A AMAZON NAS NUVENS: legisladores e agências reguladoras estão examinando até onde vai sua influência / Nolan Pelletier/The New York Times
Da Redação
Publicado em 6 de janeiro de 2020 às 15h07.
Última atualização em 6 de janeiro de 2020 às 15h31.
Seattle – A Elastic era uma próspera empresa emergente de software em Amsterdam, já com 100 empregados, até que apareceu a Amazon.
Em outubro de 2015, a divisão de computação em nuvem da Amazon anunciou que estava copiando a ferramenta de software livre da Elastic, que era usada para buscar e analisar dados, e a colocaria no mercado como serviço pago, embora o produto da Elastic, chamado Elasticsearch, já estivesse disponível no site da Amazon.
Um ano depois, tendo facilitado o uso da ferramenta juntamente com suas outras funcionalidades, a Amazon estava ganhando mais dinheiro com a criação da Elastic do que a própria Elastic. Portanto, esta adicionou recursos exclusivos em 2018 e restringiu o acesso de empresas como a Amazon a eles. A Amazon copiou muitos desses recursos e os disponibilizou gratuitamente.
Em setembro, a Elastic revidou. Processou a Amazon em um tribunal federal na Califórnia por violação de marca registrada, porque a Amazon havia chamado seu produto pelo mesmo nome: Elasticsearch. Em sua queixa, a Elastic afirma que a Amazon “ilude os consumidores”. A Amazon nega ter agido impropriamente. O caso está em andamento.
A computação em nuvem da Amazon está hoje incutindo um medo na concorrência comparável àquele que a Microsoft provocava em meados da década de 1990, quando dominava a divisão de microcomputadores com o Windows.
A computação em nuvem pode parecer um conceito obscuro. No entanto, ao oferecer a empresas um maior poder computacional e softwares, ela cresceu e se tornou um dos maiores e mais lucrativos negócios do setor de tecnologia. E a Amazon é o maior fornecedor.
A Amazon vem usando sua divisão de computação em nuvem – chamada de Amazon Web Services, ou AWS – para copiar e integrar programas criados por outras empresas de tecnologia. Com isso, ela deu um impulso a seus outros serviços, tornando-os mais convenientes, e, assim, enterrou ofertas rivais e incluiu descontos que barateiam seus outros produtos. Essas iniciativas atraem os clientes à Amazon, embora as empresas responsáveis pela criação dos programas às vezes não recebam um centavo por eles.
Mesmo assim, as rivais menores explicam que não têm outra escolha exceto trabalhar com a Amazon. Dada a enorme clientela desta, é comum que empresas emergentes concordem com as restrições sobre a promoção de seus próprios produtos e voluntariamente compartilhem com a Amazon informações sobre clientes e produtos. Pelo privilégio de vender por intermédio do AWS, as empresas emergentes pagam à Amazon uma porcentagem de suas vendas.
Algumas dessas empresas deram um nome para isso que a Amazon está fazendo: mineração predatória. Elas argumentam que, ao surrupiar as inovações de outros, ao tentar roubar seus engenheiros e ao lucrar com criações alheias, a Amazon está sufocando o crescimento de potenciais concorrentes e forçando-as a reorientar suas atividades.
O problema todo vem incentivando um escrutínio da Amazon para verificar se ela está abusando de sua dominância no mercado e praticando comportamentos antiéticos. As táticas da empresa já levaram vários rivais a conversar sobre a possibilidade de processar a Amazon. Legisladores e agências reguladoras estão examinando até onde vai sua influência.
O AWS é apenas uma das maneiras como a Amazon se posiciona para dominar grandes parcelas da indústria dos EUA. A empresa causou transformações no varejo, na logística, nas editoras de livros e até em Hollywood.
No entanto, as ações da Amazon por meio do AWS talvez tenham consequências piores. Na mudança paradigmática da computação em nuvem, a Amazon é inquestionavelmente a líder no mercado – três vezes o tamanho de sua concorrente mais próxima, a Microsoft. Milhões de pessoas interagem com o AWS todo dia sem nem saber – por exemplo, quando assistem a filmes da Netflix ou armazenam fotos no iCloud da Apple. Esses são serviços que rodam em máquinas da Amazon.
Jeff Bezos, o executivo-chefe da Amazon, certa vez chamou o AWS de uma ideia “que ninguém pediu”. O serviço data do começo dos anos 2000, quando a empresa lutava para montar sistemas informáticos para iniciar novos projetos e recursos. Após construir uma infraestrutura compartilhada de computadores, a Amazon percebeu que outras empresas precisavam de algo parecido.
