Negócios

Grupo gaúcho de R$ 500 milhões cria posto de combustível do futuro: sem combustível

Empresa já opera unidades com carregadores rápidos, lojas de conveniência e padrão internacional — e se prepara para entrar em São Paulo em 2026

Eduardo Costa, do Grupo Farroupilha: “Hoje, o Brasil tem mais de 12.000 pontos de recarga, mas menos de 3.000 são rápidos de verdade" (Carlos Macedo / Esquina do Futuro/Divulgação)

Eduardo Costa, do Grupo Farroupilha: “Hoje, o Brasil tem mais de 12.000 pontos de recarga, mas menos de 3.000 são rápidos de verdade" (Carlos Macedo / Esquina do Futuro/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 2 de julho de 2025 às 09h56.

Última atualização em 2 de julho de 2025 às 19h17.

No início dos anos 2000, um setor inteiro da economia brasileira ficou sem saber o que fazer com tanto dinheiro: as empresas de cigarro.

Com a proibição de propagandas em jornais, revistas, outdoors e televisão, os departamentos de marketing ficaram engessados — e precisaram encontrar novas formas de visibilidade. Foi aí que um adolescente de Porto Alegre teve uma ideia simples e precisa: se não podiam anunciar na rua, podiam se destacar dentro da loja.

Aos 17 anos, Eduardo Costa convenceu marcas como Souza Cruz e Philip Morris a bancarem a reforma de lojas de conveniência em postos de gasolina — em troca de posição privilegiada nas prateleiras. “Eles não sabiam onde gastar. Eu organizei o espaço e vendi o ponto de venda como mídia. Foi assim que montei minha primeira loja, e ainda sobrou dinheiro para comprar dois computadores com internet para os clientes usarem”, lembra.

Hoje, mais de 20 anos depois, Costa repete o mesmo movimento com uma nova transformação de mercado. À frente do Grupo Farroupilha, dono de 32 postos tradicionais e uma rede de lojas de conveniência, ele lançou a Esquina do Futuro, a primeira rede de eletropostos estruturada do Brasil. A marca aposta em recarga ultrarrápida, conveniência completa e operação própria. Até o fim de 2025, a rede deve ultrapassar 50 unidades.

Depois de estrear em Porto Alegre, a rede já tem operações no entorno da capital e está prestes a inaugurar em Novo Hamburgo e Maringá (PR). Em seguida, será a vez de São Paulo. “Não tem outro operador hoje fazendo o que a gente faz”, afirma Costa.

A relevância dessa história não está apenas no pioneirismo. A Esquina do Futuro está surgindo no exato momento em que o Brasil atinge o ponto de inflexão da mobilidade elétrica.

Em 2024, o país fechou o ano com mais de 150.000 carros eletrificados vendidos. A estimativa é que esse volume ultrapasse 330.000 unidades em 2025 — o suficiente para obrigar redes, montadoras e governos a correrem atrás de estrutura.

“Hoje, o Brasil tem mais de 12.000 pontos de recarga, mas menos de 3.000 são rápidos de verdade. O resto é carregamento de 6, 8, 12 horas. Isso não resolve a vida de ninguém”, afirma Eduardo.

Nos planos da empresa, a expansão vai combinar unidades próprias com pontos parceiros, focando em conveniência, segurança e operação de ponta a ponta. "A gente testa cada cabo, cada software. Não é só enfiar uma máquina na calçada e chamar de inovação. A diferença está na operação", diz ele.

Como nasceu a ideia de eletrificar o futuro

A história da Esquina do Futuro começa longe do Brasil — mais precisamente, no trajeto entre Los Angeles e Las Vegas. Entre 2014 e 2018, Eduardo Costa morou na Califórnia com a família. Depois de vender a rede de postos que operava no Rio Grande do Sul, decidiu tirar um tempo para estudar, acompanhar o crescimento do filho e observar o que o futuro da mobilidade reservava.

Foi nesse período que ele testemunhou o que chama de “o ponto de virada da Tesla”. “Eles perceberam que só vender carro não bastava. Precisavam entregar infraestrutura. E aí começaram a instalar carregadores rápidos em lugares estratégicos”, diz. O exemplo mais simbólico, segundo ele, foi a instalação de um ponto de recarga em Primm, no meio do deserto de Nevada. “Ali virou o marco zero da revolução elétrica. Não era só tecnologia. Era logística, conveniência, visão de longo prazo.”

De volta ao Brasil, a ideia ganhou nome, projeto e endereço. A Esquina do Futuro seria mais que um eletroposto. Seria um ponto de recarga rápida com operação completa: loja de conveniência, banheiros, café, espaço de convivência e um ambiente para testar produtos sustentáveis — batizado de Lançamento do Futuro.

A inspiração veio no momento certo. A frota de veículos elétricos no Brasil, que ainda engatinhava em 2018, deu um salto nos últimos anos. Só em 2024, as vendas de carros eletrificados cresceram 113%, impulsionadas pela entrada de novas montadoras, queda nos preços e benefícios fiscais.

“Hoje a gente vê muito carregador lento em supermercado ou estacionamento. Isso não resolve. O motorista precisa de estrutura, de uma boa experiência. E isso ninguém está entregando ainda com consistência”, afirma Costa.

Como funciona a Esquina do Futuro

A proposta da Esquina do Futuro vai na contramão dos grandes players que tentam ganhar o mercado pela quantidade. Enquanto algumas empresas espalham milhares de carregadores em estacionamentos e supermercados, a Esquina aposta em locais com operação ativa, atendimento humano e padrão de conveniência.

