Negócios

As matrizes querem (muito) mais

Com a lenta recuperação do mercado na Europa e nos Estados Unidos, empresas globais se voltam para suas operações brasileiras, com investimentos - e metas - recordes

Cordon, da Hanesbrands no Brasil: "Vamos liderar aexpansão da empresa no mundo" (.)

Cordon, da Hanesbrands no Brasil: "Vamos liderar aexpansão da empresa no mundo" (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

O sueco Magnus Anseklev, presidente da Sony Ericsson no Brasil, partiu no final do ano passado para uma maratona de reuniões em Miami, sede da diretoria responsável pela América Latina, e em Londres, matriz da companhia. Como tantos outros líderes de subsidiárias de multinacionais, Anseklev tinha a missão de traçar as metas para o negócio em 2010. Levou um número. E, ao final de um mês de discussões, voltou com outro, bem mais agressivo - crescer 15% no Brasil neste ano. Trata-se da maior meta já estipulada pela Sony Ericsson desde sua entrada no mercado nacional, em 2001. É também superior à própria expectativa de crescimento do mercado de aparelhos celulares no Brasil em 2010, da ordem de 10%. Com boas perspectivas de crescimento da economia e um mercado interno pulsante, o país se transformou numa chance de redenção dos maus resultados globais acumulados pelas grandes multinacionais no ano passado. Em 2009, a Sony Ericsson registrou um prejuízo global de 836 milhões de euros. A queda nas vendas beirou os 41%. (A empresa não divulga os números locais, mas afirma que as vendas da operação brasileira se mantiveram iguais às do ano anterior - o que, diante do resto do mundo, foi encarado como um feito.) "Temos uma meta agressiva, mas é fundamentada em indicadores econômicos otimistas", afirma Anseklev.

A ambição demonstrada pelos executivos da matriz da Sony Ericsson em relação ao Brasil tem se tornado comum entre as multinacionais com operação aqui. Diante da fragilidade e do grau de maturidade de mercados como o americano, o japonês e o europeu, as corporações buscam mercados emergentes que possam ocupar o espaço deixado por eles. Nessa hora, ninguém rivaliza com o Bric, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China, países de enorme população emergente. E, dentro do Bric, não há como negar que o Brasil, com sua democracia e sua demografia, seja o mercado da moda. É natural, portanto, que os acionistas das multinacionais vejam aqui a chance de, pelo menos, manter seus dividendos. E os presidentes mundiais, seus bônus. Em 2009, os executivos brasileiros da Nestlé, maior fabricante mundial de alimentos, estabeleceram a meta de crescer 6% neste ano. O objetivo foi revisado na Suíça, sede da companhia, para um aumento de pelo menos 10% nas vendas de 14 bilhões de reais da subsidiária. A alemã Basf, que fatura 2,4 bilhões de dólares por ano no país, colocou-se a meta de crescer 100% no Brasil na próxima década. Para atingir seu atual tamanho no país, levou 30 anos.


Como diz Anseklev, da Sony Ericsson, esses são números calcados na realidade. Poucos países, hoje, crescem no ritmo do Brasil. É natural, portanto, que se esperem resultados melhores por aqui. Mas é natural, também, que a expectativa das matrizes gere uma sensação adicional de pressão nas operações brasileiras. Como fica claro nesta reportagem, todas as empresas planejam crescer mais - às vezes, bem mais - que o total da economia. Isso significa tirar mercado de concorrentes já estabelecidos, que dificilmente se manterão inertes. Este será, portanto, um ano de concorrência feroz - ou metas não cumpridas. "O sentimento lá fora é semelhante ao de Pero Vaz de Caminha quando enviou à corte portuguesa a carta dizendo que o Brasil é uma terra 'em que se plantando, tudo dá'", diz Rodrigo Dantas e Silva, sócio da consultoria estratégica Roland Berger. "A meta de dois dígitos parece regra para 2010."

Essa é a lógica que rege a estratégia da fabricante americana de roupas Hanesbrands, com atuação em 25 países e que faturou 4 bilhões de dólares em 2009 - queda de 7% em relação ao ano anterior. Os resultados da operação brasileira, com receitas de 80 milhões de dólares no ano passado, deverão ajudar a compensar as perdas globais. O objetivo estabelecido para a subsidiária brasileira em 2010 é crescer 40% - oito vezes mais do que as projeções de expansão do faturamento no mundo, que devem ser de 5%. "O Brasil vai liderar o crescimento da empresa no mundo", diz Osvaldo Cordon, presidente da Hanesbrands no Brasil, dona das marcas Zorba, Kendall, Tensor e Hanes. Para chegar lá, Cordon pretende ampliar a base de distribuição de seus produtos no país. Atualmente, a companhia possui apenas parcerias com grandes redes, como Walmart. Ele planeja agora vender também para varejistas regionais, como a sergipana GBar bosa, quarta maior rede de supermercados do país, e a paraense Yamada. "Nos preparamos no ano passado ao montar escritórios de representação no interior do país", afirma Cordon.


