Lesser: companhias precisam investir em formação de seus funcionários (foto/Site Exame)
Da Redação
Publicado em 23 de novembro de 2017 às 21h13.
Última atualização em 24 de novembro de 2017 às 11h58.
À frente da consultoria americana BCG desde 2013, Richard Lesser tem direcionado o trabalho de seus associados para auxiliar grandes empresas mundo afora a se adaptar às novas formas de organização e à digitalização da economia.
Para ele, as companhias precisam investir em formação de seus funcionários, métodos mais ágeis de projetos e personalizar o atendimento aos clientes. Ex-membro do conselho empresarial do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ele disse que a decisão dos empresários de abandonarem o conselho, neste ano, foi devido à retórica “divisora” da gestão presidencial.
“Queríamos esclarecer que essa divisão no grupo não permitiria que o fórum fosse eficiente e não transmitiria a mensagem clara e correta aos nossos funcionários, por isso, mantivemos os valores que representamos como indivíduos, executivos e comunidade”, afirma Lesser, que esteve no Brasil em setembro para comemorar os 20 anos da BCG no Brasil. Ele concedeu a entrevista abaixo a EXAME.
Vamos falar sobre digitalização e rupturas tecnológicas. As empresas enfrentaram rupturas e transformações tecnológicas crescentes em suas indústrias. Qual é a melhor abordagem para o sucesso nos negócios hoje em dia?
Existem alguns elementos do mundo que mudaram muito e outros que não. As empresas sempre precisaram gerar desempenho no curto prazo e continuam a se concentrar na excelência operacional e no que fazem, ao mesmo tempo que inovam e se adaptam a longo prazo. Isso não é nada de novo. O que é diferente agora é o ritmo de mudança no mundo e, em segundo lugar, como a tecnologia tem contribuído para isso. O que está no centro de alguns negócios em telecomunicações e tecnologia era deixado de lado na maioria de outros negócios, que precisavam de sistemas TI mais fortes, mas no back office. O que eles pensavam ser o core do negócio estava muito distante da tecnologia, na maioria das indústrias. Agora, na maioria delas, a tecnologia está na frente e no centro de diversos aspectos do modelo de negócios. A indústria 4.0 está no chão de fábrica, na otimização da cadeia de suprimentos, nas ofertas personalizadas para clientes, nas novas formas de inovação para o mercado de produtos, serviços, casa ou negócios. É uma combinação do ritmo de mudança mais rápido e de novas habilidades que a empresa precisa adotar em todos os negócios, em todas as partes. Isso é o que, de fato, está realmente diferente, em todo o mundo. As empresas estão realmente pensando em quatro grandes questões: como eu faço a transformação digital dos meus processos de negócios e atuo como uma empresa digital?; Como você aproveita as funções tradicionais e as faz operar de forma diferente?, Como posso realmente trazer minha inovação para o universo digital, criando Novos negócios, inovações para serviços e produtos já existentes?; Como eu realmente adoto as análises avançadas que estão rapidamente se movendo em direção a inteligência artificial e ao aprendizado de máquinas?; Inteligência artificial está a poucos anos de distância, mas está vindo e apresenta uma grande vantagem. Esses quatro tópicos são imensos e aplicam-se de forma diferente a cada empresa. Nós acreditamos que a maioria dos clientes está lidando com estas quatro questões de uma forma ou de outra. O BCG vem investindo massivamente para construir essas capacidades para ajudar aos clientes.
Você acha que todos os países estão no mesmo nível. O Brasil está no mesmo nível que as empresas nos EUA?
Eu costumo pensar nisso menos por país e mais por empresa ou setor industrial. Quando você trabalha com companhias líderes, muitas brasileiras, elas estão frequentemente se esforçando para isso. Algumas empresas estarão atrás, mas isso é verdade em qualquer lugar. Eu acho que os tipos de conversas que tenho com CEOs sobre esse assunto são notavelmente similares em todo o mundo. CEOs de empresas fortes veem e reconhecem que o digital é fundamental para o futuro. Isso não significa que eles sabem como abraçar ou aplicar as mudanças corretamente.
No Brasil, talvez o setor bancário seja comparável. Nossa indústria de bancos é muito avançada digital e tecnologicamente. Devido à inflação maciça, eles tiveram que investir fortemente em TI e digitalização para serem operacionais. Uma vez que a inflação diminuiu, eles tinham uma plataforma imensa. Um dos primeiros países no sistema financeiro a entrar em bancos online, muito à frente dos EUA ou Europa. Agora, estou certo de que seus clientes apresentam desafios. Quão difícil é para países abraçar diferentes culturas e mudar?
