VANS: vendas da marca californiana cresceram 24% em 2018 / Pablo Cuadra/Getty Images
Lucas Amorim
Publicado em 2 de outubro de 2019 às 12h44.
Última atualização em 2 de outubro de 2019 às 19h01.
A fabricante e varejista de sapatos Arezzo divulgou nesta quarta-feira um negócio que ao mesmo tempo é mais uma passo num plano estratégico e uma capitulação à realidade. Líder no mercado brasileiro de calçados e bolsas femininas, a Arezzo fechou um contrato de licenciamento e distribuição no Brasil da marca americana de tênis Vans, queridinha dos surfistas e skatistas na Califórnia e da geração Z mundo afora.
A Arezzo investirá 50 milhões de reais na compra de estoque e de quatro outlets da Vans em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. E deve investir na expansão por franquias, e-commerce e outros canais para turbinar o crescimento da marca no Brasil, hoje na casa dos 190 milhões de reais. “Começamos a negociar há três meses e tivemos uma ótima conexão. A Vans viu a Arezzo como uma empresa com capacidade de gerir marcas e canais e também criar e adaptar produtos”, diz Rafael Sachete, diretor financeiro do grupo Arezzo.
A Vans era administrada no Brasil diretamente pelo conglomerado americano de moda VF Corporation, dono também de 27 marcas, como Timberland e The North Face e com faturamento anual de 12 bilhões de dólares. Em janeiro, o conglomerado anunciou que deixaria de operar diretamente no Brasil, se unindo a dezenas de outras marcas de moda que encerraram suas operações no país nos últimos anos. A retirada se deu apesar do sucesso dos tênis da marca no país, parte de um fenômeno global. Até 1990, 90% das vendas da Vans eram feitas na Califórnia. Mas hoje a Vans está em 84 países e vale, sozinha, mais de 3 bilhões de dólares. Para os jovens da geração Z, nascidos entre 95 e 2010, está à frente de Nike a Adidas na preferência. Em 2018, as vendas da marca cresceram 24%, para quase 4 bilhões de dólares.
Alexandre Birman, presidente da Arezzo, afirmou em comunicado que a parceria com a marca americana é “um passo decisivo para aprofundarmos nossa estratégia de transformação da companhia em uma plataforma de gestão de marcas”. Esta é a parte em que a Vans se encaixa num conhecido plano de diversificação da Arezzo para além de sua marca mais emblemática.
Desde que assumiu o controle da companhia fundada por seu pai, Anderson, em 2013, Alexandre intensificou a entrada em novos segmentos para além dos sapatos e bolsas para consumidoras de classe A e B. A Arezzo acelerou sua atuação para cima, com as marcas Schultz e Alexandre Birman, mais caras; para baixo, com a marca de sandálias rasteiras Anacapri, que custam menos de 100 reais; e também para os lados, com Fiever, uma marca mais jovem, e Alme, com sapatos que primam pelo conforto.
Com a diversificação, a marca Arezzo representa hoje 54% do faturamento da companhia no Brasil. É também uma das que menos crescem: avançou 0,5% no último trimestre, ante um crescimento de 40% de Alexandre Birman, Fiever e Alme. Seguir ampliando a oferta é essencial para uma empresa que já tem 400 lojas Arezzo no Brasil — cada vez mais perto do teto de 500 unidades calculado por consultores de varejo. Outro caminho sem volta é a internacionalização, que hoje responde por 10% das receitas. A companhia tem hoje nove lojas nos EUA.
Seguir buscando novos caminhos na moda feminina é inevitável, mas por que não mirar a outra metade dos consumidores? Um dos passos óbvios, segundo um executivo da companhia, era entrar no segmento masculino. Alexandre sempre desconversou sobre esta possibilidade, mas de dois ou três anos para cá começou a vislumbrar um caminho intermediário. Em vez de mergulhar de cabeça na moda masculina, porque não apostar em modelos híbridos, que possam ser usados por homens e mulheres?
É o que a Arezzo tem feito nas últimos coleções, recheando suas vitrines de “sneackers”, os tênis descolados procurados principalmente por mulheres, mas não só. A Fiever também tem uma ampla linha de tênis. O negócio com a Vans é um passo definitivo nesta direção.
Mas é também o reconhecimento de uma mudança no comportamento dos consumidores. É a tendência do Athleisure, em que roupas esportivas foram da academia para as ruas e para os escritórios. E essa é uma capitulação à realidade. A Arezzo é uma companhia reconhecida pela qualidade e elegância de seus sapatos femininos, e seu presidente, Alexandre Birman, é um criador de sapatos de alta classe. Agora, a empresa teve que se render: os consumidores querem tênis.
A demanda por tênis não esportivos cresce quase 20% ao ano no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos e Calçados, seguindo uma tendência global. “Todas nossas marcas têm ao menos ‘pílulas’ de tênis. Não estamos impondo aos consumidores, mas respondendo à demanda do comportamento”, diz Sachete. “É a demanda quem vai ditar a velocidade de nossa resposta”.
Luiz Arruda, diretor da consultoria especializada em tendências WGSN afirma que nem todas as marcas precisam necessariamente correr para a moda do tênis, uma tendência global. Mas para aquelas que têm uma aderência a este mercado, é uma ótima oportunidade. “A cultura dos sneackers está explodindo no mundo todo, especialmente entre a geração Z, mas também nos escritórios. É parte de uma moda mais democrática, com divisões pouco definidas entre os gêneros”, diz.
Graças à democratização dos códigos de vestimenta, a fabricante americana de artigos esportivos Nike atingiu no início da semana o maior valor de mercado de sua história, de 145 bilhões de dólares. A Arezzo, em alta de 3% nesta quarta-feira após o anúncio com a Vans, vale pouco mais de 1 bilhão de dólares. A entrada no mundo dos tênis abre muitas oportunidades para a companhia de Alexandre Birman. Mas também a coloca diante de competidores cada vez maiores.