Impulsionar cadeias de valor importantes para as comunidades da Amazônia, como o Açaí, é o objetivo do programa de aceleração promovido pela AMAZ (Paulo Amorim/Getty Images)
Se em 2021 os olhos do mundo se voltaram para a Amazônia por sua importância nas questões climáticas, 2022 será o ano de jogar luz sobre o enorme potencial da preservação da maior floresta tropical do planeta também nos negócios. Algumas startups já enxergaram esse horizonte e estão movimentando a bioeconomia na região, com soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável em cadeias de valor estratégicas para a conservação da Amazônia.
É o caso da BrCarbon, Floresta S/A, Inocas, Mahta, Soul Brasil e Vivalá, que atuam nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima em ramos como créditos de carbono e reflorestamento, produção de óleos, ingredientes amazônicos para alimentação e turismo de base comunitária.
Os seis negócios devem ganhar impulso neste ano: eles acabam de ser selecionados pela aceleradora de impacto AMAZ, entre 156 inscritos, para receber investimentos em 2022. Contarão com mentoria, acompanhamento e investimento inicial de R$ 200 mil, com possibilidade de reinvestimento de outros R$ 400 mil ao final do processo.
Diferentemente dos modelos convencionais, os negócios de impacto são assim chamados porque já nascem com o propósito de gerar um efeito positivo por meio de sua atividade principal, aliando retorno financeiro com propostas inovadoras para grandes desafios sociais ou ambientais.
Segundo a AMAZ, a estimativa de impacto das seis startups, entre cinco e dez anos, abrangem preservação de mais de um milhão de hectares de florestas, mais de 700 mil toneladas anuais de carbono evitadas, 3.700 hectares de florestas recuperadas, centenas de famílias beneficiadas e injeção de aproximadamente R$ 30 milhões em comunidades locais.
“Ficamos muito impressionados com a qualidade dos negócios, a escala de impacto que podemos alcançar e o potencial de construir na prática uma nova economia aliada à conservação florestal na Amazônia.”, diz o CEO da AMAZ, Mariano Cenamo.
A climate tech, que atua no mercado de carbono voluntário, utiliza estratégias e tecnologias de ponta para fomentar projetos de conservação florestal, restauração ecológica e agropecuária sustentável, visando mitigar o aquecimento global.
Uma das frentes de trabalho é a geração de créditos de carbono para produtores rurais por meio da conservação de áreas florestais dentro de suas propriedades. Além do ganho ambiental, o excedente da reserva obrigatória por lei é transformado em resultado financeiro para os proprietários.
Entre as ferramentas de mensuração do estoque de carbono, está por exemplo um drone de última geração com sensor LiDAR (do inglês Light Detection and Ranging), tecnologia capaz de mapear uma floresta em três dimensões.
O dispositivo permite a contagem de árvores, o georreferenciamento, a medição indireta de altura, área e diâmetro de copas, a identificação e quantificação de clareiras, além da mortalidade de árvores. Esses dados são somados às informações coletadas em campo, conferindo maior confiabilidade e qualidade ao inventário florestal em projetos de carbono.
Com um portfólio de culturas agrícolas e madeireiras, a startup que nasceu há menos de um ano implanta sistemas regenerativos de produção agroflorestal em escala na região amazônica. O objetivo é gerar oportunidades rentáveis alternativas ao desmatamento.
Por meio de empresas patrocinadoras interessadas na ampliação de seus índices ESG, o empreendimento oferece aos pequenos produtores locais o acompanhamento técnico e o investimento necessários para uma produção de alimentos em equilíbrio com a floresta.
“Nosso modelo melhora a produção e a economia dos pequenos produtores, organizando os plantios e dando previsibilidade ao mercado, garantindo o fornecimento de matéria-prima de qualidade para a cadeia de bioindústrias e similares sem a necessidade de explorar as florestas nativas”, explica a empresa.
A Floresta S/A ainda traz ao mercado financeiro a chance de investimento direto em agrofloresta, com rentabilidade-alvo de 17% anuais.
A empresa, que tem uma expertise consolidada no Cerrado e na Mata Atlântica em um modelo de aproveitamento de pastagens degradadas, está expandindo sua atuação para o bioma Amazônia.
O foco é alavancar a cadeia produtiva da macaúba, uma palmeira brasileira que pode ser uma fonte alternativa para óleos vegetais, especialmente ao óleo de palma, associado ao desmatamento.
Em parceria com agricultores familiares, a Inocas realiza o plantio da macaúba em sistemas consorciados com pastagens e lavouras. O intuito é diversificar a produção e tornar a propriedade mais lucrativa e produtiva de maneira sustentável.
