Negócios

Império da paçoca: como uma família do interior do RS vende R$ 418 milhões por ano com doces

Empresa gaúcha cresce no embalo da saudabilidade, aposta em inovação e mira o mercado nacional com produtos à base de amendoim

Wagner e Willian Freitas, diretores do DaColônia: “A gente começou com 100% das vendas no Sul. Hoje, 65% do nosso faturamento já vem de fora da região, mas o potencial de crescimento no Sudeste é enorme” (DaColônia/Divulgação)

Wagner e Willian Freitas, diretores do DaColônia: “A gente começou com 100% das vendas no Sul. Hoje, 65% do nosso faturamento já vem de fora da região, mas o potencial de crescimento no Sudeste é enorme” (DaColônia/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 18 de setembro de 2025 às 13h18.

Última atualização em 19 de setembro de 2025 às 09h45.

Na beira da estrada, entre Porto Alegre e o litoral norte gaúcho, há uma fábrica de onde saem 2 milhões de paçocas por dia.

O cheiro de amendoim tostado invade os arredores, e no centro do terreno, uma figueira com mais de 200 anos segue firme, assistindo tudo.

Foi ali mesmo, sob a sombra dessa árvore, que a história começou — com rapaduras artesanais feitas no tacho por Israel Gomes de Freitas, em 1962.

Sessenta anos depois, a DaColônia ainda opera no mesmo endereço em Santo Antônio da Patrulha, cidade de 42.000 habitantes a 80 quilômetros de Porto Alegre. Só que agora produz mais de 1.200 toneladas por mês de alimentos à base de amendoim — e é vice-líder nacional em paçoca.

O que era doce de melado feito no quintal virou negócio e tanto por ali: a empresa fechou 2024 com 418 milhões de reais em faturamento, um salto de 146% em cinco anos.

“A gente saiu do tacho de melado pra liderar gôndola de supermercado”, diz Willian Freitas, neto do fundador e diretor da empresa. “Mas nunca deixamos de olhar pra base: sabor, saudabilidade e consistência no que entregamos.”

A receita de crescimento mistura tradição e um portfólio com mais de 250 itens — 70% à base de amendoim.

Os carros-chefes continuam sendo as paçocas e o pé de moleque, mas a DaColônia também viu sua linha de pastas de amendoim, a AmendoPower, ganhar força nas academias, no canal farma e nas exportações.

Em 2025, a empresa projeta se aproximar da marca dos 500 milhões de reais, com distribuição em mais de 30.000 pontos de venda e foco em ampliar presença no Sudeste e no Norte do Brasil. Uma das ideias em avaliação para os próximos anos é abrir uma nova unidade fora do Sul, para ganhar eficiência logística.

Qual é a história do DaColônia

A DaColônia nasceu da urgência de botar comida na mesa. Literalmente.

Em 1962, Israel Gomes de Freitas, pai de 10 filhos, começou a produzir rapadura feita só com melado de cana para vender a ambulantes que passavam por Santo Antônio da Patrulha.

O doce era moldado em tabletes e colocado em caixas de madeira.

Quem comprava levava para revender nas cidades vizinhas, no litoral e até na fronteira com o Uruguai.

“Era o que tinha de oportunidade na época. Muita cana-de-açúcar na região, muito melado. E o jeito era transformar isso em produto e tentar vender. A empresa começou assim, pela sobrevivência”, afirma Willian Freitas.

Nos anos 1980, a chegada do amendoim mudaria o rumo da empresa.

Começaram os testes com misturas de melado e amendoim — e surgiu o pé de moleque. Depois vieram a paçoca, o mandolate, os tabletes, e uma variedade de produtos típicos que acabariam formando a base do negócio.

Na virada dos anos 2000, com nova ampliação da fábrica e modernização da produção, a empresa passou a abastecer redes maiores e começou a exportar.

“A gente sempre foi muito atento ao que o consumidor pedia. Quando viu que dava pra transformar o amendoim num produto mais saudável, mais funcional, começamos a experimentar novas linhas”, afirma.

Como está o DaColônia agora

Fábrica da DaColônia: unidade produz 2 milhões de paçocas por dia (DaColônia/Divulgação)

O ponto de inflexão mais forte veio a partir de 2020.

Com a onda de saudabilidade ganhando espaço nas gôndolas e consumidores cada vez mais exigentes, a DaColônia dobrou a aposta em inovação.

O portfólio passou a incluir barrinhas de proteína veganas, chips saudáveis, granolas, biomassa de banana verde e produtos zero açúcar. Tudo sem aditivo, sem conservante, sem apelar para o industrializado.

“Por muito tempo, o produto saudável era ruim de comer. Nosso desafio foi fazer o contrário: entregar saúde com sabor. A gente faz testes por meses, às vezes mais de um ano, até acertar”, diz Willian.

Entre as linhas de maior crescimento está a AmendoPower, marca de pasta de amendoim que se consolidou entre o público fitness. Lançada em 2015, ela representa hoje 13% da receita da empresa e ajudou a DaColônia a conquistar a liderança nacional na categoria, com 33,6% de participação em volume, segundo a Scanntech.

