Negócios

"Não foi só chuva. Foi um dilúvio que muda até a geografia do RS", diz Pedro Bartelle, da Vulcabras

Dos 1.000 funcionários que a empresa tem no Rio Grande do Sul, cerca de 35 famílias foram impactadas

Pedro Bartelle, da Vulcabras: "Acredito na força do nosso povo" (Vulcabras/Divulgação)

Pedro Bartelle, da Vulcabras: "Acredito na força do nosso povo" (Vulcabras/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 21 de maio de 2024 às 09h20.

Última atualização em 21 de maio de 2024 às 10h21.

Tudo sobreNegócios em Luta RS
Saiba mais

negócios em luta

O Rio Grande do Sul enfrenta um de seus momentos mais difíceis de sua história após as recentes enchentes que devastaram a região. Pedro Bartelle, gaúcho de Farroupilha e CEO da Vulcabras, uma das maiores empresas de calçados do Brasil, viu de perto os impactos da tragédia que assola os gaúchos. Na linha de frente, ele mobilizou barcos e motos aquáticas para apoiar a base da Orla do Gasômetro, que socorreu milhares de moradores da região das ilhas da cidade.

"Agora é hora de começar a usar a cabeça e organizar um pouco. É algo nunca visto, nem sabemos direito como lidar com tudo, porque nunca teve tanta chuva, nunca teve uma calamidade tão grande. Mas, por um lado, tem um voluntariado, tem um pessoal fazendo doações e se organizando, tem uma mobilização muito grande.", avalia.

A Vulcabras, com 18.000 funcionários, dos quais 1.000 estão no Rio Grande do Sul, foi afetada, mas conseguiu reagir rapidamente. "Felizmente, nossas indústrias não foram tão afetadas. No entanto, 35 famílias de nossos funcionários foram atingidas, e estamos ajudando elas a se restabelecer, reorganizando suas casas e assistindo para que não falte nada, como se estivesse antes da enchente."

O setor calçadista, essencial para a economia local, também sofreu, mas mostra sinais de recuperação. "São 3.000 indústrias no Rio Grande do Sul, 25% da produção de calçados é feita aqui. Algumas indústrias foram afetadas, outras não. E muitas das que foram afetadas já estão em franca reorganização. Estimamos que em mais 30 dias todas estarão trabalhando a pleno vapor."

A reconstrução do Rio Grande do Sul será um desafio de longo prazo, mas Bartelle acredita na resiliência e força do povo gaúcho. "Eu sou da Serra, de Farroupilha. Os gaúchos são muito tradicionais, conservadores e muito trabalhadores. Acredito na força do nosso povo".

É tudo muito triste, Pedro. Como você está?

Está um caos ainda. Agora é hora de começar a usar a cabeça e organizar um pouco. É algo nunca visto, nem sabemos direito como lidar com tudo, porque nunca teve tanta chuva, nunca teve uma calamidade tão grande. Mas por um lado, tem um voluntariado, tem um pessoal fazendo doações e se organizando, tem uma mobilização muito grande.

Na Vulcabras, houve impactos? E no setor?

São 3.000 indústrias no Rio Grande do Sul, 25% da produção de calçados é feita aqui. Algumas indústrias foram afetadas, outras não. E muitas das que foram afetadas já estão em franca reorganização. Algumas já voltaram a trabalhar. E nós, na Abicalçados, a associação, estimamos que em mais 30 dias todas estarão trabalhando a pleno vapor. Não quer dizer que a indústria calçadista sofreu menos, mas ela consegue se recuperar com mais rapidez. O grande problema vão ser os negócios, os comércios, as vendas dentro do Estado. Na Vulcabras, 5% do faturamento é no Rio Grande do Sul. Mas as indústrias não foram tão afetadas. A Vulcabras em si, felizmente, não foi muito afetada. Temos 18.000 funcionários. No Rio Grande do Sul, são 1.000 funcionários. Temos Centro de Desenvolvimento, Tecnologia, Fábrica de Matrizes, de Ferramentas, essas coisas. E ali, 35 famílias foram atingidas. Estamos ajudando elas a se restabelecer, estamos ajudando a reorganizar suas casas. Nós estamos assistindo elas para que não falte nada, como se elas tivessem antes da enchente.

Como a Vulcabras se mobilizou?

Nós mobilizamos rapidamente as pessoas de Parobé e os nossos setores lá, para assistir as pessoas da empresa e as regiões onde a gente atua: Parobé, Igrejinha e região. Tivemos em contato com a prefeitura e viabilizamos várias compras: colchões, roupa de cama, cobertor, roupas íntimas, mantimentos, água. E também viabilizamos o transporte de muitas carretas para o Rio Grande do Sul. Já são mais de 300 toneladas de água, mais de 100.000 itens entre roupa, vestuário, calçados, insumos, barra de proteína, fraldas. Um pouco é investimento nosso, um pouco mobilizamos parceiros, fornecedores. Até do Paraguai um fornecedor nosso tem mandado cueca, meias e calcinhas.

