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Guerra do leite tem Dia D nesta quarta-feira

O grupo mexicano Lala Foods e o francês Lactalis, em pé-de-guerra pela Itambé, devem descobrir como a empresa será administrada até futura arbitragem

FÁBRICA DA LACTALIS: um novo pedido de arbitragem, na última semana, esquentou ainda mais a disputa  (Alexandre Battibugli/Exame Hoje)

FÁBRICA DA LACTALIS: um novo pedido de arbitragem, na última semana, esquentou ainda mais a disputa (Alexandre Battibugli/Exame Hoje)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 6 de março de 2018 às 19h25.

Última atualização em 6 de março de 2018 às 21h02.

Nesta quarta-feira, 06, o desembargador Marcelo Fortes Barbosa, da Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, vai decidir como termina o capítulo mais recente de uma das maiores brigas societárias do momento no país. A disputa envolve as multinacionais Lactalis, da França, e Lala Foods, do México, no litígio para ver quem fica com o controle do laticínio mineiro Itambé Alimentos. Depois de pedir vistas na última semana, o voto de Barbosa deve ditar como a empresa será administrada até que a Câmara de Arbitragem Brasil-Canadá decida quem, de fato, é o dono da Itambé.

A história é complexa. A Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR) vendeu para a Lactalis 100% das ações da Itambé um dia depois de ter comprado 50% de sua ex-sócia, a Vigor, que, por sua vez, havia sido comprada pela mexicana Lala Foods do grupo brasileiro J&F. A Vigor – e consequentemente a Lala Foods – alega que foi passada para trás, já que, na visão da empresa, a Lactalis não poderia fazer a proposta pela Itambé, e a CCPR não poderia vender a empresa.

A cooperativa, pelo que constava no acordo de acionistas assinado em 2013, quando a sociedade com a Vigor foi celebrada, teria de ter levado a oferta que recebeu da francesa para o conhecimento da Vigor. A Lactalis foi uma das empresas interessadas na compra da Vigor – que então era dona de 50% da Itambé – quando o Grupo J&F colocou a empresa à venda durante a turbulência causada pela delação de seus principais executivos e, por isso, teve acesso a todos os números confidenciais de ambos os laticínios. Para ter esse acesso, o grupo francês havia assinado um termo de confidencialidade em que se comprometia a não fazer propostas futuras por ativos da Vigor e da Itambé durante dois anos.

A Lactalis, por óbvio, discorda dessa argumentação. De acordo com o que EXAME apurou, na visão da empresa francesa, o termo de confidencialidade era para proteger o Grupo J&F e não o possível comprador das empresas.

A Justiça deve definir, de forma liminar, quem administra a Itambé até que a arbitragem tenha uma decisão final, o que pode demorar até dois anos. O voto de Barbosa é o último. O relator do caso, o desembargador César Ciampolini, validou, em seu voto, a compra dos 50% que eram pertencentes à Vigor pela CCPR e a posterior venda de 100% das ações para a Lactalis, mas definiu que a multinacional francesa não pode assumir o controle da companhia até uma posição final da arbitragem para que nada seja modificado de forma definitiva até lá e, na prática, o negócio possa ser desfeito.

Na última quarta-feira, 28, o desembargador Alexandre Alves Lazzarini, revisor do caso, não acompanhou o relator em seu voto, decidindo que as ações da Itambé não poderiam ter sido transferidas à Lactalis e, por consequência, a francesa também não poderá fazer parte da administração da companhia mineira. Esse é o principal pleito da Vigor no momento. A Vigor foi a responsável por entrar com o pedido de arbitragem sobre o processo de venda, ao qual a CCPR ainda não respondeu.

O quiproquó ficou ainda maior na semana passada. A CCPR entrou com outro pedido de arbitragem contra a Vigor, alegando que a ex-sócia teria prejudicado a Itambé em um negócio de venda de leite em pó para a Venezuela e pede uma indenização de 400 milhões de reais. De acordo com o pedido da CCPR, a Vigor teria se apropriado de uma oportunidade de negócio que seria destinada à sua controlada, o que feriria a lei das Sociedades Anônimas. Entre dezembro de 2013 e maio de 2015, a Itambé exportou leite em pó para a Venezuela dentro de um contrato maior, fechado pela JBS, para exportação de proteínas para o país.

Mais tarde, entre junho de 2015 e janeiro de 2016, a Vigor passou a exportar ela mesma para a Venezuela, comprando leite em pó tanto da Itambé como de outras empresas do mercado. A CCPR alega que, com isso, a Itambé deixou de ganhar os 400 milhões pedidos na ação. Isso porque existia uma diferença entre os preços praticados no mercado interno, onde o valor da tonelada variava entre 3.000 e 4.000 dólares, e o vendido para a Venezuela, onde era de 5.800 dólares.

Um executivo próximo às companhias disse a EXAME que a diferença no valor existia porque a JBS, que era a dona oficial do contrato, não fazia apenas a venda do produto para o país vizinho, mas também toda a logística de distribuição desde que a carga saia do Brasil. Assim, o preço pago pelo governo venezuelano era mais caro porque correspondia ao produto e ao serviço fornecidos pela empresa, além do risco de crédito embutido numa operação com um comprador conhecido pelos calotes aplicados. Ainda de acordo com o executivo, a Vigor passou a fazer a compra do leite em pó no mercado porque a Itambé não tinha capacidade instalada para fornecer o total contratado, que começou com cerca de 2.500 toneladas por mês e passou para cerca de 7.500.

Por meio de nota, a Vigor afirmou que a publicação de matérias antes mesmo de a empresa ter sido notificada da ação e horas depois de requerida a arbitragem, como aconteceu na última semana, “demonstra a real motivação da CCPR: tumultuar, com argumentos inverídicos, o andamento, na Justiça, do processo em que a Vigor busca suspender cautelarmente a sequência de ilegalidades que culminou na venda da Itambé para a Lactalis”.

“Alegam que a Vigor teria ‘usurpado’ da Itambé uma oportunidade de negócio no fornecimento de leite em pó à Venezuela. Ocorre que o contrato em questão nunca foi da Itambé, mas da antiga controladora da Vigor. Como ficará provado no foro competente, os atos da Vigor observaram rigorosamente os ritos societários da Itambé, seu acordo de acionistas e a lei. De se ressaltar ainda que todos os atos praticados, referentes a este contrato, foram devidamente aprovados por unanimidade e sem quaisquer restrições, por todos os membros do Conselho de Administração da Itambé, inclusive dos 3 membros presentes da CCPR”, diz a nota.

EXAME teve acesso às atas das reuniões do conselho da Itambé que tratam do assunto, inclusive a que trata da mudança do preço pago para a companhia mineira, e, de fato, elas foram aprovadas por unanimidade e sem restrições.

“A intenção da CCPR, ao entrar com o pedido de arbitragem na segunda e vazá-lo na terça era influenciar o voto do desembargador na quarta-feira”, diz um executivo próximo às companhias.

Procurada, a Itambé não respondeu até o fechamento da reportagem. Mais tarde, enviou uma nota sobre o assunto.

NOTA DA ITAMBÉ
A Itambé esclarece que a arbitragem sobre as exportações da companhia à Venezuela está sujeita às regras de confidencialidade da câmara arbitral. Em respeito a tal condição, a Itambé se encontra impedida de tecer qualquer comentário sobre as alegações divulgadas na mídia. Reitera ainda sua absoluta confiança na justiça, com a certeza de que obterá a reparação pelos prejuízos sofridos.

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