(Lucy Nicholson/Reuters)
Lucas Amorim
Publicado em 2 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 2 de março de 2019 às 11h25.
Jorge Paulo Lemann, o mais incensado investidor brasileiro, viveu uma das piores semanas de sua trajetória nos últimos dias. As ações da fabricante de alimentos Kraft Heinz, um de seus principais investimentos, despencaram 30% na bolsa de Nova York depois de a empresa anunciar um prejuízo de 12,6 bilhões de dólares no último trimestre de 2018, fruto de uma baixa contábil de 15 bilhões de dólares por depreciação de ativos.
Nesta sexta-feira, Lemann foi ultrapassado pelo banqueiro Joseph Safra como o homem mais rico do Brasil depois de seis anos. Segundo levantamento anual da revista Forbes, Lemann tem 22,4 bilhões de dólares de fortuna pessoal, ante 25,2 bilhões de Safra.
A queda de Lemann se explica principalmente pela perda de valor da Kraft Heinz, o que derrubou também a fortuna de seus dois sócios históricos no fundo de investimentos 3G: Marcel Telles viu a fortuna cair de 14 para 9,6 bilhões de dólares, enquanto Carlos Alberto Sicupira perdeu 3,5 bilhões de dólares, e agora tem 8,5 bilhões.
A 3G Capital é o fundo por trás de gigantes como a cervejaria AB Inbev e Burger King. Também detém participação na Kraft Heinz, empresa que surgiu em 2015 em uma fusão orquestrada ao lado da Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett.
A leva de notícias ruins especialmente na Heinz, mas também no mercado cervejeiro, levanta crescente questões sobre o fim do toque especial de Lemann. Quem conhece bem o investidor diz que é a fase de fato é ruim, mas adverte os incautos de que o mundo dos negócios vive de ciclos, e que o trio Lemann-Telles e Sicupira já deu a volta por cima em outras oportunidades. A fórmula de gestão do 3G, baseada em cortes de custos, orçamento revisado anualmente, meritocracia e muita ambição para aquisições deu certo por quatro décadas, desde a compra da cervejaria Brahma, em 1981. “A base do estilo de gestão forjado por Lemann continua atual como nunca. Mas eles vão precisar provar que conseguem fazer mais do que isso”, diz um consultor que acompanha de perto as empresas do grupo.
O maior desafio é entender o consumidor. Lemann tem reconhecido a pessoas próximas que sempre olhou muito mais para questões financeiras do que para o que o consumidor queria. Em uma palestra no ano passado, chegou a afirmar que era um “dinossauro apavorado”. Pela forma como estava moldado o mercado consumidor nos anos 80 e 90 e no início do século 20, os clientes estavam acostumados a consumir uma meia dúzia de marcas de grandes companhias, e a aceitar o que as empresas lhes dissessem para comprar.
Mas isso mudou. Lemman costuma citar Nike, Zara e Starbucks como empresas que vendem produtos tradicionais, mas que sabem entender o que o consumidor quer. “É difícil mudar uma fórmula bem sucedida”, diz um executivo do 3G.
Lemann tem problemas diferentes em cada uma de suas empresas. Na ABInBev o maior problema é endividamento, fruto da aquisição da SAB Miller por 108 bilhões de dólares em 2015. Como consequência, a dívida líquida chegou a 5,5 vezes o Ebitda (resultado antes de impostos e taxas) da companhia, mas vem caindo lentamente, para 4,6 vezes o Ebitda, segundo resultado divulgado ontem.
Apesar da dificuldade de ganhar mercado na competição com as cervejas premium e artesanais, a ABInBev anunciou crescimento de 4,9% no faturamento global em 2018, e de 0,3% nos volumes de cerveja vendidos. O Ebitda avançou 7,9% em 2018, para 22 bilhões de dólares. Após a divulgação de resultados as ações da companhia subir 6% ontem, mas ainda acumulam queda de 25% desde a compra da SAB Miller.
Já na Kraft Heinz Lemann e sua equipe têm o desafio de mostrar que têm as habilidades necessárias para lidar com um setor que vive uma revolução. A companhia tem marcas tidas como envelhecidas, voltadas para o padrão de consumo americano do século 20, e que têm pouca entrada com uma geração que procura novidades, valoriza produtos saudáveis e marcas locais.
Outro desafio é conseguir levar para fora dos Estados Unidos marcas tidas como excessivamente americanas. Algumas das inovações da companhia seguem apegadas a esse jeitão americano, como o “Just Crack an Egg” (algo como Basta Quebrar um Ovo), uma espécie de mistura para preparar omelete no café da manhã.
A falta de crescimento de empresas como a Kraft Heinz cria outro problema de fundo para a estratégia que moldou o estilo de gestão de Lemann e de seus sócios Marcel Telles e Beto Sicupira nas últimas quatro décadas. Jovens entram nas empresas do grupo esperando crescer rápido, ganhar dinheiro rápido e ficar ricos em poucos anos com a valorização das ações e a conquista de novos cargos e empresas. Sem novas aquisições, e sem crescimento, fica mais difícil atrair gente jovem, faminta e talentosa, o que coloca todo o modelo 3G em risco.
As empresas de Lemann também têm sido cobradas por um estilo de gestão e liderança tido como excessivamente agressivo. A lógica sempre foi buscar homens formados nas melhores escolas e criar para eles um ambiente de competição que muitas vezes beira o que mais tarde passou a ser reconhecido como assédio moral. Agora, segundo um executivo do 3G, para dar conta da crescente complexidade do mercado de consumo é preciso buscar profissionais em outras fontes, o que aos poucos vem sendo feito.
A quem decreta o fim da era Lemann, pessoas próximas ao investidor costumam lembrar que o modelo de gestão dos sócios do 3G deu certo por quatro décadas. E que sobram exemplos de empresários que pareciam acabados, e deram a volta por cima.
O mais reluzente exemplo é Bill Gates, dono da Microsoft, empresa que ilustra a capa da atual edição de EXAME. Após 16 anos a empresa voltou a ser a mais valiosa do mundo ao apostar na computação em nuvem e na inteligência artificial. Agora é Lemann e suas empresas que precisam mostrar capacidade de reinvenção.