Rafaella Machado, da editora Record: “Só teremos leitores adultos se tivermos leitores jovens” (Editora Record/Divulgação)
Publicado em 1 de dezembro de 2024 às 08h17.
Quem visitou a Bienal do Livro em São Paulo neste ano bem que poderia se sentir num intervalo de colégio ou faculdade. Praticamente metade dos 722.000 visitantes do maior evento literário da América Latina tinha menos de 24 anos. Uma garotada trocando a atenção entre celulares e novos livros, e mais sedenta por literatura do que nunca. Não à toa, para quase todas as editoras presentes por ali, esta foi a melhor edição em vendas da história.
Uma comunidade engajada na internet e um gênero literário ajudam a explicar esses bons números. Desde a pandemia, influenciadores digitais recomendam na plataforma de vídeos curtos TikTok os seus livros favoritos, e as obras, imediatamente, viram best-sellers. Principalmente se forem de um gênero conhecido como young adult.
O termo em inglês se refere a histórias voltadas para jovens adultos, geralmente de até 20 anos, e explora temas de crescimento pessoal, identidade e desafios da adolescência, com questões emocionais e sociais típicas dessa fase.
O exemplo mais claro desse fenômeno vem da escritora americana Colleen Hoover. Os livros dela, grandes melodramas sobre amor e violência, são publicados no Brasil desde 2013 pela Galera, o selo jovem da editora Record, uma das mais tradicionais do setor.
“Ela sempre teve boas vendas, mas não era nada de mais. Vendia de 10.000 a 30.000 exemplares”, diz a editora-executiva do selo há seis anos, Rafaella Machado. “Na pandemia, um influenciador fez um vídeo chorando com uma história dela, falando sobre saúde mental. Aos poucos, ela foi conquistando o mundo. Aqui no Brasil, já vendeu mais de 4 milhões de exemplares.”
O sucesso de vendas da americana ajudou a colocar a Record como uma referência na publicação de literatura jovem adulta. O selo para esse tipo de obra hoje representa 38% do faturamento da editora carioca criada pelo avô de Rafaella em 1942. Há cinco anos, eram 13%. O número de lançamentos também escalou. Em 2019 eram 20 obras, hoje são 70. Dos 100 livros mais vendidos atualmente no Brasil, um quarto é da empresa. “Esse sucesso acontece porque tivemos a humildade de perceber a necessidade de fazer o livro junto com o leitor”, diz ela. “Hoje em dia, nossa comunidade de jovens leitores ajuda a aprovar a capa, escolher a data de lançamento, sugerir ilustradores e propor novas histórias.” Foi ouvindo esse grupo ávido por leitura que Rafaella encontrou a baiana Elayne Baeta. A garota fazia sucesso publicando uma história sobre amor lésbico na internet. A editora foi atrás da escritora e negociou a publicação de um livro. O sucesso não poderia ter sido maior: a obra já vendeu mais de 100.000 exemplares, e a sua continuação teve 10.000 cópias reservadas em um único dia de pré-venda.
Encontrar nos jovens uma nova trilha de crescimento de vendas é um bálsamo aos ouvidos de qualquer editora, ainda mais num momento de transformação profunda do setor e com as vendas de livros, se não empatadas, recuando ano após ano. “O mercado editorial é, naturalmente, apavorado”, brinca Rafaella. “Quando começamos a ter rede social, um dos medos era o fim do livro físico, porque o jovem estava no computador o tempo todo. A rede social mudou a vida do jovem, mas não acabou com as histórias. Pelo contrário, ela ajuda os leitores a criar essa comunidade e a engajar.” Uma estratégia fundamental para garantir o futuro da empresa — e, por que não, do setor: “Só teremos leitores adultos se tivermos leitores jovens. Vamos continuar apostando neles para podermos estar aqui por mais 80 anos”.
A partir de 2025, a ByteDance, dona do TikTok, publicará livros impressos pelo seu selo, até então de e-books, o 8th Note Press.Com foco em gêneros populares entre millennials e a geração Z, a iniciativa busca captar o entusiasmo da comunidade de leitores na plataforma, os booktokers. E não são poucos: mais de 38 milhões de posts na rede social já foram marcados com a tag #BookTok.
Em parceria com a editora independente Zando, o plano é lançar de dez a 15 títulos por ano. A estratégia é escolher obras que reflitam as tendências do TikTok, onde o conteúdo literário explodiu. A lógica é simples: livros impressos são mais fáceis de ser gravados na plataforma. Ao direcionar campanhas específicas e utilizar a visibilidade dos influenciadores, a ByteDance mira uma fatia do mercado de livros impressos, atraindo um público ávido por ler e, principalmente, exibir suas leituras.
