Eduardo Costa, do Grupo Farroupilha: “Hoje, o Brasil tem mais de 12.000 pontos de recarga, mas menos de 3.000 são rápidos de verdade" (Carlos Macedo / Esquina do Futuro/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 2 de julho de 2025 às 09h56.
Última atualização em 2 de julho de 2025 às 19h17.
No início dos anos 2000, um setor inteiro da economia brasileira ficou sem saber o que fazer com tanto dinheiro: as empresas de cigarro.
Com a proibição de propagandas em jornais, revistas, outdoors e televisão, os departamentos de marketing ficaram engessados — e precisaram encontrar novas formas de visibilidade. Foi aí que um adolescente de Porto Alegre teve uma ideia simples e precisa: se não podiam anunciar na rua, podiam se destacar dentro da loja.
Aos 17 anos, Eduardo Costa convenceu marcas como Souza Cruz e Philip Morris a bancarem a reforma de lojas de conveniência em postos de gasolina — em troca de posição privilegiada nas prateleiras. “Eles não sabiam onde gastar. Eu organizei o espaço e vendi o ponto de venda como mídia. Foi assim que montei minha primeira loja, e ainda sobrou dinheiro para comprar dois computadores com internet para os clientes usarem”, lembra.
Hoje, mais de 20 anos depois, Costa repete o mesmo movimento com uma nova transformação de mercado. À frente do Grupo Farroupilha, dono de 32 postos tradicionais e uma rede de lojas de conveniência, ele lançou a Esquina do Futuro, a primeira rede de eletropostos estruturada do Brasil. A marca aposta em recarga ultrarrápida, conveniência completa e operação própria. Até o fim de 2025, a rede deve ultrapassar 50 unidades.
Depois de estrear em Porto Alegre, a rede já tem operações no entorno da capital e está prestes a inaugurar em Novo Hamburgo e Maringá (PR). Em seguida, será a vez de São Paulo. “Não tem outro operador hoje fazendo o que a gente faz”, afirma Costa.
A relevância dessa história não está apenas no pioneirismo. A Esquina do Futuro está surgindo no exato momento em que o Brasil atinge o ponto de inflexão da mobilidade elétrica.
Em 2024, o país fechou o ano com mais de 150.000 carros eletrificados vendidos. A estimativa é que esse volume ultrapasse 330.000 unidades em 2025 — o suficiente para obrigar redes, montadoras e governos a correrem atrás de estrutura.
“Hoje, o Brasil tem mais de 12.000 pontos de recarga, mas menos de 3.000 são rápidos de verdade. O resto é carregamento de 6, 8, 12 horas. Isso não resolve a vida de ninguém”, afirma Eduardo.
Nos planos da empresa, a expansão vai combinar unidades próprias com pontos parceiros, focando em conveniência, segurança e operação de ponta a ponta. "A gente testa cada cabo, cada software. Não é só enfiar uma máquina na calçada e chamar de inovação. A diferença está na operação", diz ele.
A história da Esquina do Futuro começa longe do Brasil — mais precisamente, no trajeto entre Los Angeles e Las Vegas. Entre 2014 e 2018, Eduardo Costa morou na Califórnia com a família. Depois de vender a rede de postos que operava no Rio Grande do Sul, decidiu tirar um tempo para estudar, acompanhar o crescimento do filho e observar o que o futuro da mobilidade reservava.
Foi nesse período que ele testemunhou o que chama de “o ponto de virada da Tesla”. “Eles perceberam que só vender carro não bastava. Precisavam entregar infraestrutura. E aí começaram a instalar carregadores rápidos em lugares estratégicos”, diz. O exemplo mais simbólico, segundo ele, foi a instalação de um ponto de recarga em Primm, no meio do deserto de Nevada. “Ali virou o marco zero da revolução elétrica. Não era só tecnologia. Era logística, conveniência, visão de longo prazo.”
De volta ao Brasil, a ideia ganhou nome, projeto e endereço. A Esquina do Futuro seria mais que um eletroposto. Seria um ponto de recarga rápida com operação completa: loja de conveniência, banheiros, café, espaço de convivência e um ambiente para testar produtos sustentáveis — batizado de Lançamento do Futuro.
A inspiração veio no momento certo. A frota de veículos elétricos no Brasil, que ainda engatinhava em 2018, deu um salto nos últimos anos. Só em 2024, as vendas de carros eletrificados cresceram 113%, impulsionadas pela entrada de novas montadoras, queda nos preços e benefícios fiscais.
“Hoje a gente vê muito carregador lento em supermercado ou estacionamento. Isso não resolve. O motorista precisa de estrutura, de uma boa experiência. E isso ninguém está entregando ainda com consistência”, afirma Costa.
A proposta da Esquina do Futuro vai na contramão dos grandes players que tentam ganhar o mercado pela quantidade. Enquanto algumas empresas espalham milhares de carregadores em estacionamentos e supermercados, a Esquina aposta em locais com operação ativa, atendimento humano e padrão de conveniência.