Se eu pudesse destacar quatro coisas que são desafiadoras: habilidades, a maioria das empresas cresceu em um mundo diferente do que aquele em que vivemos. Muitas pessoas não possuem as habilidades necessárias. Segundo, velocidade. As organizações têm um ritmo que define seus processos operacionais. Este mundo agora funciona a um ritmo muito mais rápido. Eu penso que para as empresas é importante operar e se adaptar a essa velocidade muito mais rápida. Abraçar a agilidade para quebrar barreiras funcionais e impedimentos operacionais. Terceiro, as estruturas da organização precisam envolver o papel das posições tecnológicas. Construindo o desenho correto da organização que capacita pessoas na linha de frente para o uso tecnologia. Quarto, alternando para uma mentalidade “de frente para trás”, ao invés do “de trás para frente”. Ouça seus clientes, o que permite mais precisão. Quais são as necessidades e comportamentos do cliente? Você pode chegar muito mais perto do seu cliente agora e sentir o que eles realmente precisam para alterar a forma como você aborda suas ofertas. Traga o cliente para o processo.
Netflix seria um bom exemplo disso. Eles criam produtos baseados em dados de seus clientes.
A Netflix tornou-se quase como a Starbucks. Eles criaram recursos analíticos para personalizar a maneira como eles se conectam aos clientes. Um cliente de cartão de fidelidade costumava receber uma das vinte ofertas diferentes semanalmente há dois anos. Hoje, eles têm centenas de milhares de ofertas para enviar. Eles agora têm a capacidade analítica de entender melhor cada cliente e criar ofertas melhores para cada consumidor.
As pessoas se preocupam com empregos com novas tecnologias. As revoluções industriais tendem a criar mais empregos do que aqueles que destruíram. No entanto, muitas pessoas sentem que essa revolução tecnológica não criará mais empregos. O BCG, por um lado, acredita que a criação de emprego no futuro é positiva. Por que vocês estão tão otimistas em relação a essa nova revolução tecnológica?
O potencial da tecnologia para mudar fundamentalmente a vida das pessoas e abrir oportunidades é tremendo. No caso da Saúde e de quantas pessoas desatendidas em Saúde. Agora, com essa tecnologia você pode ter alguém em uma comunidade com acesso a informações sobre como diagnosticar uma situação crítica, de uma maneira muito mais eficaz. A capacidade de educar e impactar positivamente crianças, especialmente aquelas sem suporte, como as que são criadas em áreas agrícolas. Estas são áreas em que podemos entender quão essencial é essa nova tecnologia. Essa questão de trabalho é enorme, sem dúvida. Mas devemos começar primeiro entendendo o potencial desta tecnologia. Elas podem trazer melhores serviços, vidas mais saudáveis, mais educação e um melhor senso de conectividade. O desafio à frente é o futuro dos empregos. Para alguns países, particularmente aqueles como a Alemanha, que é globalmente uma potência de produção avançada, eu realmente acredito que os estudos estão certos – devem ter uma rede positiva. Claro, para cada país será diferente. Para as economias e países emergentes, as vantagens que se apresentam na agricultura, saúde, educação e as oportunidades de usar essas tecnologias para mudanças positivas vão criar uma rede positiva. Isso irá extinguir alguns empregos tradicionais, mas criará muitos novos trabalhos adicionais. Alguns empregos como operações internas e outros trabalhos serão desafiados pela automação no futuro. Nossa responsabilidade como negócio é investir em nossos colaboradores para ajudá-los a se adaptar e evoluir junto com o nosso mundo, para que eles possam enfrentar os novos desafios e necessidades. Eu penso que os negócios e os governos têm a responsabilidade de ajudar a treinar os profissionais.
Falando sobre os mercados emergentes, como você vê a posição do Brasil neste mercado e sua capacidade de aproveitar essa nova tecnologia?
Eu permaneço otimista sobre o Brasil, apesar dos últimos anos. Economicamente, é abençoado com uma base forte na manufatura, agricultura, um setor bancário adaptável e uma forte indústria de commodities. Eu acredito que a base para o Brasil está definida e muito plausível, apesar dos recentes recuos e desafios. Os dois grandes fatores além da tecnologia abrangente são: um ambiente político estável e um foco contínuo no endereçamento dos desafios das oportunidades de reforma. À medida que você implementa novas leis, elas precisam ser ajustadas e adaptadas, mas acho que se elas encontrarem um ambiente político estável e tornarem o negócio mais fácil de ser feito, o que muitas vezes tem sido de alto custo e não muito flexível, então tem todo o potencial para crescimento nos próximos anos.
