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Líder que demite e ganha bônus não deveria existir, diz guru

Para o indiano Raj Sisodia, se um líder pede seu time para ceder, ele tem que se doar ainda mais

O guru indiano Raj Sisodia, fundador do movimento Capitalismo Consciente (Divulgação/HSM)

O guru indiano Raj Sisodia, fundador do movimento Capitalismo Consciente (Divulgação/HSM)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 6 de junho de 2016 às 16h59.

São Paulo - O sucesso de uma empresa deve ser medido pelo impacto que ela causa na vida das pessoas, e não pelo seu resultado financeiro.

Esse é um dos pilares do movimento Capitalismo Consciente, fundado pelo indiano Raj Sisodia, consultor e professor de negócios da Babson College.

No Brasil, as ideias do guru conquistaram o empresário Abilio Diniz e, mundo afora, são seguidas por companhias como Google e Whole Foods.

No próximo dia 18, Sisodia estará no país para participar do Fórum HSM de Liderança e Alta Performance.

Por telefone, ele conversou com EXAME.com sobre como é possível gerir uma empresa com propósito mesmo em tempos de crise, como os atuais, e disse que os chefes precisam ter um "senso de sacrifício compartilhado".

"Em muitos negócios, os líderes ganham bônus enquanto os funcionários são demitidos. Isso é errado e não deveria acontecer", afirmou.

Abaixo, veja os principais trechos da entrevista:

EXAME.com - É possível liderar com propósito durante crises, como a que o Brasil atravessa agora, quando dinheiro é um problema?

Raj Sisodia - Sim, mas acho que primeiro temos que definir propósito. Toda companhia tem que ter dois tipos de propósito. Um relacionado aos produtos, a fazer diferente para os consumidores, e outro centrado nas pessoas, que tem mais a ver com os funcionários.

Uma companhia nunca deve se esquecer das pessoas. Se você não puder ter os dois tipos de propósito, o centrado nas pessoas deve ser o mais importante. É preciso lembrar que a medida do sucesso é como você impacta a vida delas.

EXAME.com - Como colocar esse propósito voltado às pessoas em prática?

Raj Sisodia - Em tempos de crise, como o que o Brasil atravessa agora com a recessão, a primeira coisa que se deve ter em mente é que é necessário proteger as pessoas tanto quanto for possível. Deve existir um senso de sacrifício compartilhado.

EXAME.com - O que isso significa?

Raj Sisodia - Eu escrevi um livro sobre isso, chamado "Everybody matters" ("Todos são importantes", editado no Brasil pelo Instituto Capitalismo Consciente), no qual falo sobre uma empresa que passou por uma queda de 50% das vendas e viu os novos pedidos desaparecerem completamente.

Nessa companhia, todos os funcionários tiraram um mês de licença não remunerada e, por causa disso, ela conseguiu sobreviver à desaceleração econômica. As pessoas estavam seguras porque sabiam que voltariam para seus empregos.

É preciso acreditar que esse momento de crise não vai durar para sempre e, assim, tomar atitudes que vão possibilitar passar por ele sem esmagar a empresa e sem destruir a vida das pessoas. O líder tem que fazer o que estiver a seu alcance para proteger todos.

Dessa forma, o que acontece quando a economia retoma é o nível de moral e engajamento estar muito, muito mais alto, com uma equipe que acredita que a empresa cuida das pessoas e não só do negócio, que enxerga o funcionário como um ser humano, antes de tudo.

EXAME.com - Mas para convencer os funcionários desse tipo de medida, de que eles podem sair de licença um mês que terão seus empregos mantidos, a empresa precisa construir uma boa relação antes da crise...

Raj Sisodia - Sim, essa cultura, idealmente, já deve estar em prática. Os tempos de dificuldade acabam funcionando como um teste. Porque muitas companhias tratam bem as pessoas quando os tempos são bons, mas quando os tempos duros chegam é que o comprometimento delas é colocado à prova.

Quando você ainda não tem a cultura, a crise é uma ótima ocasião para criar esse senso de sacrifício compartilhado.

EXAME.com - Como criar esse senso?

Raj Sisodia - O líder tem que pensar: como eu conduziria minha família durante esses períodos? E fazer a mesma coisa na empresa. Por exemplo, é muito importante unir as pessoas e pensar: como vamos sair dessa situação juntos?

Porque se o líder não faz isso, as pessoas podem começar a viver em um "mundo cão", em uma atmosfera em que cada um fica temeroso por sua própria sobrevivência, disposto a machucar os outros.

Esse senso de família e de sacrifício compartilhado deve ser acertado no topo da companhia. E eu acredito que isso possa ser feito em tempos de crise.

EXAME.com - Esse pensamento inclui sacrifícios por parte da liderança, certo?

Raj Sisodia - Sim. Os chefes também precisam ter senso de sacrifício próprio. Eles têm que estar dispostos a ceder, em uma proporção lógica. Se você está pedindo a seu time para ceder, você deveria ceder ainda mais. Você tem que se doar.

