Negócios

Hinode: bilhões em perfumes, marketing multinível e autoajuda

Marca de cosméticos faturou 2,7 bilhões de reais em 2018. "Acredito na venda direta clássica", diz o presidente, Sandro Rodrigues. Leia a entrevista:

O presidente da Hinode, Sandro Rodrigues, durante convenção da empresa no Allianz Parque (Hinode/Divulgação)

O presidente da Hinode, Sandro Rodrigues, durante convenção da empresa no Allianz Parque (Hinode/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 23 de abril de 2019 às 18h35.

Desconhecida até alguns anos atrás, a marca de cosméticos Hinode (lê-se hinodê) agora desponta no mercado brasileiro e no mundo do marketing multinível. A companhia faturou 2,7 bilhões de reais em 2018 – número 80% maior que o faturamento de 2016 (de 1,5 bilhão de reais) e 320 vezes maior que o conquistado há dez anos, quando a marca faturava um média de 8,4 milhões de reais ao ano.

Fundada em 1988, numa garagem na zona norte de São Paulo, a marca passou anos como uma pequena empresa. O crescimento veio depois que a companhia aderiu ao controverso modelo do marketing multinível, muitas vezes usado por esquemas de pirâmide financeira. Neste sistema, os vendedores ganham não só pela venda de produtos, mas também pela indicação de novos vendedores.

Hoje a companhia tem 850 mil consultores cadastrados, sendo 300 mil ativos. No final do ano passado, reuniu 45 mil deles em um evento de dois dias no estádio Allianz Parque, em São Paulo, em comemoração aos 30 anos da empresa. Dentre os consultores, há quem ganhe 1.800 reais por mês, e há os que chegam a salários de 100 mil reais – são os “imperiais diamante”. A possibilidade de aumento na renda num contexto de crise econômica ajudou a atrair vendedores para as fileiras da Hinode que, segundo seu presidente, Sandro Rodrigues, é uma empresa focada em “oferecer às pessoas a oportunidade de mudar de vida”.

Em seus discursos durante treinamentos e palestras, temas como liderança e resiliência estão sempre presentes, fazendo com que, além de ganha-pão, a marca seja fonte de conteúdo motivacional para seus vendedores. No final do ano passado, Rodrigues lançou o livro “Crença Inabalável” (Editora Buzz), que fala sobre sua trajetória na Hinode e sobre como a marca “transformou a vida de milhares de pessoas”. A publicação ficou alguns meses nas listas de livros mais vendidos.

O efeito colateral da abordagem de estilo messiânico são as críticas de consultores insatisfeitos que pipocam na internet – alguns se dizem ludibriados pelas promessas de ganhos vultosos. “Em todos os eventos eu digo: ‘se você está buscando dinheiro fácil, aqui não é o lugar’”, rebate o executivo em entrevista a EXAME. A companhia criou um departamento de compliance, e recentemente contratou a executiva Marília Rocca como CEO, como forma de se profissionalizar. Sandro Rodrigues continua na posição de presidente.

Hoje, a empresa atua no Brasil, na Colômbia, Peru e Equador. Além de cosméticos, vende suplementos alimentares (a linha HND), pasta de dente e, mais recentemente, café. Com um modelo baseado na venda direta, a empresa lançou recentemente uma operação online. No entanto, a direção da companhia deixa claro que a aposta continua sendo o mundo físico. “Acredito muito na venda direta clássica, de você consumir um produto porque alguém da sua confiança está te indicando”, diz Rodrigues.

O presidente da Hinode falou a EXAME no escritório da empresa em Barueri. Na conversa, explicou o modelo de negócio da companhia, sua visão sobre a venda direta em uma época de avanço do e-commerce, as oportunidades no mercado de cosméticos no Brasil e rebateu críticas ao modelo de marketing multinível.

Leia os principais trechos da entrevista:

A Hinode teve um crescimento exponencial nos últimos anos. Em 2018 faturou R$ 2,7 bilhões. A que atribui esse crescimento, em plena crise econômica?

