DUBLIN: capital da Irlanda abriga multinacionais / Thinkstock
Letícia Toledo
Publicado em 17 de maio de 2016 às 15h52.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h49.
Grande parte das decisões sobre o futuro de empresas de tecnologia como Google, Apple e Intel sai de seus escritórios no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Mas o centro financeiro dessas empresas está localizado a pelo menos 8.000 quilômetros de distância, na Irlanda. O país concentra as operações financeiras de mais de 1.000 multinacionais – a grande maioria originária de outros países.
O segredo de tanto poder de sedução é uma economia que, desde os anos 80, deixou de ser predominantemente agrícola para se focar em indústrias de alta tecnologia e serviços – foi nessa época que o país atraiu a Apple, por exemplo. Além disso, a Irlanda tem profissionais qualificados, salários relativamente baixos e alugueis baratos. A língua inglesa e a infraestrutura necessária para exportações também são pontos positivos.
Mas o principal fator é um ambiente tributário mais amigável. Nos Estados Unidos – e no Brasil – todo o lucro das companhias, inclusive o originário de outros países, é tributado. Enquanto o Brasil tem taxa de 34% e os Estados Unidos de 35%, na Irlanda a taxa é 12,5%. “O movimento é mundial. As companhias mantêm seus executivos e presidente no país de origem, mas os lucros são todos reportados na nova sede”, diz Eduardo Costa da Silva, sócio do escritório especializado em direito empresarial Godke Silva & Rocha Advogados.
Em breve, uma companhia brasileira deve se juntar a esses nomes. Na quarta-feira 11, a fabricante de alimentos JBS anunciou a criação da JBS Foods International, uma empresa com 35 bilhões de dólares de faturamento e… sede na Irlanda. A nova empresa vai incorporar os negócios da JBS no exterior e também a Seara Alimentos. As unidades de carne bovina no Brasil, biodiesel, colágeno, a transportadora do grupo e a divisão global de couros permanecem no Brasil sob o controle da JBS S/A, que passará a se chamar JBS Brasil, com receita estimada em 30 bilhões de reais por ano.
Vantagem na ponta do lápis
Entre os motivos que levaram à criação da nova companhia, que terá capital aberto na Bolsa de Valores de Nova York, a JBS citou o acesso a uma base ampliada de investidores e a um mercado de dívida com custo melhor. Faz sentido uma empresa que tem 80% de seu faturamento fora do Brasil escolher uma nova sede com uma moeda global, neste caso o euro. Mas a escolha pela Irlanda também passa, evidentemente, pelas vantagens tributárias.
Atualmente, 100% dos negócios da JBS estão sujeitos à tributação brasileira. A mudança para a Irlanda deve trazer uma alívio na veia. Em 2015, a JBS teve um lucro de 4,6 bilhões de reais e as estimativas são de que a economia poderia passar de 1 bilhão de reais ao ano com impostos.
O caminho é o parecido com o seguido por muitas empresas americanas. Lá, em geral, a empresa faz aquisição de uma companhia sediada na Irlanda ou em outro país com alíquota mais baixa e transfere seus negócios para o exterior. Foi assim que o Burger King, uma rede de fast-food de Miami, se tornou canadense. A Apple, que desde 1980 mantém a maioria de seus lucros (65%) na Irlanda, disse ter evitado 30 bilhões de dólares em impostos nos últimos três anos fiscais. Empresas com lucros grandes como o da Apple podem ganhar mais incentivos para permanecer no país, com a alíquota caindo para apenas 5%.
A revelação desses dados causou grande agitação na mídia americana no último ano. Em resposta, o presidente da Apple, Tim Cook, disse que adoraria pagar taxas de todos os seus custos estrangeiros nos Estados Unidos, mas “isso nos custaria quase 40% do nosso lucro e eu não acho que isso seja algo razoável a se fazer”.
A JBS é dona de operações na Irlanda graças à aquisição da produtora de carne de frango e alimentos processados Moy Park, que pertencia à Marfrig, concluída em setembro do ano passado pelo valor de 1,5 bilhão de dólares. Questionada por EXAME Hoje sobre a escolha de sediar a nova empresa na Irlanda, a assessorial de imprensa da JBS disse que o país é um “ponto central de suas operações na Europa”. Segundo a JBS, os cálculos sobre a economia com a redução de impostos ainda não foram feitos.
O exemplo
A criação da nova JBS ainda está sujeita à aprovação de órgãos reguladores do Brasil. Em abril deste ano, nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama incluiu novas regras junto ao Tesouro para impedir a empresa americana de medicamentos Pfizer de comprar a irlandesa Allergan em uma das maiores fusões de todos os tempos, no valor de 160 bilhões de reais, e transferir seus negócios.
“Foi inovadora a criação de uma nova empresa para transferir parte dos negócios da JBS. Assim, é difícil alguém se opor ao plano porque eles não estão simplesmente deixando o país. Continuam com uma empresa aqui e criaram mais uma”, diz Isaias Coelho, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV.
Segundo especialistas ouvidos por EXAME Hoje, outras multinacionais brasileiras como as exportadoras de papel e celulose Fibria e Suzano, a fabricante de aviões Embraer e a mineradora Vale, poderiam seguir o movimento da JBS. “Se a nova empresa da JBS der certo, outras empresas devem levar suas operações para fora do país”, diz Coelho.
Para concorrentes, o que chamou a atenção foi o fato de o plano ter sido apresentado sem grandes detalhes. “Parece que o anúncio foi feito às pressas”, diz um concorrente. O anúncio da nova empresa da JBS veio junto com a divulgação do resultado do primeiro trimestre – um prejuízo de 2,7 bilhões de reais, impactado principalmente por operações com proteção cambial. Apesar dos números ruins, as ações da JBS já subiram 39% desde quinta-feira passada. Antes disso, os papéis acumulavam uma queda de 28% no ano. “A nova companhia deve ajudar a resolver o endividamento, um dos maiores problemas da JBS”, diz Paulo Figueiredo, diretor de operações da corretora FN Capital.
A previsão inicial da JBS é que suas operações sejam separadas em outubro deste ano. Por enquanto, os diretores e presidentes devem continuar no Brasil. (Letícia Toledo)