Um dos grandes problemas da economia brasileira agora é a produtividade. Nós estamos lutando para aumentar a produtividade em nossa economia à medida que mais pessoas entram na força de trabalho. Você acha que esta tecnologia pode ser usada para aumentar os níveis de produtividade do país?
Certamente. A tecnologia deve possibilitar enormes melhorias na produtividade. Obtendo mais saída com menos entrada. E produzindo bons serviços que são mais valiosos para os cidadãos porque entendem melhor suas necessidades. Isso deve gerar mais valor para as coisas que são produzidas, mas também de forma mais produtiva e eficaz.
Isto é válido para o setor público e privado. Existe um enorme potencial para aumentar o valor gerado pelo setor público. Tudo depende de como você faz e de sua eficácia, e há margem para melhorias.
Você falou sobre estabilidade política. A economia dos EUA está indo muito bem, apesar de uma presidência instável. Como a economia dos EUA funciona tão bem mesmo com uma administração tão instável?
As divisões nos EUA voltaram em torno de uma década. Eu acho que no último ano ou nos últimos dois, ficou pior. Também é verdade que os EUA têm uma forte estabilidade institucional e uma sólida base subjacente à sua economia. Isso permite que o país seja flexível e produtivo e adote novas tecnologias. As empresas podem avançar mesmo em momentos desafiadores. Os custos de energia são baixos, você tem uma força de trabalho muito produtiva. Todos esses elementos contribuem para ter uma posição de custo de produção global muito boa, uma economia muito orientada para o serviço, uma grande disposição para se adaptar e adotar a tecnologia. Esses fatores permitiram que a economia crescesse apesar de ter um país e um governo tão divididos. Se o governo puder resolver desafios em regulamentos e disfunções do sistema tributário e também enfrentar grandes problemas como os cuidados de saúde, eu acho que há mais espaço para o crescimento. A economia dos EUA não está performando com todo o seu potencial, mas a estabilidade institucional e a capacidade de adotar mudanças e produtividade são as razões pelas quais ele está indo bem.
Em uma entrevista há alguns anos atrás, você disse que a China não era mais tão barata e que estava ficando cara. Isso ajuda os EUA e outras economias?
O que mais ajudará a economia global é uma China que cresce e aumenta o consumo para conseguir um bom equilíbrio. Trabalha para criar um ambiente que resulte em um campo equilibrado na economia global. A China teve um progresso incrível e esse sucesso é ótimo para seus cidadãos. Isso melhora o bem-estar de seus cidadãos, tirando pessoas da pobreza. Mais consumidores de classe média compram produtos chineses e estrangeiros. Isso é um enorme boom para a economia global. É claro que a renda deve aumentar e a posição de custo relativo da China deve mudar. Devido à sua cadeia de suprimentos da manufatura, em algumas coisas, a China permanecerá com muito baixo custo. Em outras áreas, ela se tornará um pouco mais cara – custo médio. Eu acho que é isso que devemos esperar de um país com rendimentos, consumo e expectativas crescentes.
Após os eventos em Charlottesville, muitos grandes CEOs renunciaram ao White House Business Council. É seguro dizer que há uma crescente insatisfação com a administração atual de Trump, pelo menos no setor empresarial?
Eu acho que os líderes empresariais estão procurando ver nosso líder reunir o país para trabalhar juntos e resolver problemas difíceis. Eu acho que às vezes o modo de falar tem sido bastante divisivo e torna o trabalho muito mais difícil. Isso frustra os líderes empresariais que por natureza são solucionadores de problemas e querem ver o país avançar e participar de forma positiva na comunidade global. Eles naturalmente querem reunir as pessoas. Por outro lado, acredito que há algum otimismo sobre o potencial econômico e esperança por algumas das mudanças na economia que a administração está buscando. Essas políticas poderiam definir uma base para o crescimento.
Até recentemente, você era membro do Conselho Empresarial de Trump. Por que você decidiu deixar o Conselho?