E você, pessoalmente?

Eu estou trabalhando em quatro frentes. Tem a frente da Vulcabras, depois tem a frente da Abicalçados, que tem um movimento para ajudar a reorganizar o setor. Além disso, estou diretamente trabalhando na Usina do Gasômetro. Eu e mais alguns empresários montamos toda aquela estrutura com barcos, jet ski para salvar as pessoas. E depois agora se tornou um lugar de auxílio às ilhas. Foram mais de 50.000 litros de combustível que nós mesmos levamos para lá e viabilizamos para dar munição aos barcos, abastecer os barcos e os jet skis. E a outra coisa é o meu apoio pessoal ao Instituto Cultural Floresta, que é uma entidade da sociedade civil liderada por empresários, que tem feito um trabalho muito bom. Está dedicado a arrecadar fundos e também montamos um CD no Iguatemi, em Porto Alegre, para receber mantimentos e um fundo que nós estamos angariando recursos para a reconstrução, principalmente de escolas.

Como é o movimento da Abicalçados? 

Está com um plano chamado Próximos Passos, angariando fundos principalmente para 5.000 pessoas da indústria calçadiça, que foram atingidas direto ou indiretamente. Então, esse fundo é primeiro para assistir essas pessoas por meio do Lyons e do Rotary dessas cidades, depois a gente vai fazer vários movimentos por meio da associação, se associando a outras associações para pedir que o governo federal subsidie a reconstrução de comércios dos negócios de uma maneira geral.

Como será a reconstrução do Rio Grande do Sul?

O primeiro passo será apoiar a reconstrução dessas empresas. A Vulcabras já suspendeu qualquer cobrança dos comércios no Rio Grande do Sul. Nós vamos apoiar a reconstrução desses comércios. A gente tem uma equipe de trade marketing que ajuda a montar lojas, então virá para o Rio Grande do Sul, uma força tarefa para ajudar. Vamos ter que financiar, vamos ter que ajudar esses comércios, e o foco vai ser para cá. Porque a dificuldade é enorme. Não foi só uma chuva. Foi um dilúvio que muda até a geografia do Estado. Muitas das áreas atingidas, não foi a primeira vez. Agora foi uma chuva maior, mas não foi a primeira vez. Aí a pergunta é: vão reconstruir a casa dessas pessoas nos mesmos lugares? A questão é incentivar que as pessoas tentem ocupar um lugar mais seguro e a gente sabe que isso não é fácil. Teremos um investimento de muitos anos para prever isso, para se precaver disso. As mudanças climáticas estão aí. Nada nos garante que não vão ter outras chuvas grandes, outras enchentes. Vamos precisar se precaver. Isso vai custar um trabalho e um dinheiro incalculável. E vai precisar de todo apoio possível, inclusive da iniciativa privada. Nesse momento a gente vê uma força-tarefa enorme das pessoas, uma mobilização grande, que precisa ser melhor coordenada, na minha opinião. É muita gente tentando atuar, então daqui para frente vai precisar usar o que as pessoas têm de melhor, que é o cérebro, para organizar esse futuro. Então, tanto iniciativa pública quanto privada precisam ajudar na reconstrução, cada um olhando onde consegue fazer mais diferença.

Na prática, como revive essa vontade de construir as coisas?

Eu sou da Serra, de Faropilha. Os gaúchos são muito tradicionais, até, às vezes, bastante conservadores e muito trabalhadores. Eu acredito na força do nosso povo aqui. Eu já estou vendo exemplos fantásticos na Serra. Tem empresas em que entrou um metro de água dentro das fábricas e elas já estão trabalhando 13 dias depois. Eu acho que vamos conseguir nos reerguer. Não vai ser fácil, o dano é grande. Nem conseguimos ainda medir os danos porque as águas não baixaram o suficiente. Quando a água baixar, o importante será manter a mobilização e, durante algum período, fazer com que o Rio Grande do Sul tenha um pouco de preferência do consumo para fazer a máquina girar e trazer riqueza para o nosso estado.

Negócios em Luta

A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolam o estado desde o fim de abril.

São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.

Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.

Acompanhe tudo sobre:Vulcabras AzaleiaEnchentes no RSNegócios em Luta RS

Mais de Negócios

Você já usou algo desta empresa gaúcha que faz R$ 690 milhões — mas nunca ouviu falar dela

Ela gastou US$ 30 mil para abrir um negócio na sala de casa – agora ele rende US$ 9 milhões por ano

Ele só queria um salário básico para pagar o aluguel e sobreviver – hoje seu negócio vale US$ 2,7 bi

Banco Carrefour comemora 35 anos de inovação financeira no Brasil