Cada vez mais pessoas conhecem um amigo ou amiga que começa a vender Hinode.  O crescimento da companhia se deu na medida em que a gente cresceu nosso canal de venda, com mais pessoas vendendo. E isso aliado a uma estratégia vencedora, que inclui um modelo de franquia junto com a construção de uma rede através do marketing multinível. No marketing multinível você tem que trabalhar muito para chegar ao resultado, não adianta ter aquela cabeça do emprego que você chega às 8h, bate carimbo até as 18h e vai embora. Por isso que a gente teve esse crescimento incrível: porque conseguimos desenvolver uma mentalidade empreendedora em muita gente. Temos hoje 450 franquias no Brasil, além de duas no exterior.

O marketing multinível é um modelo controverso. Como saber quando é pirâmide?

Existe a pirâmide financeira, e existe a empresa de marketing multinível séria. O marketing multinível é um modelo de negócio que tem 70 anos, é consolidado nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia. Aqui no Brasil é muito novo, a primeira experiência conhecida foi no começo dos anos 1990. Ele é uma ferramenta para distribuir produtos. Para saber se é um negócio sério, é importante verificar se a empresa tem um produto relevante, qual é a recorrência da venda daquele produto e se os preços estão alinhados com o mercado. Se o preço está seis, sete vezes acima do mercado tradicional, tem alguma coisa errada. Se a operação de marketing multinível também está só focada no cadastro de pessoas, pode desconfiar que se trata de pirâmide financeira. Há muito preconceito contra esse modelo no Brasil, muitas vezes porque as pessoas ouvem casos de empreendedores que usaram essa ferramenta da maneira errada. Tenho procurado desmistificar isso. Hoje somos a maior operação em venda direta de marketing multinível do Brasil, já somos essa companhia e queremos consolidar essa liderança no mercado brasileiro.

Quanto ganha um consultor da Hinode em média?

Somos uma empresa de impacto social, fazemos diferença na vida de centenas de milhares de famílias no Brasil. São 850 mil consultores, quase 300 mil deles ativos, sendo que 30% dessas pessoas têm a sua renda principal baseada no negócio da Hinode. Se um consultor vender um perfume da Hinode por dia, com um preço de cerca de 150 reais, no final do mês ele terá 1.800 reais de lucro para ele.

Vendemos nossos produtos com 50% de desconto para o consultor, o que está acima do praticado por outras empresas do setor. Somos uma empresa que tem por princípio dividir muito do que produzimos. Acredito que todo empresário nesse país precisa ser remunerado, mas não de qualquer forma: ele deve estabelecer uma remuneração X para ele. E quando ele atingir esse X, é porque chegou ao seu objetivo. Muitos empresários, quando chegam no X, querem o X + 1, X + 2, X + 3. Minha visão é diferente. Se eu conseguir o X +1, vou dividir esse a mais.

Qual é o seu X?

Ele é relevante, é o X que me satisfaz e que eu dou glória a Deus todos os dias. A Hinode é uma empresa equilibrada, que procura cuidar muito da gestão, estou olhando muito forte a questão da governança corporativa, para ter uma empresa eficiente, com seus custos bem administrados.

Um consultor que vende um perfume por dia ganha 1.800 reais. E quanto ganham os consultores no topo da cadeia?

Temos ganhos na casa de três dígitos, consultores que conseguem ganhos na casa dos 100 mil reais por mês. Eles lideram equipes de milhares e milhares de pessoas, começaram sozinhos e desenvolveram seu negócio a tal ponto que conseguem ter uma renda como se fossem executivos de uma grande companhia. Tenho cerca de 100 consultores nesse nível, que são os imperiais diamante. Depois vêm os consultores diamante, que aí são para lá de 5 mil pessoas.

 

Convenção da Hinode no Allianz Parque

Convenção da Hinode no Allianz Parque (Hinode)

O senhor disse que, para o marketing multinível ser sério, ele precisa ter produtos com preço compatível com o mercado. E vocês vendem com 50% para o consultor, um desconto maior que o de outras empresas do setor. Como essa conta fecha para a Hinode?

