendeu que podia fazer diferente" (Sanfarma/Divulgação)

Luciano Biagi, CEO da Sanfarma: “Vimos que o mercado estava parado, sem inovação real. A gente entendeu que podia fazer diferente" (Sanfarma/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 20 de agosto de 2025 às 10h18.

Fundada no fim dos anos 1990, a Sanfarma cresceu como fornecedora de compressas, gazes e curativos para grandes redes de farmácias. Agora, começa a reescrever sua história.

A empresa acaba de inaugurar uma nova fábrica e prepara uma expansão agressiva em produtos de higiene e cosméticos, com foco em linhas infantis, femininas e licenciadas.

A movimentação vem num momento de expansão acelerada do setor de higiene pessoal e cosméticos.

Em 2024, o mercado brasileiro movimentou 173,4 bilhões de reais, alta de 10,3% sobre o ano anterior, segundo a Abihpec.

A Sanfarma quer aproveitar esse ciclo para diversificar seu portfólio e ganhar espaço em categorias onde, segundo o CEO Luciano Biagi, “os líderes entregam mais do mesmo”.

“Vimos que o mercado estava parado, sem inovação real. A gente entendeu que podia fazer diferente, como fizemos nos primeiros socorros. Produtos mais simples, mais inteligentes e com mais sentido para o consumidor”, afirma Biagi.

A nova planta, localizada em Americana, no interior de São Paulo, marca o início dessa virada.

Ela será dedicada à produção de toalhas umedecidas para diferentes usos — infantis, demaquilantes, íntimas e antissépticas — e integra um centro de distribuição. Nos próximos anos, a empresa pretende dobrar de tamanho e abrir mercado na América Latina.

A virada de uma empresa que nasceu quase vendendo cachorro-quente

Luciano Biagi começou sua trajetória na indústria farmacêutica nos anos 1990, como propagandista e representante comercial.

A ideia da Sanfarma surgiu durante a faculdade, entre uma entrega e outra, e com uma dúvida simples: usar sua Towner — um pequeno utilitário leve — para vender cachorro-quente ou para montar uma pequena fábrica.

“Toda vez que eu passava na frente do Mackenzie, via um carrinho lotado vendendo hot-dog e pensava: esse cara deve estar ganhando mais que eu”, lembra.

Acabou escolhendo o caminho industrial.

Vendeu a Towner, comprou quatro máquinas básicas e montou a Sanfarma numa casa de 100 metros quadrados em Extrema, em Minas Gerais. O foco inicial era gaze e produtos básicos de primeiros socorros.

“A gente quase quebrou nos primeiros anos. Começamos com quase nada. Mas com resiliência, fomos crescendo, pegando projetos de private label e desenvolvendo nossas marcas”, diz.

Hoje, a empresa opera numa fábrica de quase 10.000 metros quadrados, com previsão de expansão para mais 6.000 metros quadrados até o fim do ano.

O portfólio inclui mais de 80 produtos, com destaque para as marcas Cicatrizan, de curativos e compressas, e Confira, de testes de gravidez.

“A compressa cicatrizan virou referência. Ninguém chama mais de compressa não aderente, chama de cicatrizan mesmo. Isso mostra o quanto conseguimos criar relevância no mercado.”

Mesmo com tíquete médio baixo — cerca de 80 centavos por item — a Sanfarma se posiciona entre as maiores fornecedoras em unidades vendidas no canal farma.

Segundo Biagi, isso só foi possível com foco em produtos essenciais e alto giro. “A gente está em tudo quanto é farmácia, mas não pelo preço. É pela utilidade. O desafio agora é manter esse DNA e entrar num mercado com mais valor agregado.”

Foi essa lógica que levou à decisão de entrar no setor de higiene e cosméticos.

“Estamos no mesmo ponto de venda. E esse ponto de venda está crescendo nessa categoria. O espaço já é nosso, só faltava usar com mais inteligência”, diz Biagi. A mudança começou com produtos licenciados voltados para o público infantil, como curativos da Disney. “A linha infantil puxou a necessidade de ampliar o portfólio. Para continuar ali, precisávamos oferecer mais do que só curativos.”

Segundo o CEO, a entrada em cosméticos não significa abandonar os primeiros socorros. Pelo contrário. A empresa segue desenvolvendo curativos com novas tecnologias, compressas com funções adicionais e ataduras multifuncionais.