A editora paulista Mundo Cristão nunca vendeu tanto em 60 anos de história como agora. Só em outubro, foram 600.000 exemplares vendidos, nos mais variados formatos: do livro impresso e digital ao gravado em áudio. Na lista de obras, ficções para jovens cristãos, livros devocionários e, claro, bíblias.
Adaptar-se a novos formatos não é uma novidade para o diretor de operações Renato Fleischner, funcionário da editora há 22 anos. Desde 2017 a companhia produz e-books, por exemplo. Mas foi no pós-pandemia que a entrada em novos canais se mostrou uma estratégia importante para atrair leitores fiéis. “Estamos crescendo em marketplaces e livrarias virtuais”, diz.
O crescimento segue uma tendência do setor. A produção e o faturamento dos livros religiosos cresceram no último ano. Ao todo, foram produzidos mais de 52 milhões de exemplares com um faturamento de 674 milhões de reais, um avanço de 4,5% em relação a 2022, segundo o relatório da consultoria NielsenBook.
O sucesso desse mercado é, em parte, explicado pelo surgimento de um grande expoente. A obra Café com Deus Pai, criada pelo pastor Junior Rostirola e publicada pela editora Quatro Ventos, é um verdadeiro fenômeno. Só a edição de 2023 do livro vendeu mais de 700.000 cópias. Nas plataformas de áudio, o podcast de mesmo nome tem 3 milhões de assinantes e uma média de 200.000 ouvintes por episódio.
A febre levou diversos autores a lançarem suas próprias versões de livros devocionais, conhecidos por reunirem trechos bíblicos e aplicações práticas para questões da vida cotidiana. A Mundo Cristão surfou a onda. Novos modelos com leituras para um mês, seis meses ou um ano fazem parte dos 65 lançamentos previstos para este ano. Hoje, a venda de devocionais só perde para as ficções cristãs, mas a vantagem é apertada.
O bom desempenho fez a categoria ganhar mais espaço nas livrarias tradicionais e fora delas também. “Hoje em dia é comum ver livros cristãos fora da seção de religiosos”, diz. No mundo editorial, as palavras de fé estão ganhando mais força e formatos.
Fazer academia e terapia já são benefícios comuns nas empresas brasileiras. Mas que tal ter acesso a uma biblioteca com 250.000 livros, todos a um clique de distância? Essa é a proposta da paulista Skeelo, uma “Gympass” (que agora é Wellhub) dos e-books e audiolivros.
Criada em 2019, a startup cresceu ao fechar parcerias com empresas e com as principais operadoras de telecomunicação do país.
Telefônicas como Vivo e Claro passaram a dar aos seus clientes o acesso a esse portfólio quase infinito de obras, pagando a Skeelo por isso. A empresa também vende direto ao consumidor final em planos mensais.
Nessa toada, entre clientes de telefônicas, funcionários beneficiados e aficionados por leitura, já garantiu uma receita de 100 milhões de reais e 180 milhões de livros baixados.
“O celular permite que as pessoas leiam e ouçam onde estiverem, seja no trânsito, seja na academia”, diz Rodrigo Meinberg, presidente da Skeelo.
Para continuar crescendo, mesmo num setor desafiador — para dizer o mínimo —, as estratégias vão de desenvolvimento de minilivros para “o leitor com pouco tempo” a histórias em quadrinhos voltadas para o público geek.
Há também muito conteúdo de romance, o mais lido por ali. Outra tendência que vai crescendo são os audiolivros. Hoje, eles representam cerca de 30% do consumo no aplicativo.
Em 2025, a empresa planeja expandir sua presença na América Latina, com foco inicial na Argentina e no México. E também ganhar fôlego com uma rede social dedicada à leitura. É a Skoob, comprada pela Skeelo neste ano.
A aquisição coloca a startup numa posição única: pela primeira vez, uma plataforma de e-books adquire uma comunidade fiel de cerca de 10 milhões de leitores.
O desafio é mesclar bem os dois grupos, e, para isso, serão feitas melhorias nas plataformas e ofertas que levem o consumidor a ter os dois aplicativos instalados, interagindo entre um e outro.
Se depender da Skeelo, o acesso à leitura será tão simples quanto fazer login em uma rede social.
Quinze minutos por dia. É tudo o que Gustavo Lembert, CEO e um dos fundadores do clube de livros Tag, pede.
Criada em Porto Alegre em 2014, a empresa envia mensalmente à casa dos assinantes um kit com um livro, uma revista e um item colecionável, aos moldes de outros clubes famosos pelo Brasil, como os de vinhos e cervejas. Depois de números recordes de venda durante a pandemia, com mais pessoas em casa, a startup viu uma queda de interesse com a vida voltando ao antigo normal. “As pessoas voltaram a ir ao cinema, a restaurantes, a encontrar amigos. O tempo e o investimento em leitura ficaram mais escassos”, diz.
“Nossa campanha é para mostrar que 15 minutos diários já fazem a diferença. Com esse tempo, dá para ler um livro por mês.”