“Ninguém quer sentar no meio-fio enquanto o carro carrega. A gente vê carregador instalado na frente de lavanderia, sem banheiro, sem cobertura, sem nada. Isso é um desserviço”, diz. Em Porto Alegre, por exemplo, a unidade da Avenida Nilo Peçanha já virou ponto de encontro. Outras foram instaladas em bairros como Menino Deus e Santa Cecília, com novas chegando na zona sul e em cidades vizinhas.
Cada ponto precisa cumprir três critérios: segurança, conveniência e estrutura operacional. Se não tiver os três, não entra. “Nem tudo vira Esquina do Futuro. Às vezes a gente só instala o ponto, mas ele precisa estar no lugar certo. Um bom posto é como um bom restaurante. Tem que ser onde as pessoas querem estar”, afirma.
O custo para montar uma unidade completa pode passar de 10 milhões de reais. Mas o retorno, segundo Costa, já é positivo: “Está se pagando. Melhor do que eu esperava, inclusive. Mas eu sei que isso vai mudar. Vai vir concorrência. Vai ter guerra de preço. E aí só quem operar bem vai sobreviver.”
O crescimento dos eletropostos no Brasil tem sido explosivo.
Em quatro anos, o país saltou de apenas 350 pontos de recarga públicos e semipúblicos para mais de 12.000, impulsionado por incentivos de montadoras, startups e grandes grupos de energia. Mas há um problema escondido sob esse número: apenas 2.400 desses pontos são rápidos de verdade. O restante depende de carregamento lento, que pode levar até 12 horas para completar uma carga.
É justamente nesse gargalo que a Esquina do Futuro tenta se posicionar.
Enquanto boa parte do mercado aposta em volume — instalando carregadores lentos em supermercados, estacionamentos ou condomínios residenciais — Eduardo Costa quer construir um ecossistema. “Eu não estou nessa briga de quem tem mais ponto. Estou na briga de quem atende melhor”, afirma.
E ele está de olho em outro dado estratégico: quem são os donos da frota elétrica. O tipo de carro que domina o mercado hoje ajuda a definir a estrutura de recarga necessária — e, por consequência, onde vale a pena investir.
Esse perfil de consumidor reforça a aposta da Esquina do Futuro em postos urbanos, com infraestrutura de conveniência e operação direta. “Quem compra carro elétrico de 100.000 reais não quer esperar 10 horas para carregar no prédio. Ele quer chegar, carregar em 15 minutos e seguir a vida. E quer banheiro limpo, café, segurança”, diz Costa.
A diferença entre operar e simplesmente instalar ficou mais visível com o tempo. “Tem ponto da Equatorial, por exemplo, com 10 carregadores, dos quais seis já estão abandonados. Não adianta instalar se ninguém cuida. Isso é infraestrutura crítica, não é enfeite de calçada”, completa.
A Esquina do Futuro é apenas um dos negócios do Grupo Farroupilha. Com mais de 500 milhões de reais em faturamento em 2024, a holding comanda 32 postos de combustíveis, 23 unidades AmPm, 10 lojas de conveniência próprias (sob a marca Alegrow), 9 centros automotivos e outras seis marcas.
A trajetória de Eduardo no setor começou com 17 anos, quando ele e o irmão passaram a reabrir postos fechados da Shell no Rio Grande do Sul.
Depois, vieram os contratos com a Ipiranga, o nascimento da Alegrow e a profissionalização da estrutura. “A gente nasceu no caos. Teve posto que reabrimos em três semanas, indo atrás de licença em prefeitura, Ibama, o que fosse”, lembra.
Hoje, a Alegrow é usada como "âncora" das Esquinas do Futuro.
As cafeterias da marca estão presentes nas unidades, e o mix de produtos é adaptado para cada região. Em Porto Alegre, uma unidade ficou aberta 24 horas durante a enchente a pedido da comunidade. “Viramos ponto de apoio, com gente carregando celular e buscando água. Esse é o papel do varejo local. Não dá pra operar só da porta pra dentro.”
Apesar da expansão, o setor de eletropostos ainda enfrenta barreiras estruturais graves:
“Segurança é inegociável. A gente trabalha com extintores específicos para carro elétrico. Se não tiver isso, você está colocando vida em risco”, afirma Costa.
Apesar do retorno financeiro atual, Eduardo Costa não se ilude com o cenário confortável de quem saiu na frente. Ele sabe que, em pouco tempo, a corrida pela mobilidade elétrica vai deixar de ser um oceano azul para virar um mercado disputado, com margens apertadas e pressão por eficiência. Por isso, já começa a estruturar o que chama de “fase dois” da Esquina do Futuro, com foco em tecnologia, escala e custo operacional competitivo.
“Hoje a rentabilidade é boa, mas eu já estou me preparando para o cenário de daqui a quatro ou cinco anos. Vai ser como no combustível: vai ter briga por preço, por atendimento, por qualidade. Só vai ficar quem souber operar”.