“Tem muito concorrente nessa categoria, mas a gente cresceu planejando e executando. Hoje somos líderes consolidados.”

Expansão nacional e os planos de descentralização

Apesar da liderança em nichos como pasta de amendoim, a presença da DaColônia ainda é desigual pelo país.

O Sul responde por 35% do faturamento, com forte presença no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Sudeste e Nordeste, a marca ainda busca espaço nas gôndolas.

“A gente começou com 100% das vendas no Sul. Hoje, 65% do nosso faturamento já vem de fora da região, mas o potencial de crescimento no Sudeste é enorme”, diz Willian.

Com a fábrica localizada no extremo sul do país, os custos logísticos são um desafio real. O amendoim, que representa 70% do portfólio, vem de São Paulo, percorre mais de mil quilômetros até a planta da empresa — e depois volta, embalado, para abastecer as regiões mais distantes.

“É um vai-e-volta que pesa. Só esse trajeto nos coloca numa desvantagem de 10% a 15% no custo, comparado com quem produz mais perto dos centros de consumo.”

Embora ainda não haja anúncio oficial, a empresa já estuda abrir uma planta em São Paulo nos próximos anos. A ideia seria manter a fábrica histórica no RS, mas ganhar agilidade e competitividade com uma nova base produtiva mais próxima dos mercados estratégicos.

Quais são as dores da exportação

A DaColônia exporta hoje para mais de 20 países, incluindo Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão e Portugal.

Em 2024, as vendas internacionais cresceram 120%, puxadas por snacks funcionais e doces típicos.

O principal destino ainda são os Estados Unidos, que responderam por cerca de 20% do volume exportado no primeiro semestre de 2025. Mas novas tarifas de importação aplicadas pelos EUA aos produtos brasileiros devem afetar esse cenário.

“Vai dar uma freada. Não é o fim, mas vai cair. Estamos falando de uma queda de 20% a 30% no volume”, afirma Willian.

O Paraguai tem crescido como alternativa, e a empresa acaba de fechar as primeiras vendas para a Argentina — mercado que entrou no radar em julho.

Portugal, Uruguai e Chile também estão entre os países com maior volume de compra. Ao todo, os produtos exportados representam entre 2% e 3% do faturamento da empresa.

Possibilidades e desafios

Outra frente que tem puxado crescimento é o canal farma.

Produtos da DaColônia já estão presentes em 2.600 farmácias no Brasil, incluindo redes como São João, Panvel, Drogaria Araújo e Preço Popular.

A meta é fechar 2025 com 4.000 pontos de venda nesse canal.

As barrinhas de proteína veganas, as pastas de castanha-de-caju e os doces sem açúcar têm sido os mais procurados nesse ambiente — onde o apelo por produtos naturais e funcionais é ainda mais forte.

“A farmácia virou um ponto de venda estratégico. O consumidor ali já está pensando em bem-estar. Se ele encontra uma paçoca sem açúcar ou uma barrinha proteica gostosa, leva junto”, diz o executivo.

Mesmo com crescimento acelerado, a DaColônia sabe que competir com gigantes nacionais exige eficiência de ponta a ponta. O

frete do amendoim de São Paulo para o Rio Grande do Sul é só o começo. Depois, o produto ainda precisa voltar embalado para o mercado consumidor — em muitos casos, o próprio estado de origem da matéria-prima.

“É um contrassenso logístico. O produto vai e volta, e a conta pesa. Mas por enquanto é a estrutura que temos — e estamos aprendendo a operar com isso da forma mais eficiente possível.”

A Santa Helena, principal concorrente nacional no segmento de paçocas, está sediada em São Paulo e tem escala logística mais favorável.

A DaColônia hoje é vice-líder nacional em paçocas, mas vem encostando nas vendas da rival.

“Estamos incomodando. E com mais eficiência, a gente sabe que dá pra brigar de igual pra igual.”

O futuro: mais inovação, nova geração e um plano de meio bilhão

O ritmo de crescimento não parece desacelerar. Para 2025, a DaColônia projeta um faturamento próximo de 500 milhões de reais. Para isso, o plano é continuar investindo pesado: só em 2024, foram 15 milhões de reais aplicados em melhoria da fábrica, desenvolvimento de produtos e novas máquinas. Para o próximo ano, o investimento deve chegar a 20 milhões de reais.

“A gente acredita que inovação é o motor do crescimento. Escutamos muito o consumidor, olhamos tendência, testamos muito até chegar em algo bom de verdade.”

Com nove marcas próprias e presença em todas as grandes redes de varejo do país, a empresa agora se prepara para uma nova etapa: expandir o mix saudável, crescer em farmácias, buscar eficiência logística e fortalecer a marca fora do Sul.

A fábrica segue no mesmo lugar. E a figueira centenária, ainda firme no meio do pátio, continua acompanhando tudo.

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