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No Vale, a vez das startups espaciais

Letícia Toledo, de Livermore Dante Sblendorio cresceu colhendo uvas na pequena fazenda de sua família sob o sol intenso de Livermore, na Califórnia. Não se pode dizer que foi uma infância exótica em uma região conhecida por suas vinícolas e extensas pastagens. Hoje, aos 26 anos e com um diploma de física, ele ainda vive […]

MADE IN SPACE: startup do Vale do Silício levou impressoras 3D ao espaço com ambição de construir casas em Marte / Divulgação

MADE IN SPACE: startup do Vale do Silício levou impressoras 3D ao espaço com ambição de construir casas em Marte / Divulgação

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Letícia Toledo

Publicado em 4 de novembro de 2016 às 15h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.

Letícia Toledo, de Livermore

Dante Sblendorio cresceu colhendo uvas na pequena fazenda de sua família sob o sol intenso de Livermore, na Califórnia. Não se pode dizer que foi uma infância exótica em uma região conhecida por suas vinícolas e extensas pastagens. Hoje, aos 26 anos e com um diploma de física, ele ainda vive e trabalha em Livermore, mas encontrá-lo sob a luz do sol tornou-se quase impossível. Na maior parte do dia, Sblendorio circula por um emaranhado de fios em um bunker construído durante a guerra fria no subsolo de um prédio no centro da cidade.

“Ficamos aqui para garantir que nossos experimentos não explodam a cidade toda”, brinca Sblendorio. Ele trabalha na Positron Dynamics, uma startup que pretende criar a nave espacial mais rápida do universo (ou pelo menos do planeta Terra), que seria capaz de dar a volta no planeta em três segundos e chegar a Marte em poucas semanas.

Fundada pelo piloto das forças aéreas americanas Ryan Weed e o PhD em física Joshua Machacek, o projeto da Positron é, para assim dizer, um tanto ambicioso. A equipe tenta isolar partículas de pósitrons para criar um propulsor super rápido e alimentar a espaçonave. Por enquanto, tudo se resume a um emaranhado de cabos e estruturas de metal, lousas cheias de cálculos e uma das famosas fotos de Albert Einstein colada em uma das paredes.

“Ainda podemos demorar 20 anos até conseguir utilizar os positrons para alimentar a aeronave”, diz Sblendorio. Isso, claro, se de fato chegarem lá. Mesmo assim, a startup, que foi fundada em 2012, recebeu um total de 1,2 milhão de dólares de investidores do Vale do Silício. Entre eles está Peter Thiel, fundador da empresa de pagamentos Paypall e um dos primeiros investidores da rede social Facebook (e, mais recentemente, o maior defensor de Donald Trump no Vale).

A Positron é apenas uma das muitas startups espaciais que surgiram nos Estados Unidos e, obviamente, se espalharam pela região do Vale do Silício. A consultoria americana Tauri Group calcula que hoje existam pelo menos 150 startups espaciais no país. A cerca de 50 quilômetros da Positron Dynamics, em um prédio na cidade de Mountain View decorado com personagens da série Star Trek, a Made In Space quer utilizar suas impressoras 3D para construir objetos fora do planeta terra.

A premissa é simples. “Por que fabricar as coisas aqui e então levá-las para o espaço quando podemos fabricar tudo diretamente lá?”, pergunta Matt Napoli, diretor de operações da Made In Space. O plano é utilizar as impressoras para fabricar desde pequenos utensílios, como uma simples escova de dentes para astronautas, até imóveis residenciais para uma futura população em Marte.

Hoje, duas impressoras 3D compatíveis com a falta de gravidade do espaço estão em teste fabricando pequenos objetos na Estação Espacial Internacional. As máquinas são controladas pela equipe de 30 funcionários da Made In Space, na Califórnia. “Temos câmeras acopladas às impressoras e com isso conseguimos acompanhar a fabricação dos objetos”, explica Napoli.