A importância que o Brasil ganhou nos planos globais se refletiu na mudança de status na hierarquia de algumas subsidiárias perante a corporação. Para a operação brasileira da fabricante de pneus japonesa Bridgestone, com vendas em torno de 1 bilhão de dólares no ano passado, essa virada aconteceu há poucas semanas. No início de abril, o escritório em São Paulo se tornou a nova sede da empresa para a América Latina - até então a diretoria para a região ficava em Nashville, no estado americano do Tennessee. Com a mudança, o presidente da Bridgestone Brasil, o mexicano Humberto Gómez, passará a comandar todas as operações latino-americanas. A promoção de Gómez veio acompanhada de uma missão: crescer 20% no mercado brasileiro em 2010. Para isso, ele já tem autorização da matriz para investir 40 milhões de dólares na ampliação da capacidade de produção das duas fábricas brasileiras - a de Santo André, na Grande São Paulo, e a de Camaçari, na Bahia. Com a injeção de recursos, Gómez planeja produzir 30% mais pneus neste ano. "A estabilidade econômica e política e o potencial do Brasil fizeram com que déssemos prioridade à produção aqui", diz. "E essa produção não tem foco em exportação, mas sim no próprio mercado consumidor brasileiro."

A Bridgestone não é a única multinacional a associar metas agressivas com investimentos pesados no Brasil. Neste ano, devem entrar 38 bilhões de dólares no mercado brasileiro em investimento direto estrangeiro, segundo o Banco Central. O valor é superior aos 26 bilhões de dólares acumulados em 2009 - mas ainda inferior ao recorde histórico de 45 bilhões em 2008. Para a americana 3M, que tem a tarefa de aumentar neste ano em 10% seu faturamento, de cerca de 900 milhões de dólares por ano no país, os investimentos no Brasil virão em forma de aquisições. Seus aportes anuais no país giram em torno de 40 milhões de dólares, que podem ser incrementados em até 25% neste ano, conforme surjam oportunidades de compra de concorrentes. Em dezembro, a companhia adquiriu a Incavas, empresa familiar gaúcha que produz acessórios de limpeza, por valor não revelado. "Nos últimos cinco anos, fizemos três aquisições. Queremos fechar mais uma ainda neste ano", afirma o americano Michael Vale, presidente da operação brasileira.


Com o aumento do interesse no mercado interno, o Brasil também se tornou parte da rota de visitas mais frequentes de executivos como Steve Ballmer, presidente mundial da Microsoft. Sua primeira passagem por aqui aconteceu em 2001, logo após assumir o cargo. Ballmer voltou em outubro de 2008 - e já tem outra visita marcada para os próximos dias. "O Brasil representa um papel muito importante dentro da estratégia mundial da Microsoft. Hoje, o país ocupa a décima posição entre as nossas 55 subsidiárias e possui um enorme potencial de crescimento", afirmou Ballmer em sua vinda mais recente. Em outros casos, a subsidiária ganhou atenção mundial ao se tornar palco de reuniões que normalmente acontecem na matriz. Em março, o americano Bob McDonald, presidente mundial da Procter & Gamble, esteve no Brasil para fazer um pronunciamento sobre os resultados da companhia a seus cerca de 140 000 funcionários no mundo - foi a primeira vez que esse tipo de evento aconteceu fora da matriz, em Cincinnati, nos Estados Unidos. Neste ano, a subsidiária brasileira, com vendas de cerca de 1 bilhão de dólares em 2009, prevê crescer 15% apenas no segmento de beleza, no qual atua com as marcas Pantene e Wella.

Equilibrar expectativas e realidade será um dos trabalhos dos presidentes de subsidiárias brasileiras de múltis neste ano. Um trabalho, talvez, mais difícil do que crescer. Afinal, qual o limite entre metas agressivas e metas inalcançáveis? Difícil dizer. O americano Walmart, maior rede de varejo do mundo, foi uma das primeiras corporações a reforçar seus investimentos no Brasil e a exigir resultados condizentes. Em 2009, um ano de estagnação da economia do país, cresceu 16% em relação ao ano anterior, alcançando mais de 19 bilhões de reais de faturamento. Para a maior parte das companhias, seria um desempenho espetacular. Mas os executivos da subsidiária brasileira do Walmart não receberam seus bônus anuais. O resultado, afinal, ficou abaixo daquele esperado pela matriz, em Bentonville, no Arkansas. Neste ano, a empresa dobrou a aposta no Brasil. Anunciou investimentos de 2,2 bilhões de reais na abertura de mais de 100 lojas. Agora, os milhões de acionistas do Walmart espalhados pelo mundo esperam pelos resultados.

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