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No turismo online, a briga é na Justiça

Booking.com briga com o concorrente Decolar.com contra a prática de preços diferentes para clientes que acessam o site a partir do exterior

RIO DE JANEIRO: destino mais procurado do país durante as Olimpíadas, alguns hotéis da cidade pareciam como indisponíveis quando procurados na Decolar.com





(sem data) (Oscar Cabral/Divulgação)

RIO DE JANEIRO: destino mais procurado do país durante as Olimpíadas, alguns hotéis da cidade pareciam como indisponíveis quando procurados na Decolar.com (sem data) (Oscar Cabral/Divulgação)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 9 de janeiro de 2017 às 12h21.

Última atualização em 13 de abril de 2018 às 23h54.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler esta reportagem antecipadamente, assine EXAME Hoje.

No dia 26 de abril do ano passado, representantes do site de reserva de hotéis Booking.com se dirigiram, ao mesmo tempo, a cartórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Lá, pediram que os tabeliões buscassem no serviço rival, o Decolar.com (chamado Despegar.com na Argentina e em outros países da América Latina), o preço de quartos de hotel em cidades turísticas brasileiras como Rio de Janeiro, Búzios, Porto Alegre e São Paulo. Quando a pesquisa foi feita pelo hotel Sheraton, da Barra da Tijuca, para duas noites entre 28 e 30 de maio, o valor da acomodação que apareceu nas telas em cidades brasileiras mostrava 622 reais e 80 centavos. Na pesquisa realizada em Buenos Aires, o preço, convertido, ficava em 442 reais.

O mesmo fato se repetia para hotéis de outras cidades – a diferença encontrada foi de até 500% -, confirmando as suspeitas da Booking. A empresa tinha informações de que a concorrente realizava a prática, que é ilegal, e buscava provas. A Decolar estava praticando o que é conhecido como geopricing, que consiste em cobrar preços diferentes para clientes de diferentes locais. Além disso, em alguns casos, o mesmo hotel aparecia como indisponível para turistas brasileiros, enquanto tinha quartos vagos para clientes de fora.

A ideia de ir a cartórios aconteceu para que a Justiça não tivesse dúvidas relacionadas a horários de pesquisa e idoneidade dos documentos apresentados, dentre outras coisas que poderiam fundamentar a defesa da rival. Com isso, os advogados da Booking estavam com um prato cheio para apresentar denúncias contra a concorrente a Ministérios Públicos e Procons de diversos estados. Foi o que fizeram.

Em maio, protocolaram os papéis em órgãos do Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. A intenção da Decolar, de acordo com as denúncias, seria atrair mais turistas estrangeiros, que gastam mais do que os brasileiros durante as estadas nos hotéis. No caso da indisponibilidade de quartos, isso acontecia exatamente no período dos Jogos Olímpicos, para impossibilitar que brasileiros reservassem as acomodações. Dificultar ou impossibilitar a reserva de brasileiros fazia sentido comercialmente para os hotéis - e o Decolar oferecia essa possibilidade a seus hotéis parceiros, numa prática considerada ilegal. A prática também ocorreria em países com moeda mais forte do que o Real, como Estados Unidos.

“A representação diz que a Decolar permite que os hotéis façam isso e o próprio hotel decide. Se isso realmente for verdadeiro, e estamos investigando, a empresa pode ser punida com reparação dos danos causados ao consumidor e multa, além de ter que cessar com a prática”, diz o promotor Sidney Rosa, Coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor e do Contribuinte do Rio de Janeiro, um dos estados onde a empresa está sendo investigada. Procuradas, tanto Booking quanto Decolar não quiseram comentar o caso.

A briga do turismo online

A Decolar foi criada na Argentina e a única empresa de tecnologia sul-americana na lista de 184 unicórnios – empresas que valem mais de 1 bilhão de dólares – da consultoria americana CB Insights. Está presente em 24 países e é a maior agência da América Latina em volume de vendas. A Booking é a maior agência de viagens online do mundo. Foi criada na Holanda e comprada pelo Priceline Group, dos Estados Unidos, em 2005, por 135 milhões de dólares. Desde então, o faturamento da empresa saltou de pouco mais de um bilhão para quase 10 bilhões de dólares em 2015, enquanto o lucro foi de 10 milhões de dólares para 2,5 bilhões no mesmo período.

As duas empresas disputam espaço no conturbado mercado de turismo online. Enquanto agências de turismo tradicionais, como a brasileira CVC, focam seus esforços no varejo físico, as chamadas online travel agencies, como a Decolar.com, o grupo Priceline, o Expedia, e mais recentemente até o Airbnb, se digladiam pelos consumidores que fazem suas compras de passagens, hotéis ou reserva de quartos pela internet. Fora eles, ainda há empresas fortes localmente, como o Hotel Urbano, no Brasil. Ou seja: a briga é feia — e para gente grande.

O mercado mundial de turismo online – passagens aéreas, pacotes de viagens e reservas de hotéis - faturou 564 bilhões de dólares em 2016, mas deve chegar a 817 bilhões de dólares em 2020. Como a base é a mesma – os hotéis ficam disponíveis para serem reservados em diversos sites e os consumidores têm livre acesso a eles -, a disputa pelo faturamento depende de outros fatores, como negociação de melhores pacotes e mesmo a efetividade da publicidade. Isso quando a disputa não descamba para a briga.

A Booking é a responsável pela denúncia contra a Decolar por aqui, mas também é investigada por diversas práticas que lesam os consumidores em outros países. Na Europa, por exemplo, a dominância do site na reserva de hotéis é vista como um problema pelos próprios hotéis, que acabam ficando reféns das políticas da empresa. Até ano passado ao Booking proibia as hospedagens de oferecerem um desconto maior para outras agências de viagens, ou mesmo para consumidores, do que o oferecido em seu próprio site. O mesmo acontece com concorrentes também na Europa e em outras partes do mundo.

Em uma manifestação apresentada à Justiça, a Decolar acusa a rival de práticas ilegais, como não estar cadastrada no Ministério do Turismo como uma agência, maquiar a maneira que opera para se esquivar da legislação brasileira e interferir nos preços das acomodações que disponibiliza. Por outro lado, não nega as práticas pelas quais está sendo investigada. Alega que sua operação no Brasil é independente de sua matriz e por isso não haveria problemas em praticar preços diferentes. Também não respondeu sobre a indisponibilidade de vagas.

“Os argumentos da Decolar não fazem muito sentido”, diz o advogado Pedro Quagliato, especialista em direito comercial e do consumidor. “O mais comum é que casos assim terminem em um acordo, em que a empresa se compromete a cessar a prática e pagar uma multa referente ao período em que a utilizou”.

Os processos ainda estão correndo e em diferentes fases no Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, e na Justiça do Rio e de São Paulo. Caso um acordo não aconteça, a empresa pode ser multada em até a 20% do faturamento bruto anual, ou até 60 milhões de reais, quando não for possível calcular o faturamento bruto. Administrativamente, a multa pode ser de até 7,4 milhões de reais. Se persistir com a conduta, em última instância, pode ser até proibida de operar no país.

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