É só você imaginar quanto as minhas concorrentes gastam com mídia todos os anos e quanto eu gasto. A grande diferença está aí. A conta de mídia dos meus concorrentes é bem alta. O que as grandes companhias gastam para promover o produto delas eu pego e coloco na minha rede, no meu consultor. Ele é a minha mídia.

Além dos consultores, vocês atuam com franquias. Qual o papel delas no modelo de negócio da Hinode?

Hoje temos 450 franquias no Brasil. Também inauguramos recentemente uma franquia em Bogotá, na Colômbia, e em Lima, no Peru, as duas primeiras fora do Brasil. Elas são lojas pelas quais a gente atende nossos consultores e com isso a gente dá capilaridade e agilidade para nossa rede. Muitas vezes o consultor não tem capital de giro para fazer grandes compras. Então, com as franquias, ele pode vender um perfume e entregar, com esse dinheiro ele pega um batom e entrega também. Isso viabiliza muito o negócio do consultor, ele não precisa encomendar grandes quantidades. Na Hinode ele não precisa fazer um pedido mínimo. Ele faz uma ativação de cadastro, com um pedido na casa dos 300 reais, e depois pode comprar um batom por dia se quiser.

Como vocês chegaram ao modelo de marketing multinível?

Minha mãe começou como revendedora de cosméticos numa empresa que não existe mais chamada Brazilian Way em 1983. Eu tinha 12 anos. Naquela época ela já viu a possibilidade de montar uma equipe de vendas, meu pai entrou junto e em determinado momento a equipe deles era responsável por 70% das vendas da empresa. Em 1987 o dono da empresa decidiu fechar o negócio, e meus pais então decidiram abrir o próprio negócio. A equipe de vendas deles naquela empresa se chamava sol nascente e minha mãe gostava muito da cultura japonesa. Ela perguntou para um amigo japonês como se dizia sol nascente em japonês e veio a palavra Hinode.

Eu conheci o marketing multinível em 1991, e passei a estudar o assunto. Em 1995 assumi a presidência da empresa e passei por vários modelos. Em 2008 migramos para o marketing multinível. E eu errei muito nessas mudanças também. Em 2008, logo na entrada para esse modelo, a gente passou por nosso pior deserto. No primeiro mês de marketing multinível, o faturamento caiu 90%. Na época a gente faturava 700 mil reais por mês, já tínhamos 20 anos de companhia. Foram quatro anos de aprendizado. Colocamos tudo na empresa para ela sobreviver. Até que em 2012 a gente conseguiu ajustar o modelo, e de lá para cá experimentamos um crescimento exponencial em nosso negócio.

Quais dificuldades encontraram nesse período?

Olhando para trás, é fácil saber. Para fazer marketing multinível, você precisa ir na contramão da cultura do brasileiro comum, que é a cultura do emprego. Não tem nada errado nisso. Mas no Brasil ninguém ensina “faça mais do que você está sendo pago para fazer”. No marketing multinível você tem que trabalhar muito para chegar no resultado. E por isso a gente teve esse crescimento incrível, porque conseguimos desenvolver uma mentalidade empreendedora em muita gente.

Como?

Temos a Universidade Hinode, nossa plataforma de conhecimento, onde tenho vídeos diversos, de como vender produto, por exemplo. Tenho o áudio da semana, tenho promovido muito a leitura. Temos cursos online e os presenciais feitos pela própria rede, através dos líderes de equipe. Eu tenho treinamento de produto nas franquias quase diariamente, são 450 franquias. Tenho os eventos mensais em todas as cidades onde atuamos no Brasil, é muita gente. São milhares e milhares e milhares de horas dedicadas ao treinamento das pessoas.

Os treinamentos são pagos?

Alguns sim, outros, não, mas quando é pago, é para custear o evento, coisa de 50, 70 reais não mais do que isso. O evento no Allianz Parque foram dois dias, então o ingressoera de 199 a 399 reais.

Vocês apostam forte na venda direta. Como vê os movimentos do varejo em direção ao e-commerce? O modelo de venda direta sobrevive?