Nessa parceria agrícola, a Inocas se responsabiliza pela assistência técnica ao produtor e pelos investimentos necessários para o plantio, como equipe, mudas, insumos agrícolas e maquinário. Do outro lado, o agricultor entra com a terra e a mão-de-obra para o replantio e os tratos culturais. Depois, na colheita, cada um fica com uma parte dos frutos.
A foodtech, que atua na área de suplementos alimentares, usa ingredientes originados de comunidades tradicionais da Amazônia e de pequenos agricultores que operam no modelo SAFs (sistemas agroflorestais).
O core business da Mahta é gerar valor e levar inovação para a região da floresta, além de reduzir os impactos ambientais negativos, com cadeias produtivas que envolvam a população local.
Entre as cadeias impulsionadas com o negócio estão, por exemplo, a do cacau, cupuaçu, açaí, cumarú, bacuri e castanha do Pará.
“O aspecto regenerativo da MAHTA é tão importante para nós que nos denominamos a primeira empresa ‘Regen(eration)-Based’ do mundo. Porque não basta mais ser apenas sustentável, precisamos reconstruir/regenerar nosso planeta. E não adianta ser apenas ‘plant-based’ ou vegano se os ingredientes dessa dieta forem produzidos em monoculturas, que são o oposto de uma agricultura regenerativa”, declara a startup.
A empresa elabora produtos, como geleias e molhos, feitos de ingredientes nativos da biodiversidade brasileira, em especial a amazônica, fomentando o desenvolvimento sustentável das comunidades da floresta.
Um exemplo é o Molho de Pimenta Baniwa com Açaí: a pimenta é comprada diretamente do povo Baniwa, uma etnia indígena milenar localizada no alto Rio Negro, extremo noroeste do Amazonas.
“Inclusive, 10% do lucro da comercialização do nosso molho é repassado para os Baniwa, que usam esses recursos para investir em mais ‘casas de pimentas’, onde são processadas essas iguarias”, informa a startup.
O portfólio é ainda todo sustentável, orgânico, vegano e livre de substâncias artificiais, indo de encontro a uma demanda também do mercado internacional. Na ativa há três anos, a Soul Brasil já exporta para os Estados Unidos e a Europa.
Fazer com que o turismo seja um importante fator de desenvolvimento socioambiental é a missão dessa agência de turismo sustentável, que promove expedições de base comunitária em Unidades de Conservação na Amazônia .
Os roteiros oferecem, além da profunda interação com a natureza, uma imersão nas comunidades tradicionais da região por meio de vivências com ou sem voluntariado. Nas expedições com voluntariado, o viajante ajuda a empoderar pequenos negócios familiares locais, após um treinamento online da ação.
“Acompanhamos quase 200 empreendimentos, como pequenas pousadas, restaurantes, canoeiros, artesãos, guias, confeiteiros, dançarinos, entre tantos outros, que buscam solidificar cada vez mais suas iniciativas”, explica a Vivalá.
A agência já soma quase mil viajantes de dez países, mais de 6 mil horas de voluntariado e cerca de R$ 675 mil injetados diretamente nas economias de sete unidades de conservação.
Comandada pelo Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Idesam), a AMAZ é uma aceleradora amazônica com foco no impacto socioambiental de negócios da floresta, 100% dedicada ao empreendedor que atua na região.
Conta com um fundo de financiamento misto, com recursos filantrópicos e privados, de R$ 25 milhões para aceleração de negócios de impacto nos próximos cinco anos, fortalecendo o ambiente empreendedor da cadeia da biodiversidade, importante para a manutenção da floresta.
Entre os seus apoiadores estão o Fundo Vale, o Instituto Clima e Sociedade, o Instituto Humanize, a Good Energies Foundation, e o Fundo JBS pela Amazônia, entidade que busca promover ações de conservação e preservação do bioma amazônico, melhoria da qualidade de vida das comunidades locais e desenvolvimento científico e tecnológico da região. A AMAZ é um dos projetos escolhidos em 2021 pela instituição mantida pela JBS para receber investimento.
“A experiência com a AMAZ mostra que o ecossistema de negócios ligados à conservação da floresta tem um enorme potencial de crescimento na região amazônica”, destaca Andrea Azevedo, diretora de Programas e Projetos do Fundo.
“Os seis selecionados possuem projetos de alta qualidade e diversidade de empreendedores, todos com propósito de gerar impacto ambiental e social de forma concreta. O Fundo JBS pela Amazônia tem participado ativamente desse processo e quer estimular o crescimento de negócios ligados à bioeconomia da floresta”, completa.