“Tem muito produto que está na prateleira há 20 anos sem mudar. Nosso papel é substituir esses itens por soluções melhores, mais práticas, que otimizem o espaço no PDV.”

Menos variedade, mais propósito no ponto de venda

O movimento da Sanfarma não é de volume.

A empresa quer ocupar o espaço do varejo com menos produtos, mas mais eficientes — um contrassenso frente ao que se vê hoje nas farmácias, com gôndolas repletas de variações do mesmo item.

“O espaço físico do varejo é limitado. O lojista quer produto que tenha giro, margem e que atenda de verdade o consumidor. Então a gente está apostando em substituir 15 SKUs por dois ou três que resolvam tudo”, afirma Biagi.

Um exemplo concreto é a nova atadura 2 em 1, que une função de fixação e proteção.

“Hoje o cliente compra esparadrapo e atadura separadamente. A gente vai entregar os dois em um só. Simples.”

Essa lógica se repete no plano de expansão das toalhas umedecidas.

A nova fábrica de Americana, com investimento de 4 milhões de reais, começa com duas máquinas, uma para o público infantil e outra para categorias como demaquilante, antiacne e higiene íntima.

“A previsão é já trazer mais uma máquina ainda este ano, com foco em sachês — removedor de esmalte, limpeza de óculos, produtos que trazem conveniência.”

O mercado infantil, especialmente, é estratégico.

Biagi cita dados de consumo que apontam para o peso de produtos como fraldas e fórmulas infantis nas farmácias. “Mesmo com queda na taxa de natalidade, esse é um público que continua consumindo muito. E percebemos que boa parte desse consumo está migrando do supermercado para o canal farma.”

A entrada nos cosméticos infantis também exige um nível maior de controle técnico. “Produtos como shampoo de bebê têm testes específicos exigidos pela Anvisa. Não é qualquer fórmula. A gente está investindo nisso, com cuidado, para lançar produtos que tenham segurança e que combinem com nosso posicionamento: cuidar bem das pessoas.”

Para se diferenciar nesse novo mercado, a empresa aposta nos licenciamentos. Já tem Disney, e está lançando linha com os personagens do universo Chaves, com o objetivo de ganhar tração também na América Latina. “A marca Chespirito é fortíssima fora do Brasil. Já exportamos para o Paraguai e estamos estruturando a expansão para outros países, sempre com essa lógica de marca e utilidade.”

Inovação orientada pelo consumidor, não pelo concorrente

Biagi não quer fazer “mais do mesmo”.

Sua visão é clara: a inovação deve partir do uso real, e não do que já está nas gôndolas.

“O mercado está cheio de produto genérico, que só ocupa espaço. Nosso foco é entender o que o consumidor final realmente precisa, e traduzir isso em soluções funcionais.”

Para isso, a Sanfarma aposta em pesquisa direta com consumidores e testes no ponto de venda. A meta é eliminar excessos no portfólio, oferecer produtos mais claros e úteis, e gerar mais margem para os varejistas. “Não adianta ter 15 shampoos com nomes diferentes e promessas iguais. O que resolve? O que faz diferença no dia a dia da pessoa?”

O CEO afirma que a empresa está desenvolvendo novas versões de compressas e ataduras com foco em usabilidade e eficiência. “Estamos questionando a lógica do setor. Por que vender 12 tipos diferentes de compressa, se o consumidor só precisa de duas: uma para assepsia e outra para cobertura? O resto é ruído.”

Com esse tipo de produto, a empresa espera atingir entre 120 milhões e 150 milhões de reais em faturamento nos próximos dois anos. “A gente sempre cresceu com base no volume. Agora, queremos crescer também com base em valor. Entrar em categorias que permitam uma margem maior, mas sem perder a essência: produto simples, útil e acessível.”

Para Biagi, o futuro da Sanfarma está em ocupar melhor os espaços já conquistados. “A gente já está no ponto de venda. O consumidor já confia na marca. Agora é fazer esse espaço render mais, com produtos que tenham mais propósito e menos desperdício.”

O segredo, diz ele, é continuar fazendo perguntas. “A gente não olha para o que o concorrente está fazendo. A gente olha para o que o consumidor precisa e ainda não encontra. Foi assim que chegamos até aqui. E é assim que vamos continuar crescendo.”

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