O Brasil é um mercado enorme, especialmente quando se fala de cosméticos. Chegamos a ser o maior mercado de perfumaria do mundo e o terceiro maior de cosméticos, perdemos espaço por conta da crise e do câmbio. Ao mesmo tempo, é um mercado de poucas marcas nacionais fortes. Muitas vezes quando eu perguntava para as pessoas lá atrás os nomes de três marcas nacionais de cosméticos, elas só conseguiam falar de duas. Então há grandes oportunidades e espaço para outras marcas.

Sobre movimentos de distribuição, aí acho que é de cada empresa entender no que ela acredita, não tem certo ou errado, é questão de se identificar com uma estratégia. Eu acredito na venda através do relacionamento. Eu sou o que sou porque aprendi a vender através do relacionamento. Ouvimos falar sobre transformação digital, já vi um banco dizer que só sete marcas vão sobreviver no varejo mundial. Como assim? Cada vez mais a gente se relaciona via redes sociais. Mas na minha visão como empresário, um ativo muito forte é o relacionamento, e o relacionamento pessoal. Eu acredito muito na venda direta clássica, de você consumir um produto porque alguém da sua confiança está te indicando.

Convenção da Hinode no Allianz Parque, em novembro

Convenção da Hinode no Allianz Parque, em novembro (Hinode)

Há diversas críticas à Hinode na internet. Há um tempo atrás, uma reportagem dizia que os líderes da empresa eram incentivados a ostentar riqueza. Pode comentar?

Não é isso. Não tem nenhum material da Hinode em que você veja algo minimante parecido com isso. O que digo sempre é que promovemos a transformação social, e não a ostentação social. É completamente diferente. Não tem nenhum discurso da Hinode que fale que você, que mora numa comunidade, tem que pegar seu primeiro ganho relevante e comprar um carro para mostrar. Mas quando vejo uma pessoa que saiu de uma favela, trabalhou duro e conseguiu comprar o carro dela, isso é transformação social e isso eu incentivo.

Em todos os eventos eu digo: ‘se você está buscando dinheiro fácil, aqui não é o lugar’. Nos Estados Unidos, não existe ganhar dinheiro, “win money”, eles falam em “make money”. Lá, ganhar dinheiro é quando você ganha na loteria. Aqui as pessoas acham que vão ganhar dinheiro. Eu digo: você vai construir um negócio e, se trabalhar muito, dez, doze horas por dia, pode alcançar um resultado relevante. Eu acredito que o sucesso não resiste ao trabalho árduo por muito tempo. Por que ele não chega para a maioria? Porque a maioria não faz. O que é a Hinode? Milhares de pessoas comuns fazendo algo incomum: dando 100% todos os dias.

Mas e se um líder envereda por um discurso diferente desse?

Eu tenho um departamento de compliance aqui, que é institucional e da rede. Porque ninguém é meu empregado, são todos autônomos. Mas existe um manual de conduta, que diz o que ele pode fazer. Quando alguém está fora da regra, meu grupo de advogados orienta. Se reincidir tem multa, e se reincidir tem o cadastro cancelado. A gente se preocupa muito não só com o resultado da companhia, mas especialmente com as pessoas, com a indústria que estamos criando no Brasil.

Quais os planos da Hinode para 2019?

Vamos continuar focados em nossos pilares enquanto companhia ampliar nossa liderança no mercado de marketing multinivel. Acreditamos que há muito para crescer, estou muito otimista de que vamos viver um momento de recuperação da economia. O brasileiro merece isso. Também vamos continuar nossa expansão internacional. A meta é crescer na casa dos dois dígitos no ano, contando com o mercado internacional.

Acompanhe tudo sobre:CosméticosHinodeMarketing multinívelPirâmides financeiras

Mais de Negócios

Franquias no RJ faturam R$ 11 bilhões. Conheça redes a partir de R$ 7.500 na feira da ABF-Rio

Mappin: o que aconteceu com uma das maiores lojas do Brasil no século 20

Saiba os efeitos da remoção de barragens

Exclusivo: Tino Marcos revela qual pergunta gostaria de ter feito a Ayrton Senna