Agora, empresas como Airbnb e General Electric essencialmente terceirizam sua computação para a Amazon – um processo conhecido como “nuvem” –, em vez de comprar e rodar seus próprios sistemas. As empresas podem armazenar suas informações nas máquinas da Amazon, de onde podem puxá-las e analisá-las.
Para a Amazon em si, o AWS é hoje crucial. A divisão gerou US$ 25 bilhões em vendas em 2018 e é o negócio mais lucrativo da empresa.
Porém, em entrevistas com mais de 40 funcionários atuais e antigos da Amazon e com seus rivais, muitos informam que a empresa oculta os custos de suas ações com o AWS. Eles ressaltam que é difícil mensurar o volume de negócios que a Amazon lhes tomou, e que a ameaça da Amazon desestimulou investidores potenciais. Muitos falam anonimamente por medo de desagradar à Amazon.
No momento, as agências reguladoras estão conversando com os rivais da Amazon. Numa carta em setembro, a Comissão Judiciária da Câmara dos EUA, que está investigando as grandes empresas de tecnologia, perguntou à Amazon sobre as práticas do AWS. Segundo representantes empresariais, a Comissão Federal de Comércio dos EUA, que também está investigando a Amazon, interrogou a concorrência do AWS.
Quando o AWS começou na década passada, a Amazon lutava para ter lucros mais consistentes.
As startups abraçaram o AWS. Elas economizavam, porque não precisavam comprar equipamento próprio, e gastavam apenas o que usavam. Logo, a Amazon se encheu de clientes que procuravam infraestrutura computacional e, por fim, os programas que rodavam nas máquinas dela.
Em 2009, a Amazon estabeleceu um padrão para acelerar o crescimento do AWS. Nesse ano, ela introduziu um serviço de gestão de base de dados, que é um programa fundamental para que as empresas organizem suas informações.
O serviço de base de dados do AWS foi um sucesso instantâneo junto aos clientes, mas ele não rodava programas criados pela Amazon. Em vez disso, a empresa pegava programas de uma plataforma compartilhada livremente, chamada de “código aberto”.
Inicialmente, os tecnólogos não prestaram muita atenção nas ações da Amazon com o programa de base de dados. Então, em 2015, a Amazon copiou o Elasticsearch e ofereceu um serviço concorrente.
Dessa vez, muitos não gostaram.
“O que aconteceu foi que uma empresa construiu um negócio usando um produto de boa aceitação feito com código aberto. De repente, aparece um concorrente usando a criação dela, e contra ela”, relata Todd Persen, que este ano abriu uma empresa de software sem código aberto para que a Amazon tivesse “chance zero” de afanar suas criações.
A Amazon passou a usar cada vez mais o mundo do software de código aberto. Ao copiar e integrar ao AWS os programas abertos, ela não precisava de permissão nem tinha de pagar às empresas emergentes por seu trabalho.
Isso deixou muitas dessas empresas sem meios de competir, porque não podiam de repente começar a cobrar por software livre. Em vez disso, algumas mudaram as regras de uso de suas criações, restringindo a Amazon e outros que quisessem transformar suas criações em serviços pagos.
A MongoDB criou uma tecnologia muito utilizada para organizar dados em documentos. Em 2018, ela anunciou que, caso seu software fosse utilizado como serviço on-line por uma empresa, esta deveria compartilhar livremente a tecnologia por trás. Essa iniciativa foi considerada por muitos como uma proteção contra o AWS, que não compartilha livremente sua tecnologia para a criação de novos serviços.
Logo em seguida, o AWS introduziu sua própria tecnologia com a aparência e recursos do software da MongoDB. Portanto, ficou isenta das novas exigências.
Quando o AWS realizou sua primeira conferência de desenvolvedores em 2012, a Amazon já não era a única grande fornecedora de computação em nuvem. Microsoft e Google haviam introduzido plataformas rivais. Então a Amazon passou a oferecer mais serviços de software para tornar o AWS indispensável.
Desde então, a Amazon vem adicionando serviços ao AWS em um ritmo frenético. Foi de 30 em 2014 a 175 em dezembro. Também incluiu uma vantagem: simplicidade e conveniência.
Os clientes podem adicionar serviços com um clique e utilizar o próprio AWS para gerenciá-los. O serviço adicionado entra na mesma fatura, ao passo que usar no AWS um serviço de fora da Amazon fica mais complicado.
Saket Saurabh é presidente da empresa emergente Nexla, que fornece um serviço de processamento e monitoramento de dados. Ele relata que começou a trabalhar com a Amazon em setembro. O motivo? As gigantescas equipes de vendas da Amazon lhe dão acesso a um vasto público.
“Que outra escolha temos?”, comenta.
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