Marcos Gouvêa: "O ouro é a frequência, a intensidade, a constância de relacionamento com o consumidor" (Divulgação/Divulgação)
Victor Sena
Publicado em 16 de julho de 2021 às 16h34.
Última atualização em 16 de julho de 2021 às 17h58.
O anúncio da compra do e-commerce de tecnologia KaBum! pelo Magalu por 3,5 bilhões de reais reforçou a ideia de que a empresa busca se consolidar como um ecossistema de negócios que tem todo o tipo de contato com o consumidor. E que há uma disputa por isso.
Para isso, ela tem apostado em aquisições de empresas nos últimos anos que à primeira vista poderiam parecer que não tem nada a ver com seu núcleo central.
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Em 2020, por exemplo, o Magalu comprou as empresas Unilogic Media Group, Canal Geek Internet (Canaltech) e a plataforma Inloco Media, unidade de negócio da Inloco Tecnologia da Informação. Assim, pode absorver o segmento de publicidade online. Os três negócios estão alinhados com a ideia da empresa de fortalecer seu aplicativo para smartphones e gerar conteúdo.
Em entrevista à EXAME, o analista do mercado de varejo e fundador da consultoria Gouvêa Ecosystem, Marcos Gouvêa, afirma que a dinâmica dos ecossistemas não significa falta de foco. Pelo contrário, o contexto digital de grandes varejistas pede que o foco seja aumentar a relevância no dia a dia com o consumidor.
No caso da aquisição da KaBum!, Gouvêa destaca que o Magalu coloca os pés em um segmento onde não tinha presença. Fundado em 1957 e considerado um case de sucesso na última década, o Magalu é uma das empresas valiosas na bolsa de valores.
"A junção de valores tradicionais com o que a tecnologia proporciona em mais conveniência e facilidade à jornada do consumidor acabou fazendo com que a empresa tivesse essa aura. Ela vive este momento de uma empresa visionária, criativa, ambiciosa", explica Gouvêa.
Veja abaixo a entrevista completa.
Como o senhor avalia a aquisição da Kabum! no contexto do Magalu crescer como ecossistema?
A compra da KaBum! mostra que esse é mais um segmento de negócios que eles incorporam e que tem de um lado essa vertente fortemente orientada para a tecnologia de público mais jovem. Agora estão com espectro mais abrangente, que traz um consumidor mais jovem em categoria de produto com a qual eles não tinham uma oferta relevante.
Como a gente pode definir a dinâmica dos ecossistemas?
Um ecossistema se torna mais relevante à medida que ele amplifica as áreas de atuação, as alternativas para estar em contato com o consumidor e amplifica o relacionamento financeiro com ele. Tudo isso se torna um ativo que é usado nas novas negociações digitais. Nós até brincamos que um ecossistema de negócios é assim: quanto maior você é, maior você fica. Você vai crescendo, vai ampliando o número, a qualidade e a intensidade de relacionamentos que você tem com os consumidores. Sai de um núcleo original de relacionamentos e vai ampliando isto para outras categorias, para outros segmentos, para outras alternativas em termos de oferta, serviços, soluções, categorias de produto, canais de vendas e daí para a frente. Você vê que não é só o Magalu. É também B2W, Via, Mercado Livre, Renner, Grupo Soma.
Dá para a gente dizer que os outros movimentos de aquisições no mercado brasileiro são de empresas que estão brigando pelo mesmo consumidor ou pela mesma posição que o Magalu?
Os ecossistemas de negócios no Brasil são um pouco diferentes do que aconteceu nos Estados Unidos, na China e um pouco da Europa. Os ecossistemas do Brasil estão sendo liderados pelo varejo tradicional. Nos Estados Unidos foram as empresas de tecnologia. Na China as empresas também estavam ligadas à tecnologia, mas no Brasil é o varejo tradicional que deu esse salto à frente e começou a puxar esse movimento. Você vê que a aceleração do Mercado Livre vem disso, a da Vivo vendendo até eletrodomésticos vem disso. A da Renner vem a partir. Então, é mais ou menos uma corrida do ouro, naquele sentido figurado que a gente conhece que você tem de ir na frente e fincar a bandeira e aí você garante seu território. O território é o relacionamento virtuoso com o consumidor.
