Trabalhadores em condições insalubres é uma realidade que persiste no setor em todo o mundo (MPT/Campinas/Divulgação)
André Jankavski
Publicado em 25 de novembro de 2019 às 18h09.
Última atualização em 27 de novembro de 2019 às 19h41.
São Paulo – A indústria da moda propaga que quer ser mais sustentável. Mas, por enquanto, a mudança está apenas no discurso. É o que aponta um estudo realizado pelas consultorias Future Impacts e 4CF e encomendado pelo Instituto C&A, com especialistas da indústria da moda. Para 75% deles, é impossível alcançar um impacto positivo no meio ambiente tendo em vista as atuais estratégias da indústria.
Nem mesmo os mais otimistas esperam mudanças no curto prazo. Os 25% que enxergam avanços de práticas sustentáveis no setor acreditam que o real impacto só será visto em 21,5 anos, em média.
O grande vilão desses números é o conceito de “fast fashion”. Criado pela varejista espanhola Zara e seguido por gigantes do setor, desde a britânica Primark até a brasileira Renner, passando pela holandesa C&A e a sueca H&M, o fast fashion é conhecido pelo rápido (e efêmero) lançamento de coleções, além de preços baixos e roupas de qualidade um tanto quanto duvidosa.
Não à toa, a moda é considerada a segunda indústria que mais polui no mundo, atrás apenas do setor de óleo & gás. Não é de se surpreender. O poliéster, fibra sintética mais usada por todo o setor, por exemplo, demora 200 anos para se decompor na natureza. Para a produção do poliéster, são necessários cerca de 70 milhões de barris de petróleo todos os anos.
“A indústria reconhece que as coisas precisam mudar”, diz o inglês Lee Alexander Risby, diretor global de avaliação de impacto do Instituto C&A. “As marcas e partes interessadas do setor têm um conjunto claro de ações para alcançar um impacto positivo.”
O problema é que a mudança continua sendo lenta. A preocupação com o meio ambiente não é recente, mas a adoção de práticas sustentáveis por empresas começou a ficar maior nos últimos anos – até por pressão da sociedade e dos investidores.
Porém, um problema bem conhecido no setor e que exemplifica a lentidão é a má condição de trabalho, especialmente no início da cadeia de produção. Seja na plantação do algodão ou na confecção das roupas em oficinas de costura, diversas empresas já foram apontadas como exploradoras de trabalho escravo no Brasil e no mundo. E o problema continua.
Não por acaso, 62% dos entrevistados pela pesquisa acreditam que as medidas adotadas pela indústria não são suficientes para acabar com as más condições de trabalho e a pobreza no setor. Mesmo os que enxergam mudanças acreditam que o problema só acabará, em média, nos próximos 12,7 anos.
Mas como mudar esse cenário? Segundo o estudo, só com uma adoção radical de certos conceitos pela indústria e também pelos consumidores. Os mais importantes seriam uma maior conscientização de fato da indústria (além da propaganda, é claro), adoção de tecidos mais amigos da natureza, a produção de relatórios de sustentabilidade cada vez mais detalhados e o respeito pelos direitos humanos dos trabalhadores em toda a cadeia de produção.
A receita não parece das mais complicadas. Mas para que isso aconteça, de acordo com o levantamento, as maiores empresas do setor precisam aumentar a cooperação entre elas.
“A mudança vai exigir um enorme esforço e cooperação das marcas, do governo e dos consumidores”, diz Risby. A questão é saber quando que o discurso realmente sairá do papel e das propagandas para se tornar uma preocupação real de toda a indústria e dos próprios clientes.