“Ninguém quer sentar no meio-fio enquanto o carro carrega. A gente vê carregador instalado na frente de lavanderia, sem banheiro, sem cobertura, sem nada. Isso é um desserviço”, diz. Em Porto Alegre, por exemplo, a unidade da Avenida Nilo Peçanha já virou ponto de encontro. Outras foram instaladas em bairros como Menino Deus e Santa Cecília, com novas chegando na zona sul e em cidades vizinhas.

Cada ponto precisa cumprir três critérios: segurança, conveniência e estrutura operacional. Se não tiver os três, não entra. “Nem tudo vira Esquina do Futuro. Às vezes a gente só instala o ponto, mas ele precisa estar no lugar certo. Um bom posto é como um bom restaurante. Tem que ser onde as pessoas querem estar”, afirma.

O custo para montar uma unidade completa pode passar de 10 milhões de reais. Mas o retorno, segundo Costa, já é positivo: “Está se pagando. Melhor do que eu esperava, inclusive. Mas eu sei que isso vai mudar. Vai vir concorrência. Vai ter guerra de preço. E aí só quem operar bem vai sobreviver.”

Como é a concorrência

O crescimento dos eletropostos no Brasil tem sido explosivo.

Em quatro anos, o país saltou de apenas 350 pontos de recarga públicos e semipúblicos para mais de 12.000, impulsionado por incentivos de montadoras, startups e grandes grupos de energia. Mas há um problema escondido sob esse número: apenas 2.400 desses pontos são rápidos de verdade. O restante depende de carregamento lento, que pode levar até 12 horas para completar uma carga.

É justamente nesse gargalo que a Esquina do Futuro tenta se posicionar.

Enquanto boa parte do mercado aposta em volume — instalando carregadores lentos em supermercados, estacionamentos ou condomínios residenciais — Eduardo Costa quer construir um ecossistema. “Eu não estou nessa briga de quem tem mais ponto. Estou na briga de quem atende melhor”, afirma.

E ele está de olho em outro dado estratégico: quem são os donos da frota elétrica. O tipo de carro que domina o mercado hoje ajuda a definir a estrutura de recarga necessária — e, por consequência, onde vale a pena investir.

Esse perfil de consumidor reforça a aposta da Esquina do Futuro em postos urbanos, com infraestrutura de conveniência e operação direta. “Quem compra carro elétrico de 100.000 reais não quer esperar 10 horas para carregar no prédio. Ele quer chegar, carregar em 15 minutos e seguir a vida. E quer banheiro limpo, café, segurança”, diz Costa.

A diferença entre operar e simplesmente instalar ficou mais visível com o tempo. “Tem ponto da Equatorial, por exemplo, com 10 carregadores, dos quais seis já estão abandonados. Não adianta instalar se ninguém cuida. Isso é infraestrutura crítica, não é enfeite de calçada”, completa.

Quais são os outros negócios

A Esquina do Futuro é apenas um dos negócios do Grupo Farroupilha. Com mais de 500 milhões de reais em faturamento em 2024, a holding comanda 32 postos de combustíveis, 23 unidades AmPm, 10 lojas de conveniência próprias (sob a marca Alegrow), 9 centros automotivos e outras seis marcas.

A trajetória de Eduardo no setor começou com 17 anos, quando ele e o irmão passaram a reabrir postos fechados da Shell no Rio Grande do Sul.

Depois, vieram os contratos com a Ipiranga, o nascimento da Alegrow e a profissionalização da estrutura. “A gente nasceu no caos. Teve posto que reabrimos em três semanas, indo atrás de licença em prefeitura, Ibama, o que fosse”, lembra.

Hoje, a Alegrow é usada como "âncora" das Esquinas do Futuro.

As cafeterias da marca estão presentes nas unidades, e o mix de produtos é adaptado para cada região. Em Porto Alegre, uma unidade ficou aberta 24 horas durante a enchente a pedido da comunidade. “Viramos ponto de apoio, com gente carregando celular e buscando água. Esse é o papel do varejo local. Não dá pra operar só da porta pra dentro.”

Desafios da eletromobilidade no Brasil

Apesar da expansão, o setor de eletropostos ainda enfrenta barreiras estruturais graves:

  • Falta de regulamentação clara: hoje não há norma nacional que padronize a instalação, operação e manutenção dos pontos;
  • Alto custo de instalação, especialmente para recarga ultrarrápida;
  • Infraestrutura elétrica precária em muitos imóveis, dificultando a instalação residencial ou comercial;
  • Manutenção falha: estima-se que até 40% dos pontos públicos estejam inoperantes;
  • Risco de incêndio em instalações mal feitas, especialmente em pontos improvisados por pousadas e comércios pequenos.

“Segurança é inegociável. A gente trabalha com extintores específicos para carro elétrico. Se não tiver isso, você está colocando vida em risco”, afirma Costa.

Próximos passos: interiorização, energia renovável e mar aberto

Apesar do retorno financeiro atual, Eduardo Costa não se ilude com o cenário confortável de quem saiu na frente. Ele sabe que, em pouco tempo, a corrida pela mobilidade elétrica vai deixar de ser um oceano azul para virar um mercado disputado, com margens apertadas e pressão por eficiência. Por isso, já começa a estruturar o que chama de “fase dois” da Esquina do Futuro, com foco em tecnologia, escala e custo operacional competitivo.

“Hoje a rentabilidade é boa, mas eu já estou me preparando para o cenário de daqui a quatro ou cinco anos. Vai ser como no combustível: vai ter briga por preço, por atendimento, por qualidade. Só vai ficar quem souber operar”.

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