Eu acho que foi uma decisão do grupo dissolver o fórum estratégico e político. Os membros individuais tiveram suas próprias razões. Eu senti que precisávamos dissolver para deixar claro os valores que a comunidade empresarial representa – foco na diversidade, por exemplo. Queríamos esclarecer que essa divisão no grupo não permitiria que o fórum fosse eficiente e não transmitiria a mensagem clara e correta aos nossos funcionários, por isso, mantivemos os valores que representamos como indivíduos, executivos e comunidade.
Como você avalia a administração Trump até agora?
Espero que possamos nos unir mais para resolver alguns dos problemas. Existem alguns grandes testes vindo sobre Saúde, reforma tributária e na tentativa de reunir o país. Espero que possamos discutir as coisas de forma bipartidária e ficar mais fortes nos próximos anos.
Você falou recentemente sobre os perigos da globalização. Você acha que líderes como Trump e eventos como o Brexit comprometem a globalização?
Em primeiro lugar, penso que a globalização baseada puramente na economia continuará a evoluir. Todos nós precisamos reconhecer isso. Crescemos em um mundo onde a globalização significava produção offshore em outro país por um custo menor. A natureza da tecnologia agora significa que o entendimento irá mudar. A globalização, devido às cadeias de automação e fornecimento, operará mais perto do cliente com menos desvantagens de custos. As cadeias de suprimentos levam longo tempo para construir, mas a próxima onda de globalização será mais em torno de serviços digitais e menos em torno de locais de produção. Nós nos aproximaremos continuamente do cliente nos principais mercados. Em alguns aspectos, onde ainda é barata a produção em certos locais, não vai mudar, mas a expectativa é ver uma mudança notável. Eu também acho que temos um ambiente geopolítico onde as pessoas questionam com mais frequência como a globalização os afeta ou os beneficia. Os EUA são o ponto de partida para isso. Eu acredito que a comunidade empresarial precisa ser mais ativa na comunidade global. Queremos novos acordos comerciais. Eles podem ser melhorados e modificados por meio de negociações. Isso ainda é melhor do que deixar esses acordos ou colocar tarifas ou outras medidas que quebrem a economia global. É incerto de que maneira a administração atual irá reger sobre isso. Eu acredito que eles pretendem renegociá-los, mas eu não sei como isso vai acontecer.
Você vê os EUA deixando o Acordo de Clima de Paris e o muro que eles querem construir. Parece que os EUA estão fechando suas fronteiras e isso não é bom para o mundo em termos de comércio e globalização. Como a comunidade empresarial pode agir nesses aspectos? Existe um plano?
Penso desde o princípio que a comunidade empresarial tem sido muito ativa ao dizer que as mudanças climáticas são reais e que os seres humanos contribuem substancialmente para isso. Precisamos trabalhar juntos para combater isso. A comunidade empresarial apoia um papel positivo para os EUA no comércio em termos de trabalhar por meio de acordos que beneficiem o país e o mundo também.
Quais são os riscos do populismo em todo o mundo na próxima década?
Eu acho que todos nós temos a responsabilidade de garantir que as vantagens de uma economia forte que beneficiem a todos. Em um momento de grande mudança, isso é difícil e requer mais trabalho de empresas, governos, ONGs para garantir que nós apoiemos nossas comunidades à medida que fazemos a transição para uma nova economia com muitas oportunidades de uma vida melhor. Se não trabalharmos juntos, o populismo em muitos países do mundo é um enorme risco que poderia dificultar a mudança, o crescimento e aumentar a instabilidade em nosso mundo. Eu acho que é nosso interesse mútuo criar uma economia que beneficie a todos.
O BCG está completando vinte anos no Brasil. Como você está aproveitando o Brasil e o que mudou no país desde que o BCG chegou aqui?
Minha primeira viagem foi em 1995 antes de nosso escritório abrir. O Real tinha acabado de ser implementado. A inflação estava altíssima. Havia uma sensação de falta de esperança sobre as oportunidades. E teve mudanças para o Brasil nos últimos vinte anos, apesar dos últimos anos que foram difíceis. O país percorreu um longo caminho nesse período. Eu assumi como responsável pelo BCG na América do Norte em 2009 e havia muita preocupação com a economia. O BCG triplicou desde então e continuamos investindo substancialmente. Estamos comprometidos com este país a longo prazo. Queremos ajudar as empresas a resistir e prosperar em um mundo de mudanças e contribuir para a sociedade. Há grandes desafios à frente, mas nós estamos otimistas sobre a capacidade do Brasil de passar por eles. Estamos dispostos e formamos um time muito entusiasmado em trabalhar aqui.