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JBS: o fim do plano irlandês

Letícia Toledo Acostumada a surpreender os acionistas positivamente, a fabricante de alimentos JBS veio com uma notícia amarga nesta quarta-feira. A empresa foi obrigada a cancelar sua reorganização societária anunciada em maio, que transferia cerca de 80% dos seus ativos para uma nova companhia, a JBS Foods International, com sede na Irlanda e ações listadas […]

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Letícia Toledo

Publicado em 26 de outubro de 2016 às 18h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.

Letícia Toledo

Acostumada a surpreender os acionistas positivamente, a fabricante de alimentos JBS veio com uma notícia amarga nesta quarta-feira. A empresa foi obrigada a cancelar sua reorganização societária anunciada em maio, que transferia cerca de 80% dos seus ativos para uma nova companhia, a JBS Foods International, com sede na Irlanda e ações listadas na bolsa de Nova York.

O motivo foi o veto do maior banco de fomento do país, o BNDES, que detém 20,4% das ações da companhia por meio do BNDESPar e exerceu seu direito de ser contra a propostas. “O BNDES entendeu que a reorganização proposta não é o melhor caminho para a companhia”, disse o presidente da JBS, Wesley Batista, em teleconferência com analistas.

A notícia pegou a todos de surpresa. No dia 22 de setembro, em uma reunião com analistas na sede da JBS em Colorado, nos Estados Unidos, Batista garantiu que a reorganização já estava acertada com o BNDES. Com o anúncio desta quarta-feira, as ações da companhia caíram 11,4%.

Em teleconferência, Batista disse que a JBS está analisando outras alternativas para cumprir o objetivo inicial da reorganização, que seria principalmente facilitar o acesso a capital no exterior. “Existem várias alternativas”, disse Batista. Mas, quando questionado sobre quais seriam elas, o executivo se limitou a dizer que estavam sendo analisadas.

O plano da JBS levaria para a Irlanda todos os negócios que a companhia tem no exterior além das operações da Seara Alimentos, numa companhia com receita estimada em 35 bilhões de dólares. No Brasil ficariam as unidades de carne bovina do país, biodiesel, colágeno, a transportadora do grupo e a divisão global de couros, sob o controle da JBS S/A, com receita estimada em 30 bilhões de reais por ano.

Na época, a proposta foi bem recebida por acionistas – que poderiam trocar parte de suas ações na companhia brasileira para a companhia com sede no exterior. A percepção principal é de que a reorganização dos negócios ajudaria a resolver o que é hoje um dos maiores problemas da companhia: o endividamento. A JBS encerrou o segundo trimestre com uma dívida de 49,2 bilhões de reais. A alavancagem ficou em 4,1 vezes ao final de junho, acima dos 3,84 vezes no primeiro trimestre. A porcentagem da dívida de curto prazo em relação à dívida total ficou em 32% no período, dos quais 82% são linhas lastreadas às exportações das unidades brasileiras. Ao final do período, 91,4% da dívida era denominada em dólares.

A escolha pela Irlanda também traria a companhia vantagens tributárias. No Brasil todo o lucro das companhias, inclusive o originário de outros países, é tributado. Enquanto o Brasil tem taxa de 34%, na Irlanda a taxa é 12,5%. A companhia sempre negou que a motivação para a mudança fosse um ganho tributário.

O anúncio da reorganização societária aconteceu na noite do dia 11 de maio, enquanto, em Brasília, os senadores votavam o processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff.

Como se sabe, Michel Temer assumiu a presidência no dia seguinte e poucos dias depois nomeou Maria Silvia Bastos Marques como presidente do banco. Ainda não está claro por que o BNDES barrou a proposta. “Em nossa visão a decisão poderia ser fruto de uma abordagem mais pró-ativa do BNDES em seus investimentos sob a nova liderança de Maria Bastos”, afirmam analistas do banco Citi em relatório. “Seria muito difícil para o BNDES conseguir ter ações da nova companhia no exterior. Logo, o banco ficaria com ações da JBS Brasil – que seria muito menor que a empresa na qual ele originalmente investiu.”, afirma o executivo de uma empresa concorrente.

Ano difícil

O ano tem sido duro para a JBS. Em setembro, a Operação Greenfield, da Polícia Federal, conduziu coercitivamente os irmãos sócios do grupo J&F, dono da JBS, Wesley e Joesley Batista, para prestar esclarecimentos sobre uma participação em desvios que podem chegar a 50 bilhões de reais dos quatro maiores fundos de pensão do Brasil. A parte que implica a J&F vem por meio da fabricante de celulose Eldorado Brasil, controlada pelos irmãos, e que tem no quadro de sócios os fundos de pensão Petros, da Petrobras, e Funcef, da Caixa.

A condução de Wesley concretizou um dos maiores receios dos investidores da companhia. A JBS tem um histórico de relacionamento com o governo que, de dois anos para cá, vem originando polêmicas. O frigorífico recebeu 4,7 bilhões de reais do BNDES entre 2008 e 2013, segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas. A JBS ainda foi citada na Lava-Jato em dezembro de 2014, acusada de depósitos de 400.000 reais para empresas ligadas ao doleiro Carlos Habib Chater e outros 200.000 reais na conta de uma empresa do ex-deputado federal André Vargas, do PT, por serviços de consultoria de marketing. Em comunicado divulgado à época, a empresa negou “com veemência” ter feito pagamentos fora da lei. Procurada para esta reportagem, a JBS não deu entrevista.

O poder de veto do BNDES na JBS vai até 2019. A JBS disse que aceitou a decisão do banco e não tentará convencê-lo. Uma estratégia vislumbrada por analistas seria comprar a participação que o banco tem na companhia. Mas, como ressaltam analistas do banco Citi, ao contrário do frigorífero Marfrig, na qual o banco também detém participação e classificou o investimento como “disponível para venda”, a sua participação de 21% na JBS é classificado como “investimento em associadas”. Sendo assim, a venda é menos provável.

A sua controladora, a J&F, também vive um momento complicado. A companhia tenta comprar a participação de 17% dos fundos Petros e Funcef na Eldorado Brasil Celulose após as denúncias envolvendo a companhia. No domingo 25, o jornal O Globo divulgou que a empresa de lácteos Vigor, que 6 bilhões de reais, está à venda – a especulação é que o objetivo é levantar dinheiro para comprar a fatia na Eldorado. A empresa nega que a Vigor esteja à venda.

A melhor saída para a JBS, afirmam analistas, seria uma abertura de capital (IPO) de uma subsidiária aqui ou no exterior.Em 2010, a companhia teve de pagar uma multa de quase 522 milhões de reais ao BNDESPar após não conseguir realizar o IPO. No ano anterior, o banco havia se comprometido a subscrever a maior parte dos quase 2 bilhões de dólares da empresa em debêntures para bancar a compra da processadora de aves americanas Pilgrim’s pride. Já a transferência da sede para a Irlanda, só depois de 2019.

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