O senhor comentou que o que está em disputa é o relacionamento com as pessoas e que há uma corrida pelo ouro. Esse ouro é o relacionamento, então? Além disso, do que essas empresas estão atrás?
O ouro é a frequência, a intensidade, a constância de relacionamento com o consumidor. E a forma de usar tudo isso para ampliar seu contato junto com ele. Quer dizer que, quanto mais relevante se fica, mais se criam vínculos com o consumidor. A lógica é a mesma que a gente discutia há 20 anos, só que agora ela se torna factível pela tecnologia e pelo digital. O que era discurso no passado agora é prática.
Antes da década de 1990 e da revolução digital existia algum modelo que podemos traçar um paralelo com este dos ecossistemas?
A diferença fundamental é o que a tecnologia e o digital permitem em termos de monitorar e antecipar comportamentos. Com um relacionamento do consumidor em diversos canais, você vai tornar a vida dele mais simples. Às vezes surge a questão do que é permitido pela LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], mas você não necessariamente faz isso em caráter individual. Você faz isso a partir de comportamento de segmentos de consumidores. Você pode "clusterizar" isso e separar as pessoas por perfil. Então, no século 20, parte disso era feita numa escala muito mais limitada. O recurso tecnológico, a inteligência artificial e a integração possível não criam as limitações para que isso fosse feito.
Essa estratégia de ecossistema se opõe ao modelo de ter foco, que costuma ser senso comum, não?
Algumas consultorias como a McKinsey diziam há uns anos que o mundo devia ter foco, foco e foco. Se você pega o modelo Alibaba, a velocidade de expansão do Magalu e a valorização que ele tem em função disso, você percebe que na verdade o foco é fazer crescer sua relevância perante o consumidor.
Quais são os impactos dessas aquisições para o cenário dos negócios na economia?
Fundamentalmente, as aquisições trazem uma eficiência econômica maior. Isso só de pensar em termos macro. O crescimento do modelo de ecossistema traz para a economia e para sociedade uma melhoria de eficiência também, porque faz crescer a oferta de conveniência e integração logística. Há um benefício na expansão do ecossistema de negócios porque ele dá possibilidade de acesso a produtos e categorias ao Brasil inteiro que antes não era possível. Mas leva também a um processo de polarização de mercado, de concentração. Essa concentração, porém, tem características diferentes. Hoje, milhares de lojistas podem estar atuando através de um Mercado livre, do Magalu, vendendo para os consumidores ao levarmos em conta que eles são também marketplace.
Recentemente houve a aquisição do Big pelo Carrefour. Dá para encarar essas marcas, que são principalmente do setor de alimentos, como fortes nomes da jogada?
O Carrefour seguramente é um candidato e se vê como um ecossistema. Mas o que aconteceu é que nesse processo mais recente de aceleração eles precisaram investir no próprio segmento para atender a demanda. Com a pandemia, tiveram de seguir mil protocolos e atender o mercado que cresceu demais. Enquanto outros nomes como Via, Americanas, Magalu e Mercado Livre tinham oportunidade e aceleraram brutalmente. Hoje nós estamos falando com menos ênfase de empresas como Carrefour e Pão de Açúcar porque elas ficaram concentradas em prover abastecimento para as lojas abertas. Imagina o estresse que elas viveram para cuidar do abastecimento num contexto de pandemia.
O Magalu cresceu muito nos últimos anos e é uma das empresas mais valiosas da bolsa de valores, o que garante capital para essa estratégia. Ao que nós podemos creditar isso?
Nada disso é novidade no sentido de que eles fizeram uma jornada de transformação que sempre levou muito em consideração a proximidade com o consumidor, o que de alguma maneira representa a essência do modelo de ecossistema de negócios. Eles criaram a primeira loja autônoma, sem estoque, onde o cliente via o produtos através de vídeo e comprava para receber em casa. Então, eles sempre tiveram um traço de inovação. O que foi mágico foi a combinação de tecnologia a serviço da atividade fim, e não de tecnologia como um fim em si. A junção de valores tradicionais com o que a tecnologia proporciona em mais conveniência e facilidade à jornada do consumidor acabou fazendo com que a empresa tivesse essa aura. Ela vive neste momento de uma empresa visionária, criativa, ambiciosa.