Otavio Boari, Diego Menezes e Marcelo Geromin, da UaiRango: “Passamos até o ano da pandemia. 2024 foi o melhor ano da nossa história” (UaiRango/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 21 de junho de 2025 às 11h26.
No interior de Minas Gerais, mais exatamente em São João del Rei, os aplicativos se multiplicam. Só de mobilidade, são mais de cinco marcas locais — em uma cidade de 90.000 habitantes.
O cenário ajuda a explicar por que nasceu ali, em 2016, um app de delivery chamado UaiRango, nome que não deixa dúvida sobre sua origem.
Enquanto o iFood ainda concentrava forças nas capitais e o WhatsApp mal engatinhava como ferramenta de pedidos, três desenvolvedores da cidade mineira viram uma brecha. Começaram com um site, depois lançaram o app. Hoje, o UaiRango virou o principal aplicativo de delivery em mais de 210 cidades do interior do Brasil, operando em 19 estados e com forte presença em Minas, interior de São Paulo e Bahia.
O crescimento colocou a empresa entre os nomes de destaque do setor. Em 2024, a startup faturou 250 milhões de reais, o melhor resultado da sua história. “Passamos até o ano da pandemia. 2024 foi o melhor ano da nossa história”, afirma o fundador Otávio Boari.
A história do UaiRango ganha relevância agora porque o cenário mudou. O interior, que antes era ignorado pelos grandes players, virou prioridade. O iFood passou a mirar cidades pequenas, apps regionais se consolidaram e o que antes era um oceano aberto virou um campo de batalha lotado. “A gente brigava entre os pequenos”, diz Boari. “Agora passamos a ser disputar com gigantes nacionais e, inclusive, estrangeiras".
Otávio Boari cresceu cercado por tecnologia em uma casa onde a comunicação oral não era o padrão — o pai, surdo, era fascinado por eletrônicos e presenteou o filho com um MSX, um computador rudimentar, ainda sem tela. Ali, aos 13 anos, Otávio aprendeu a programar, enfrentando os desafios de uma máquina que levava horas para processar simples comandos gráficos. "A gente demorava horas e horas pra fazer um triângulo aparecer na tela", diz.
O interesse virou profissão ainda na adolescência. Aos 17, Otávio já desenvolvia sites e sistemas para pousadas da turística Tiradentes, cidade vizinha a São João del Rei. Como freelancer, atendeu agências de publicidade em Minas, Rio e São Paulo — quase sempre sem crédito nos projetos. “Naquela época, as agências preferiam não dizer quem fazia os sistemas. Não me importava, era trabalho atrás de trabalho”, diz.
Ele seguiu carreira acadêmica em paralelo. Formou-se em tecnologia da informação, fez pós, começou um mestrado em engenharia mecânica e deu aula em instituições como o Senac, o IFMG e a Universidade Federal de São João del Rei, onde também trabalhou como desenvolvedor. Foi nesse período que conheceu os futuros sócios, Marcelo Geromin e Diego Menezes, e começou a amadurecer a ideia de criar um aplicativo de delivery voltado para cidades pequenas.
A inspiração veio da televisão: vendo o iFood ganhar espaço nas capitais, eles se perguntaram por que não existia nada parecido para o interior.
“A gente pensava: imagina que bom seria pedir sem precisar ligar. E mais: quem vai olhar pro interior, que não tem escala pras grandes?”, diz. Começaram a desenvolver o sistema em 2015, com foco total na cidade natal. Como os celulares da época ainda tinham pouca memória, lançaram primeiro um site — o app só veio depois, quase um ano depois, em 2016.
O nome, UaiRango, surgiu naturalmente — uma mistura entre o regionalismo mineiro e o propósito do negócio. Mas um detalhe quase impediu a estreia: o domínio uairango.com.br já tinha sido registrado por outra pessoa.
Por coincidência, era um morador de Cambuí, também em Minas. Sem dinheiro para comprar o domínio, Otávio ofereceu uma licença para que ele operasse o serviço na cidade. O plano funcionou. Cambuí virou a primeira cidade fora da sede, e o licenciado, Victor Hugo, acabou entrando para a sociedade. “Foi tudo no improviso. A gente não tirava nenhum real da empresa, morando de aluguel, com filhos. Era o que dava pra fazer”, diz Otávio.
A parceria com Victor Hugo abriu outras portas. Ele apresentou Otávio a um grupo de investidores da região, que já trabalhavam com tecnologia e acabaram entrando no negócio.
Ainda hoje, segundo Boari, são esses os sócios principais da operação, junto a um dos desenvolvedores que cresceu com a equipe. A partir desse ponto, o UaiRango deixou de ser um projeto regional e começou a escalar para outras cidades do interior.
O UaiRango opera hoje com um modelo de licenciamento. Cerca de metade das 210 cidades tem operadores locais, que podem ficar com até 40% do lucro da operação, dependendo do desempenho.
“A gente percebeu que esse contrato baseado em performance cria mais alinhamento. O licenciado tem que performar bem pra ganhar bem”, diz o fundador.
A estratégia fez a empresa crescer rápido. Em 2018, saltou para quase 60 cidades num único ano. Em 2024, já eram mais de 25.000 estabelecimentos cadastrados e 3 milhões de downloads.
O mercado de delivery nas cidades pequenas está longe de ser terra de ninguém.
O UaiRango concorre com outras plataformas como a Aiqfome, que opera em 700 cidades; a Delivery Much, presente em 300; e a QueroDelivery, com foco no Nordeste. Todas usam modelos baseados em franquias ou licenças locais. E há ainda players como pede.ai, Ceofood e Delivery 2U, que seguem a mesma lógica: atendimento regionalizado, taxas menores e proximidade com os comerciantes.
“Hoje em dia quase não existe mais cidade virgem”, diz Boari. “Todo mundo que tentou entrar depois de 2018, não conseguiu. O mercado apertou demais”.
Para se diferenciar, a UaiRango aposta no suporte humanizado, todos os dias, das 9h à meia-noite — inclusive em feriados. “É apertar a mão do empreendedor. Perguntar o que ele precisa, tentar ajudar. A gente usa robô só no início. O resto é atendimento de verdade”, diz Boari.
A entrada do iFood em cidades menores forçou uma mudança de postura. O UaiRango, que antes disputava espaço com outros pequenos, agora precisava defender mercado de um gigante capitalizado.
Há então uma nova estratégia para o futuro. O foco do UaiRango agora é oferecer uma solução completa para os restaurantes parceiros. A empresa estuda criar sua própria fintech, oferecer antecipação de recebíveis e lançar um sistema de ponto de venda integrado com o app.
“O que parece facilitar o crescimento agora são integrações com sistema de PDV, fintech, logística. É tudo isso que estamos buscando”, diz Boari.
Nos últimos meses, o setor voltou a esquentar com a chegada de players internacionais, como a chinesa Dada e a 99Food, do grupo Didi.
Boari vê o movimento com tranquilidade. “Sinceramente, eu vejo com bons olhos. O Brasil precisava de concorrência. Mas no interior, isso não deve chegar. A gente deve acompanhar de longe, a não ser que venha alguma aquisição”, afirma.