Dólares ao espaço

Planos que até pouco tempo só eram vistos em filmes de ficção científica têm encontrado cada vez mais capital nos Estados Unidos. Segundo a consultoria Tauri Group, as startups espaciais receberam 2,7 bilhões de dólares em investimentos em 2015 – o valor é quase o dobro do investido em startups espaciais nos 15 anos anteriores juntos. No total, mais de 50 fundos de investimentos colocaram dinheiro em companhias desse setor em 2015, também recorde dos últimos 15 anos. “Este ano o mercado continua igualmente aquecido, podemos até superar os números de 2015”, diz Kirsten Armstrong, diretora da Tauri Group.

Como não são chegados a rasgar dinheiro, os investidores chegaram a esse mercado atraídos pelo potencial inovador de suas empresas e de seus empreendedores. Antes que cheguemos a Marte, a ideia é ganhar muito dinheiro com projetos inovadores aqui na Terra mesmo. A corrida espacial dos anos 60 e 70, por exemplo, deu origem ao teflon e ao velcro – itens que passaram a fazer parte de nosso dia-a-dia.

Atualmente, os maiores avanços são feitos em satélites – usados, por exemplo, para monitorar cardumes ou transmitir eventos.  “Hoje, eles podem ser desenvolvidos por alguns milhões de dólares e por qualquer companhia – algo que anos atrás só era possível com a NASA ”, afirma Armstrong. Segundo a empresa de pesquisa Space Foundation, nos últimos três anos o número médio de satélites lançados anualmente ao espaço dobrou, chegando a quase 300 novos satélites por ano.

Uma das maiores companhias no setor é a Planet, que já captou 183 milhões de dólares com investidores desde a sua fundação, em 2010. A startup tem dezenas de pequenos satélites espalhados no espaço que tiram fotos de alta resolução da Terra todos os dias. Atende mais de 100 clientes – de gigantes agrícolas como a Bayer a organizações humanitárias – acessando suas imagens e dados através de um software que organiza as fotos tiradas. Suas imagens são capazes de monitorar desde o rendimento de uma plantação até o crescimento dos campos de refugiados sírios.

É de olho neste mercado que o brasileiro Fábio Santos deixou o país para fundar, no Vale do Silício, sua startup que desenvolve pequenos satélites, a Hypercubes. O diferencial de seu satélite, segundo Santos, é que com um pequeno sensor e um processador poderoso, ele consegue mapear e rastrear recursos naturais debaixo da terra. “Com essa tecnologia eu consigo ler nível de fertilidade do solo, detectar espécies invasoras e dizer para o agricultor exatamente o que ele precisa em determinado canto da sua plantação. A gente também consegue fazer prospecção de minérios, mapeando onde há ferro e alumínio, por exemplo”, diz Santos.

Ele e seu sócio, o australiano Brian Lim, estão submetendo seu satélite para testes na Estação Espacial Internacional. Caso consigam, a Hypercubes pode chegar ao espaço já em 2017. Para ganhar escala, os dois estão prospectando novos sócios. No ano passado, a companhia recebeu 100.000 dólares e um escritório após ser aceita no programa de aceleração da Singularity University.

O fator Elon Musk

Entre os variados motivos que empreendedores e investidores citam como os responsáveis pelo surgimento de tantas companhias espaciais, uma unanimidade é a popularidade do empresário Elon Musk, o fundador da montadora Tesla, e a sua companhia de foguetes SpaceX. No início de 2015, a empresa recebeu um investimento de 1 bilhão de dólares do Google e da empresa de investimentos Fidelity, que avaliaram SpaceX em quase 12 bilhões de dólares.

“A SpaceX nos mostrou que é possível uma companhia privada lançar grandes foguetes e fazer disso algo lucrativo”, diz Sblendorio, da Positron Dynamics. “Muitos investidores têm visto essas companhias como possíveis fontes de receita, tal e qual outras startups”, afirma Armstrong, da Tauri Group.