Quem já está dedicando esses 15 minutos (ou mais) por dia ajuda a Tag a faturar 28 milhões de reais por ano. Um valor em ascensão, impulsionado por uma nova estratégia: a de criar clubes com influenciadores digitais. O primeiro parceiro será Pedro Pacífico, criador do Bookster, perfil literário com mais de meio milhão de seguidores. O clube trará 12 livros de diferentes países ao longo do próximo ano, mas as vendas já começaram. A meta inicial era vender 2.000 assinaturas até o final de 2024. Até outubro, já tinham sido 2.800 assinaturas. “Com o fim do ano se aproximando, as vendas devem crescer ainda mais. Só com o clube do Bookster devemos ter 4.000 assinantes.” Em um mercado onde o celular compete pela atenção, a Tag aposta nele para alcançar mais pessoas dispostas a dedicar alguns minutos diários à leitura.
Caito Maia, Luiza Helena Trajano, Joel Jota e João Branco. Nomes conhecidos no universo do empreendedorismo têm algo em comum: todos eles lançaram livros pela Gente, uma referência na publicação de best-sellers de negócios.
Desde 2021, a editora aparece em primeiro lugar na lista de mais vendidos do portal especializado PublishNews, passando de 84 para 169 títulos.
Boa parte do sucesso de vendas pode ser atribuída à estratégia de pré-lançamento de livros nas redes sociais dos autores. Em 2024, a editora liderada por Rosely Boschini já vendeu 23 milhões de exemplares.
Como você vê o mercado editorial brasileiro hoje?
A pandemia acelerou a digitalização, e as editoras precisaram se adaptar às novas realidades de consumo. Há um aumento no interesse por temas que abordam diversidade, inclusão e desenvolvimento pessoal, o que abre espaço para novos autores. Acredito que estamos no caminho certo para criar um mercado mais dinâmico e acessível.
Há 40 anos a Editora Gente trabalha com livros de negócios. O que mudou nos últimos anos?
Ampliamos nosso escopo para incluir temas de desenvolvimento pessoal, liderança e inovação. Observamos que os leitores buscam não apenas estratégias empresariais mas também insights que ajudem no seu crescimento.
A Gente tem empreendedores famosos entre seus autores. Como isso impacta as vendas?
A presença de autores reconhecidos traz uma visibilidade imensa para a editora. Quando um livro deles faz sucesso, isso não só aumenta as vendas daquele título específico, mas também gera interesse em outras publicações.
Como funciona a estratégia de lançamento?
Trabalhamos muito o autor antes de começar a escrever o livro. Oferecemos uma imersão de quatro dias, por exemplo. Durante esse tempo, os autores se conectam com o conteúdo e com o público, e a partir daí montamos um roteiro que será desenvolvido por redatores. A pré-venda acontece cerca de 30 a 45 dias antes do lançamento, quando abordamos os seguidores do autor para criar expectativa e engajamento.
Qual é a importância das redes sociais no atual cenário editorial?
As redes sociais são essenciais. Elas não só ajudam a promover os livros mas também permitem aos autores construir uma relação direta com o público. A interação online é uma ferramenta poderosa para engajamento, e aqueles que ainda não estão familiarizados com essa dinâmica precisam aprender a utilizá-las a seu favor. Um bom engajamento nas redes sociais pode fazer toda a diferença nas vendas e na construção de uma carreira sólida.
Do interior da Bahia, Baeta ficou conhecida ao publicar histórias de romances LGBTQIA+ na internet. Hoje, aos 27 anos, é a autora nacional mais vendida do selo Galera, da Record. O último lançamento, Coisas Óbvias Sobre o Amor, teve mais de 10.000 exemplares reservados em 24 horas. (Por Daniel Giussani)
O podcast mais ouvido do Brasil é fruto de um livro. Café com Deus Pai, do pastor envangélico Junior Rostirola, tem 3 milhões de assinantes e uma média de 200.000 audições por episódio. O sucesso no áudio ajuda a impulsionar as vendas dos livros de mesmo nome. A edição de 2023 já tem mais de 700.000 cópias vendidas. (Por Isabela Rovaroto)
Adriana Alcântara é responsável por lançar no Brasil a Audible, o braço de audiolivros da Amazon, em 2023. Com mais de 25 anos de experiência, passou por empresas como WarnerMedia e Apple. Por aqui, a Audible já produziu mais de 1.700 audiolivros, e seu catálogo tem 700.000 obras. (Por Laura Pancini)
Carioca de Nova Friburgo, é um nome de destaque na literatura LGBTQIA+ e já foi finalista do Prêmio Jabuti, em 2022. Seu livro de estreia, Quinze Dias, publicado pelo selo Alt, da GloboLivros, teve os direitos vendidos para sete países. (Por Laura Pancini)