Hidrogênio verde: com matriz energética composta majoritariamente por energia renovável, o Brasil tem grande potencial para se tornar um polo produtor (Andriy Onufriyenko/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2022 às 07h00.
O mundo todo tem falado de hidrogênio verde, considerado a fonte de energia do futuro e um aliado essencial no combate às mudanças climáticas. Apesar de ser ainda uma indústria nascente, a corrida pela sua produção está em ritmo acelerado em diversos países, inclusive no Brasil.
A primeira fábrica de hidrogênio verde do país já está sendo construída, no Polo Industrial de Camaçari (BA), e vai entrar em operação até o fim do ano que vem. Na fase inicial, a planta terá capacidade de produção de 10 mil toneladas por ano.
Em um plano integrado com a fabricação de também 60 mil toneladas/ano de amônia verde (produto em que o hidrogênio pode ser convertido), a unidade, que pertence à empresa química brasileira Unigel, deve se tornar uma das maiores produtoras globais. Na segunda fase, prevista para 2025, a estimativa é quadruplicar a produção.
Alguns governos estaduais, em parceria com complexos industriais e empresas de energia, também começaram a desenvolver projetos de hubs de hidrogênio verde por aqui. Um deles fica a 60 quilômetros de Fortaleza (CE), no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, que vai concentrar diversas companhias do segmento e ser uma porta de saída estratégica rumo ao mercado internacional.
O projeto possui dois pré-contratos – o último firmado há poucos dias – e mais de 20 memorandos de entendimento entre o porto, o governo do estado e empresas, que somam 8 GW em capacidade para produzir 1,3 milhão de toneladas de hidrogênio verde por ano.
Além do Porto de Pecém, outras iniciativas pioneiras semelhantes são a do Porto de Suape, em Pernambuco, e a do Porto do Açu, no Rio de Janeiro.
Embora seja o elemento mais abundante do universo, o hidrogênio raramente é encontrado em sua forma elementar no planeta. Sua geração acontece a partir de uma matéria-prima que contenha esse elemento (como água, combustíveis fósseis e biomassa) mediante o consumo de energia.
O chamado hidrogênio verde (H2 V) é aquele obtido por um processo chamado eletrólise da água, como explica Ana Flávia Nogueira, professora titular da Unicamp e diretora do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE).
Esse método usa a corrente elétrica para quebrar a molécula da água (H2O), separando o hidrogênio (H2) do oxigênio (O). “Mas, para ser considerado verde, a fonte de tensão usada deve ser uma eletricidade produzida por fontes renováveis, como a solar ou a eólica”, ressalta.
O hidrogênio extraído dessa maneira tem um papel potencialmente importante no cumprimento das metas globais de energia e clima, sendo uma das principais soluções na transição para uma matriz energética de baixo carbono.
Como usa fontes renováveis em sua geração, esse é um combustível obtido sem emissão de gases de efeito estufa. Por isso, a intenção é substituir o produto adotado atualmente, chamado de hidrogênio cinza, oriundo de fontes fósseis. “Hoje, 90% da produção é através do processo de reforma do gás natural e carvão”, esclarece a professora Ana Flávia.
Isso poderia evitar as 830 milhões de toneladas de carbono anuais geradas na produção do gás por essas fontes, principalmente para as indústrias química e de refino, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). O volume corresponde às emissões do Reino Unido e da Indonésia, juntos, por um ano inteiro.
Além da produção carbono zero, a queima do hidrogênio verde também não polui. “Sua emissão seria apenas água”, diz a docente. Ou seja, é uma alternativa 100% limpa, do início ao fim.
O H2 verde é ainda uma alternativa para armazenar volumes excedentes de energias eólica e solar, evitando o desperdício de eletricidade limpa. Para isso, basta usar o que sobra para realizar a eletrólise, gerar gás hidrogênio e armazená-lo. Essa seria uma forma de manter a estabilidade no fornecimento dos dois tipos de energia, que oscilam conforme as condições do ambiente.
O H2 V é uma solução carbono zero com inúmeras aplicações. Segundo um estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre as perspectivas de uso do hidrogênio sustentável na indústria brasileira, os setores com maior potencial de uso por aqui são o de refino de petróleo, fertilizantes, siderurgia, metalurgia, cerâmica, vidro e cimento, hoje grandes consumidores de hidrogênio cinza.
Mas a versatilidade do gás permite também que seja usado em outros setores. “Carros, ônibus e caminhões podem se mover utilizando hidrogênio como combustível. Isso é válido também para o transporte marítimo”, exemplifica Ana Flávia Nogueira.
De acordo com relatório da IEA, o hidrogênio limpo está atualmente recebendo forte apoio de governos e empresas em todo o mundo, com o número de políticas e projetos se expandindo rapidamente (especialmente com o agravamento da crise energética na Europa, provocado pela invasão russa na Ucrânia).
Até 2021, segundo a entidade, havia pelo menos 200 projetos relacionados ao combustível, em mais de 30 países. E, globalmente, quase US$ 30 bilhões em subsídios governamentais para o hidrogênio verde já foram anunciados como parte dos pacotes de estímulo.
Apesar disso, quando pensamos nas metas climáticas, ainda é incerto quantos desses projetos serão realmente realizados dentro do prazo e do orçamento.
Os principais desafios ainda são relativos à rentabilidade. “Em muitas partes do mundo, o custo de produção de hidrogênio a partir de eletricidade renovável permanece mais alto do que as alternativas de combustíveis fósseis. O ritmo de expansão da capacidade do eletrolisador é fundamental para alcançar as reduções de custos necessárias”, diz a IEA.
Por aqui, o estudo Panorama do Hidrogênio no Brasil, do IPEA, de agosto deste ano, também aponta barreiras de natureza técnica. “É necessário desenvolver tecnologias com bom custo-benefício para transporte e armazenamento, por exemplo a utilização de gasodutos no transporte de grandes quantidades de hidrogênio”, afirma o documento.
Ainda assim, os especialistas veem perspectivas bastante positivas para o hidrogênio verde nos próximos anos, especialmente no Brasil. “Tudo ainda é muito incipiente se pensarmos que estamos na busca frenética por um mundo sem emissão de carbono. Não só no Brasil, no mundo todo. Mas não há dúvida que o hidrogênio tem tudo para ser o combustível do futuro”, comenta Ana Flávia, da Unicamp.
“Para o hidrogênio ser verde, precisamos de energia solar e fotovoltaica, e aqui temos muito sol e vento. Quase 20% da nossa eletricidade já vêm dessas duas fontes renováveis. Assim, o Brasil tem uma oportunidade imensa”, finaliza.