Atualmente, a SpaceX tem contratos de 4,2 bilhões de dólares com a NASA para lançar suprimentos para astronautas na estação espacial. Além disso, em abril deste ano, a SpaceX conseguiu aterrissar seu foguete Falcon 9 em uma plataforma no meio do oceano Atlântico após quatro tentativas. A aterrissagem aproximou Musk de seu grandioso plano de fabricar foguetes reutilizáveis. Segundo ele, com foguetes reutilizáveis, o custo de cada viagem ao espaço será de cerca de 200.000 ou 300.000 dólares com despesas como combustível e oxigênio. Hoje, cada viagem ao espaço com um Falcon 9 custa cerca de 60 milhões de dólares, já que os foguetes não retornam à Terra.

Os planos de Musk para o espaço vão além de foguetes. Em setembro, ele disse que a SpaceX planeja enviar uma cápsula não tripulada a Marte em 2018 com o objetivo de preparar o caminho para uma missão tripulada que partiria da Terra em 2024 e chegaria ao planeta vermelho no ano seguinte.

Enquanto promete colonizar Marte, Musk ainda enfrenta problemas bem terrenos. No início de setembro, seu foguete Falcon 9 explodiu durante o lançamento e destruiu um satélite de comunicações da rede social Facebook que custava 200 milhões de dólares.

Companhias americanas com ambições interplanetárias não são bem uma novidade nos Estados Unidos. A própria SpaceX foi fundada em 2002. Além dela, o dono da gigante do comércio eletrônico Amazon, Jeff Bezos, criou a Blue Origin em 2000 com o plano de construir complexos industriais no espaço para suprir as necessidades da terra. O icônico empresário Richard Branson, trabalha em uma espaçonave para levar turistas à lua desde 2004, com sua companhia Virgin Galactic.

Mas o que tem chamado a atenção de especialistas é mesmo o avanço real que pequenas startups têm conseguido e o interesse de investidores nessas empresas. A Moon Express, por exemplo, obteve, em agosto, permissão do governo dos Estados Unidos para mandar uma aeronave para a lua no próximo ano. Fundada em 2010, a startup já recebeu 33 milhões de dólares de investidores. Se conseguir aterrissar, a startup será a primeira organização não governamental a chegar ao satélite natural. As companhias comerciais anteriores só conseguiram viajar para a órbita do planeta Terra.

O charme do espaço

Projetos e planos à parte, é claro que uma fatia do dinheiro que investidores depositam nessas companhias vem de um irresistível charme de fazer parte de startups que podem levar pessoas a outra planeta. É o tipo de coisa que pega muito bem, por exemplo, num jantar com o cunhado no fim de semana. Porque a verdade é que o retorno financeiro de grande parte dessas companhias ainda é, no mínimo, incerto. “É como qualquer outro segmento de startups no Vale do Silício, em que muitas vão falhar e só algumas sobreviverão”, diz Armstrong.

Para obter sucesso, além de muito dinheiro, especialistas alertam de que o futuro está na parceria dessas startups com o estado. “A tendência é que cada vez mais startups façam parcerias com órgãos como a NASA, nós mesmo só conseguimos enviar nossas impressoras ao espaço em parceria com a agência. O futuro espacial é a cooperação”, diz Matt Napoli, da Made In Space.

O presidente americano Barack Obama parece concordar. Em um texto publicado no site do canal de televisão CNN ele anunciou um plano para enviar seres humanos a Marte em 2030. Obama disse que o plano envolveria “a cooperação contínua entre o governo e a iniciativa privada”, o que significa que a NASA não faria nada sozinha. Segundo ele, o setor aeroespacial privado do país hoje já tem mais de 1.000 empresas. O astrofísico e apresentador Neil deGrasse Tyson já disse que “a exploração espacial é uma força da natureza em si própria, e que nenhuma outra força na sociedade consegue rivalizar”. No Vale do Silício, essa força está mais poderosa do que nunca.

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