Tem um livro de Simon Sinek, chamado "Leaders eat last" ("Líderes se servem por último", publicado no Brasil pela HSM Educação Executiva), lançado em 2014, que defende essa ideia.

A tradição deveria ser como entre os militares. Quando chega a hora da refeição, as pessoas mais juniores comem antes e os líderes e generais ficam por último. É responsabilidade da liderança cuidar das pessoas primeiro. É isso o que se espera de um líder.

EXAME.com - Esse tipo de liderança existe nas empresas?

Raj Sisodia - Infelizmente, muitos líderes não agem assim. Em muitos negócios, os líderes ganham bônus enquanto os funcionários são demitidos. Isso é errado e não deveria acontecer.

É o sacrifício dos líderes que desperta o respeito e o afeto nas pessoas. Quando eles se doam, os funcionários são capazes de fazer coisas incríveis, extraordinárias para protegê-los e, por consequência, para proteger o negócio.

O líder não pode se preocupar só com os números, mas ao mesmo tempo precisa garantir que a empresa vá bem.

EXAME.com - E como encontrar o equilíbrio entre a preocupação com os números e com as pessoas?

Raj Sisodia - O ponto que o líder tem que olhar é: a companhia está apta a sobreviver a essa desaceleração? Se sim, ela ainda pode enfrentar perdas, queda de receita...

Quando existe o senso de sacrifício compartilhado, é possível pedir aos funcionários para se doar, talvez até mesmo envolver os fornecedores, os consumidores, todo mundo...

Se a preocupação com os públicos de relacionamento está na mentalidade de uma companhia, durante tempos difíceis o líder pode pedir a todos para ceder.

Essa é a grande diferença de uma companhia consciente. Todo mundo está disposto a dar, e não somente a receber.

EXAME.com - Acontece que, quando os líderes vão avaliar isso, muitas vezes eles chegam à conclusão de que a companhia não vai sobreviver se não cortar postos de trabalho. Nessas situações, existe uma solução?

Raj Sisodia - A sobrevivência importa. Se a companhia absolutamente não consegue sobreviver com o número de pessoas que ela já tem, então é preciso acessar o último recurso. Quando não há mais opções, é necessário um corte de funcionários.

Mas, de novo, a questão é como se faz isso. Uma vez que se chega à conclusão de que é preciso cortar, deve-se agir da forma mais humana possível.

Você pode fazer isso, primeiro, procurando as pessoas que não estão satisfeitas com o trabalho delas e também dando incentivos para quem está próximo de se aposentar, por exemplo. Também deve-se ajudar as pessoas a encontrar novos empregos, a se reposicionar.

EXAME.com - Voltamos à questão do cuidado com as pessoas...

Raj Sisodia - Sim. Eu acho que o que define um negócio são as pessoas e não o dinheiro. Ao longo do tempo, se você causa um impacto positivo na vida dos outros, você consequentemente terá um negócio lucrativo e bem-sucedido.

No curto prazo, companhias podem sobreviver com perdas, talvez por um trimestre, ou um ano, ou até um pouco mais. A maioria dos negócios tem uma grande habilidade de sobreviver a desacelerações econômicas. Mas muitas famílias não têm.

Dependendo da família, se alguém perde o emprego, perde-se também a casa, a escola das crianças, muitas coisas ruins acontecem. Portanto, as empresas deveriam se preocupar com esse fardo e compartilhá-lo.

EXAME.com - Que mensagem você quer compartilhar com os brasileiros em sua palestra aqui?

Raj Sisodia - Eu vou falar sobre a importância da liderança consciente e sobre o que isso significa. Explicar que a liderança não tem a ver com usar as pessoas para atingir seus objetivos, mas a ajudá-las chegar a um lugar melhor, que tem a ver com servidão.

E também sobre o reconhecimento crescente de que a liderança precisa ser uma combinação de valores femininos e masculinos.

EXAME.com - O que isso quer dizer?

Raj Sisodia - Meu novo livro é sobre isso, é chamado "Embracing feminine and masculine power in business" (Abraçando o poder feminino e o masculino nos negócios, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil).

Por muito tempo, a liderança foi associada a características masculinas. Acreditava-se que líderes precisavam ser duros, ditar o que as pessoas tinham que fazer, ser ambiciosos, focados nos objetivos financeiros.

E agora reconhecemos que não estávamos tratando o lado humano corretamente, com cuidado, compaixão, relacionamento, características tidas como femininas.

Vemos hoje que o líder também tem que olhar para isso. E não importa se é homem ou mulher. Ele tem que ser capaz de acessar essas duas faces. Tem que ser firme, mas também flexível quando a situação demanda, como em tempos difíceis como os atuais.

Essa é uma das grandes questões do século, quando as mulheres estão finalmente chegando ao topo. Não se trata apenas de ter mais mulheres, mas de ter mais energia feminina no comportamento dos homens.

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